
A varejista de moda Renner apresentou nesta segunda-feira (21), pela primeira vez, as suas estimativas (com cifrões) sobre o impacto dos riscos e oportunidades climáticas em suas operações e finanças. Em outras palavras: quanto a empresa tem a ganhar e a perder com as mudanças do clima.
Este é o primeiro relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade apresentado pela empresa conforme as novas normas do International Sustainability Standards Board (ISSB), conhecidas como IFRS S1 e S2. Ele mostrou que os efeitos financeiros derivados de eventos climáticos teriam um saldo positivo nas operações da varejista.
Os principais riscos climáticos materiais identificados pela Renner foram ondas de calor, inundações, secas e incêndios florestais. O relatório apresentou quais os efeitos financeiros e as medidas de mitigação para cada um deles.
No longo prazo, o maior efeito negativo no fluxo de caixa seria o maior custo de matérias-primas sustentáveis para produzir as roupas, o que representaria entre R$ 148 milhões e R$ 172 milhões adicionais em 10 anos. Inundações e ondas de calor podem ter efeito negativo entre R$ 88 milhões a R$ 99 milhões no mesmo período.
As oportunidades, porém, são maiores: o uso de energia renovável e a venda de produtos mais sustentáveis têm o potencial de impacto positivo entre R$ 424 milhões e R$ 488 milhões no fluxo de caixa operacional (antes de imposto) – todos os valores foram trazidos a valor presente.
“Este relatório não é apenas uma formalidade, mas uma demonstração do nosso esforço em superar desafios criando um caminho de transformação e aprendizado”, diz a carta da administração assinada por Carlos Souto, o presidente do conselho de administração, e Fabio A. Faccio, CEO da Renner.
No Brasil, o novo padrão de relatórios de sustentabilidade será obrigatório para empresas de capital aberto a partir de 2027 (para o reporte do exercício de 2026). Mas elas podem se adiantar de forma voluntária, o que fizeram apenas a Vale e a Renner. Em seu relatório, a Vale estimou que os mecanismos de precificação de carbono podem ter custos de até R$ 19 bilhões no longo prazo.
No mundo, 56 jurisdições decidiram adotar o novo padrão, no que promete ser uma mudança de paradigma para a avaliação de empresas. O Brasil foi o primeiro a aderir às novas regras.
Do algodão ao jeans
A venda de produtos mais sustentáveis é identificada pela Renner como uma oportunidade, mas que envolve um risco (e um custo) de transição.
No ano passado, a crescente demanda por produtos de moda mais sustentáveis renderam R$ 94 milhões para o resultado operacional da varejista. Em 10 anos, a projeção é de que o impacto positivo seja entre R$ 223 milhões a R$ 256 milhões no fluxo de caixa.
Para isso, porém, precisa usar matérias-primas mais sustentáveis, o que envolve algodão, viscose e poliéster. Isso está previsto no plano de transição da companhia que compõem suas metas climáticas.
A companhia, então, comparou os custos das matérias-primas convencionais com os das alternativas sustentáveis, com base em cotações de fornecedores – a Renner atua na concepção, planejamento, seleção e comercialização de seus produtos, mas não os fabrica. Ela, então, projetou o crescimento da demanda por essas matérias-primas ao longo dos próximos dez anos e calculou o valor incremental de transição.
Em 2024, a Renner consumiu 19,5 toneladas de algodão (dos quais 97% certificados), 10,4 toneladas de poliéster (2,6% certificados) e 6 toneladas de viscose (94% certificados).
No curto prazo (até 1 ano), o custo maior de matérias-primas sustentáveis é estimado em até R$ 2 milhões, no médio prazo (de 1 a 3 anos) em até R$ 16 milhões, e no longo prazo (de 3 a 10 anos) em até R$ 154 milhões – o que somado resulta nos R$ 172 milhões em uma década.
Para termos de avaliação do tamanho do impacto: o resultado operacional da Renner (medido pelo ebitda) foi de R$ 2,6 bilhões em 2024. O faturamento foi de R$ 14,4 bilhões no mesmo ano.
Outra matéria-prima importante é o jeans, que tem uso intensivo de água no seu processo de lavagem e produção. Por isso, as secas e estresse hídrico afetam diretamente os fornecedores da matéria-prima. E segundo a companhia, a maioria de seus fornecedores de jeans está em regiões de risco elevado de estresse hídrico.
A Renner também identifica como risco a deterioração da qualidade da água e a responsabilidade solidária em penalidades. A empresa exige conformidade e certificação de pegada hídrica de fornecedores (Programa Rede Responsável), com meta de ter 60% das peças de jeans classificadas como de baixo consumo de água até 2030.
Calor e enchentes
As informações da Renner abrangem suas operações em todos os países onde atua: Brasil, Uruguai e Argentina. Suas marcas incluem Lojas Renner, Camicado, Youcom, Ashua, Repassa e Realize CFI (seu braço financeiro).
No relatório são divulgadas as informações financeiras materiais, o que os contadores chamam de materialidade financeira. De forma simples, materialidade é uma informação que pode influenciar a decisão de usuários: investidores, funcionários, comunidades, clientes, fornecedores. Assim, a materialidade financeira traz o que é material expresso em cifras financeiras.
No caso de ondas de calor, fenômeno cada vez mais frequente, a Renner explica que elas reduzem a demanda por roupas de frio, o que impacta o inventário de produtos, além de aumentar o consumo de energia elétrica para climatização. A companhia estima que 28% dos seus ativos (lojas, principalmente) estão em áreas classificadas como de alto risco para ondas de calor.
O impacto negativo calculado pela empresa foi de R$ 18 milhões no resultado operacional em 2024 e a projeção é de R$ 64 milhões a R$ 74 milhões no fluxo de caixa em 10 anos. Para mitigar os riscos, a empresa diz que adapta as coleções, com uso de inteligência artificial para previsão de tendências e sortimento, maior flexibilidade no abastecimento, e no consumo de energia busca maior eficiência com a automação de lojas e construções ecoeficientes.
Como uma empresa com origens no Rio Grande do Sul, a empresa conhece bem os riscos de inundação. Eles diminuem o fluxo de clientes, impedem o acesso de funcionários e geram dificuldades logísticas com o bloqueios de vias. Cerca de 7% dos ativos da Renner são classificados como de risco muito alto para inundação, o que teve impacto negativo de R$ 10 milhões no resultado operacional em 2024 e projeção de até R$ 25 milhões em 10 anos.
Por fim, há riscos de incêndios no entorno do centro de distribuição (CD) de Cabreúva (interior de São Paulo, o que pode impactar a segurança dos funcionários e a operação logística – 33% dos CDs estão em risco muito alto. A empresa não identificou impactos financeiros em 2024 relacionados a incêndios e não divulgou seus efeitos futuros devido à ausência de histórico de paralisação e à eficácia da estratégia de resposta.
A Renner também quantificou as oportunidades relacionadas ao clima. Além da venda de itens de moda produzidos de forma mais sustentável, a outra oportunidade identificada é relacionada ao uso de energia renovável. Ela gera redução de custos operacionais por duas vias. Uma é pela menor exposição a cenários de precificação de carbono, ao reduzir as emissões indiretas. A outra é pela contratação da energia no ambiente livre, onde é negociada a energia renovável (solar, eólica, PCHs), frente ao cenário de aumento do custo unitário da energia elétrica no ambiente regulado.
O efeito financeiro disso em 2024 foi positivo de R$ 34 milhões no resultado operacional e a estimativa é de R$ 201 milhões a R$ 232 milhões no fluxo de caixa em 10 anos.