(Atualizado às 10h para corrigir o valor total da emissão para R$ 650 milhões, e não R$ 800 milhões)
Não é de hoje que mercado e academia caçam evidências de que dívidas com características ESG trazem um prêmio verde às empresas que estão captando recursos com este selo, o chamado ‘greenium’. Ou seja, que as taxas de juros pagas aos investidores podem ser menores do que em dívidas sem este componente.
Empresas como a brasileira Suzano, de papel e celulose, já conseguiram demonstrar a existência do greenium, mas o assunto está longe de estar pacificado.
Numa emissão de dívida verde no mercado local, a Camil Alimentos tentou testar os limites dessa tese.
A produtora de arroz colocou na rua uma emissão de debêntures para captar R$ 650 milhões, com duas séries, ambas com prazo de pagamento de sete anos.
A única diferença entre as duas séries é que uma, de R$ 150 milhões, era um ‘green bond’, e a outra, de R$ 500 milhões, era uma debênture tradicional.
Num desenho inédito, a empresa e seu assessor financeiro, o BTG Pactual, tentaram impor um greenium logo na largada da operação. Na série verde, a companhia se propunha a pagar taxa máxima de CDI mais 1,70% ao ano, inferior ao juro de CDI mais 1,73% ao ano que estava disposta a pagar na dívida sem o selo.
“Foi como se o acionista indicasse que só aceita gerar externalidade ambiental positiva se fosse subsidiado pelo credor. Não faz sentido”, diz um gestor que analisou as condições da oferta.
Na avaliação de um investidor e um analista, o mais lógico seria a companhia sair com taxas idênticas e esperar a eventual definição do ‘greenium’ pelo mercado. Ou seja, se houvesse maior demanda pelo título com selo verde, naturalmente a taxa cairia mais no processo de coleta de propostas dos investidores (conhecido como bookbuilng).
Mas, ao fim e ao cabo, os investidores pagaram a mesma taxa nas duas séries: CDI mais 1,55% ao ano. Ou seja, nada de ‘greenium’ forçado ou espontâneo. Na prática, a taxa da debênture tradicional até caiu mais em relação à pretensão inicial, indicando demanda mais forte pelo papel.
A operação foi fechada na segunda-feira e, segundo informações de mercado, a demanda total foi de R$ 1,2 bi, sendo R$ 240 milhões na série verde (ou 1,6 vez) e R$ 960 milhões na segunda (1,9 vez).
As debêntures foram vendidas em oferta pública com esforços restritos para investidores profissionais (com ao menos R$ 10 milhões aplicados), com 21 compradores nas duas séries.
Em cima da hora
Enquanto os recursos da série tradicional irão todos para capital de giro, o dinheiro do green bond será destinado a financiar a implantação de uma usina de geração de energia térmica (vapor) e elétrica a partir da palha do arroz (biomassa), da fábrica da unidade de Cambaí da Camil, no município de Itaqui (RS). A usina será construída pela Veolia.
Além de gerar energia limpa para a empresa, o aproveitamento da palha também reduzirá a quantidade de resíduos que a empresa tem que destinar no pós-produção.
A emissão contou com selo verde dado pela consultoria Sitawi, que emitiu um parecer independente, atestando que a dívida está de acordo com os Green Bond Principles, as normas de autorregulação que balizam essas emissões.
Como tem se tornado uma prática no mercado, o parecer saiu praticamente no dia do fechamento do livro de ofertas, mal dando tempo para que investidores interessados na série verde pudessem avaliar o material.
Uma outra oferta ESG na praça, do frigorífico JBS, também ainda não conta com parecer independente e a companhia indicou como prazo máximo para divulgação a véspera do fechamento da operação. Essa demora tem gerado críticas de investidores.
À debênture da Camil, a Sitawi deu nota máxima no quesito ‘uso dos recursos’, avaliando positivamente a adequação do projeto, mas fez uma ressalva de que 3% do volume captado será destinado a reembolso de despesas já realizadas.
Embora avalie positivamente a política de sustentabilidade da empresa, a consultoria também chamou a atenção para algumas controvérsias ambientais e sociais em que a Camil esteve envolvida, como ocupação irregular de uma área de preservação ambiental permanente e acidentes com colaboradores.