Enquanto as notas de crédito focam mais em aspectos de curto e médio prazo, os fatores ambientais, sociais e de governança (ESG) tendem a ter um impacto num horizonte mais longo. Para abarcar também esses riscos, a agência de classificação de risco Fitch desenvolveu uma metodologia para avaliar a vulnerabilidade ESG das empresas no longo prazo, até 2050, batizada de ESG.VS, ou ‘ESG Vulnerability Score’.
A ideia é traçar cenários preditivos para fazer uma espécie de teste de estresse das empresas e dos títulos de dívida ao longo do período de validade desses títulos, que com alguma frequência, ultrapassa os 20 anos.
O setor escolhido para a análise piloto foi o de utilities, que engloba empresas de energia elétrica, gás natural, água e saneamento. Muito capital intensivas e frequentemente com contratos de longo prazo, as utilities são as maiores emissoras de títulos de dívida do mundo, com mais de US$ 1,9 trilhão em circulação, de acordo com dados da própria agência.
Além disso, trata-se de um dos setores mais vulneráveis à mudança climática, em meio à transição energética necessária para a reduzir a emissão de gases de efeito estufa.
Como funciona
“O ESG.VS não é um input para o processo de rating, mas uma informação a se considerar para o longo prazo”, diz a agência num longo relatório recém-publicado.
A metodologia do ESG.VS tem como ponto de partida os Forecasted Policy Scenarios (FPS), traçados pelo PRI, os Princípios para Investimentos Responsáveis da ONU. Esses cenários destacam um conjunto de políticas consistentes com um cenário no qual clima aquece dois graus até 2050.
A premissa é que haverá uma forte resposta política global às mudanças climáticas entre 2023 e 2025, já que o Acordo de Paris exige que os países submetam metas intermediárias nesse horizonte de tempo.
Com base nesse cenário e em outros inputs dos analistas setoriais, a Fitch fez uma régua de pontuação que vai de 0 a 100. Quanto maior a pontuação, maior a vulnerabilidade.
Por exemplo: um score de 90 significa que o setor enfrenta uma ameaça existencial por conta de fatores ESG até 2050. Por outro lado, um score de 10 significa que o setor está pouco suscetível a mudanças negativas e pode até se beneficiar da transição.
Outro fator importante é o recorte temporal. Apesar das projeções irem até 2050, há notas intermediárias conferidas de cinco em cinco anos dentro desse horizonte, a partir de 2025. A proposta é traçar uma curva de evolução de riscos ESG de acordo com as expectativas de transição energética.
“Queremos dar uma visão de como essas vulnerabilidades diferem entre um bond com vencimento em 2032 lançado por um emissor asiático focado em carvão ou um bond lançado por uma empresa americana de gás e transmissão de energia localizada nos Estados Unidos”, aponta a agência.
A análise é top-down. Parte do setor, indo para o subsetor (geração térmica, renovável, transmissão, distribuição etc.) e tem recorte geográfico, já que o mix de energia e as tendências regulatórias diferem muito entre as localidades.
Resultados
Do ponto de vista de subsetores, o mais desafiador é, evidentemente, o de geração de energia a partir do carvão, que tem um score de 90 — ou seja, com uma ‘ameaça existencial’ — em 2050 em todas as regiões consideradas.
A curva de risco ESG da geração a carvão, no entanto, varia de região para região. Ela sobe de maneira mais acentuada na América do Norte, onde atinge a pontuação de 90 já em 2030. A percepção é que, apesar dos retrocessos ambientais do governo Trump, a legislação dos estados americanos está se tornando mais dura em relação ao tema.
O mesmo vale para a América Latina, onde há mais abundância de recursos renováveis e menos dependência da fonte.
Já na região que engloba Europa, Oriente Médio e África (conhecida por EMEA), essa pontuação só é alcançada em 2040, já que, apesar de a Europa Ocidental liderar a pauta ambiental, na Europa Central e Oriental ainda há mais resistência a ela.
Outra curva interessante é a do gás natural, que passa de pontuações próximas a 20 em 2025 para chegar perto dos 60 ou 70 em 2050.
Hoje, o gás é considerado um combustível de transição, importante para manter a estabilidade do sistema em meio ao crescimento das fontes renováveis, como solar ou eólica, que dependem da insolação e do vento ao longo do dia, e podem não dar conta dos períodos de pico de demanda.
Mas com o avanço de baterias e tecnologias como a do hidrogênio verde, o combustível tende a perder relevância na matriz.
As renováveis, como eólica e solar, obviamente, são as menos arriscadas, com escala de 10 em todas as regiões ao longo do tempo.
Próximos passos
A agência ainda não divulgou notas para emissores específicos, mas estabeleceu os fatores que devem ser considerados em cada região e subsetor. Agora, quer o feedback dos participantes do mercado para avançar.
“Se esse relatório piloto for bem recebido, vamos endereçar mais setores e estender o score para entidades dentro do setor para rankear a vulnerabilidade de entidades individuais e seus instrumentos de dívida, tanto dentro quanto entre os subsetores”, disse a agência no relatório.
Segundo os analistas, a escolha do setor de utilities como objeto de análise acabou reforçando o componente climático, mas outros setores devem evidenciar mais o S ou o G.
“Esperamos que tendências sociais de longo prazo tenham mais influência em outros setores, como o farmacêutico. Governança é um fator menos suscetível a tendências previsíveis de longo prazo, mas faz parte de nossas avaliações no nível das empresas em áreas como o estratégia ESG e flexibilidade financeira.”
No ano passado, a Fitch já havia lançado o ESG Relevance Score, ou ESG.RS para mostrar como os fatores ESG afetam a nota de crédito.
Mas, por considerar apenas o curto prazo, o impacto é menor: apenas 21% das empresas cobertas pela agência de risco tiveram o rating significativamente afetado por questões ESG, com os aspectos de governança à frente, seguidos pelos sociais e ambientais.