A crise climática traz uma série de desafios para toda a economia. Mas eles são distintos para cada parte dela, e carregam consigo diferentes níveis de riscos financeiros. Em um novo relatório temático, de 34 páginas, a equipe de análise da XP se debruçou sobre o tema e analisou a exposição dos setores e empresas da B3, a bolsa brasileira, que fazem parte da sua cobertura.
Os setores de papel e celulose, agronegócio e alimentos e bebidas, e mineração e siderurgia são os mais expostos aos chamados riscos físicos causados pela mudança climática – isso é, com prejuízo a ativos, pessoas, propriedades e infraestrutura crítica.
Já os setores de óleo e gás, transportes e, mais uma vez, mineração e siderurgia são os mais vulneráveis aos chamados riscos de transição – aqueles decorrentes mudanças de mercado e tecnologia, de impactos negativos à reputação ou dos cenários regulatórios.
“Impulsionado por eventos extremos no país, incluindo as chuvas torrenciais que assolaram o Rio Grande do Sul em maio, vemos investidores mais preocupados em mensurar como as empresas estão enfrentando os desafios da adaptação climática, além de quais ações de mitigação estão sendo tomadas”, diz Marcella Ungaretti, chefe de análise ESG da XP.
Apesar do interesse, a incerteza sobre a melhor forma de avaliar a resiliência e os planos de adaptação das empresas dificulta a integração de informações climáticas no processo de investimento, complementa Luiza Aguiar, analista ESG na XP e co-autora do relatório.
Transparência e reporte
A divisão entre riscos físicos e de transição foi criada pela Task Force on Climate-Related Financial Disclosures (TCFD), uma força-tarefa que desenvolveu um padrão de orientações para que empresas possam medir e divulgar os riscos financeiros relacionados ao clima.
Essas orientações agora foram incorporadas ao novo padrão global de divulgação de ricos e oportunidades em sustentabilidade, desenvolvido pelo International Sustainability Standards Board (ISSB), e que vem sendo adotado mundo afora pelos reguladores dos mercados de capitais. Por meio da CVM, o Brasil foi o primeiro país a aderir ao modelo, que passará a valer de forma obrigatória no exercício de 2026 (com divulgação em 2027) para as empresas de capital aberto.
Tais divulgações serão ferramenta fundamental para que investidores e financiadores decidam a melhor alocação de capital considerando os riscos e oportunidades que as mudanças climáticas trazem para cada empresa.
“Todos os setores estão, até certo ponto, ameaçados. Enquanto alguns estão mais expostos a exigências regulatórias, outros estão mais preocupados com o risco imediato de perda de ativos por danos físicos”, afirma o relatório da XP.
Os riscos do clima
Quando se trata dos riscos físicos, a maior frequência de desastres naturais, como os incêndios no Pantanal e a seca na Amazônia, se tornam uma ameaça tangível para ativos como fábricas e atividades agrícolas, destaca a XP. A redução da receita devido à diminuição da capacidade de produção ou o aumento dos custos operacionais também estão entre os possíveis impactos financeiros.
No setor de papel e celulose, empresas como Suzano, Klabin e Irani podem ter sua produção interrompida devido a secas, inundações e incêndios florestais, escrevem os analistas. A escassez de água é também uma preocupação crescente no setor devido ao impacto direto nos principais processos dessa indústria, afirma a corretora.
Já o agronegócio é o único segmento em que os riscos não são baixos para qualquer um dos pontos analisados. O setor foi avaliado com um nível de exposição “muito alto” a secas, “alto” para incêndios florestais, altas temperaturas e escassez de água, e “médio” para enchentes e tempestades.
“Esses fatores afetam particularmente a produtividade dos produtores agrícolas, como SLC e Brasil Agro, e, consequentemente, a demanda pelos produtos dos players de insumos agrícolas, como 3Tentos, Boa Safra, Vittia e AgroGalaxy.”
Em alimentos e bebidas, são as altas temperaturas que preocupam pelos possíveis efeitos sobre a produção de gado, aves e suínos.
Na mineração, Vale, CSN Mineração e Aura Minerals podem ser impactadas por enchentes e chuvas intensas. “Isso ocorre porque o mineral extraído passa por um processo de secagem ou é vendido com desconto devido à umidade, além do risco de escassez de água, que é amplamente utilizada nas usinas de processamento mineral.”
O setor também é um dos mais expostos a diferentes riscos de transição, que são menos tangíveis à primeira vista e carregam mais incertezas a respeito de como ocorrerão no caminho para uma economia verde. O aumento do custo das matérias-primas e o potencial de precificação do carbono também tornam o ambiente operacional mais complexo para essas empresas, avalia a XP.
A demanda por certos metais pode variar a partir da preferência de consumidores por produtos e serviços existentes que emitam menos carbono, por exemplo. O mesmo pode acontecer com o setor de óleo e gás, na medida em que fontes alternativas de energia sofrem redução de preço.
Já em transportes, os dois principais fatores de risco de transição são a adoção de novas tecnologias, especialmente em termos de fontes de combustível, e de estratégias para menor emissão de gases de efeito estufa.