João Paulo Ferreira, presidente da Natura Cosméticos, fala com serenidade, mas é possível discernir uma ponta de frustração quando ele pede urgência na criação de um mercado regulado de carbono no Brasil.
“Estamos vendo o empresariado se mobilizando. É mais que a visibilidade reputacional associada ao tema. Existe um desejo crescente da sociedade e do empresariado para capturar valor para o país”, disse ele ao Reset.
Ele se referia especificamente ao capital natural brasileiro: do carbono estocado nas árvores aos bens da biodiversidade que são pouco estudados e ainda menos explorados comercialmente.
Trata-se de uma riqueza incomparável, diz Ferreira, mas tirar vantagem dela vai exigir uma “ação combinada do setor privado, do governo em todas as suas esferas, do terceiro setor, para destravar os gargalos”.
Um dos exemplos mais claros disso são os mercados de carbono – tanto o regulado, que vai impor obrigações sobre os setores mais poluentes da economia, quanto o voluntário.
O primeiro é objeto de um projeto de lei que já tomou várias formas nos últimos anos e bateu na trave algumas vezes, mas se recusa a sair. A versão mais recente está parada no Senado desde o começo do ano.
No segundo, onde companhias sem requisitos regulatórios fazem a compensação dos gases de efeito estufa que emitiram, a crise parece não ter fim – e empresas que atuam na conservação dos nossos biomas convivem com preços deprimidos e compradores melindrados.
“As preocupações com a integridade [dos créditos de carbono] são legítimas, mas não são um obstáculo nem de longe intransponível”, afirmou Ferreira.
Ele conversou com a reportagem na semana passada, nos camarins da Casa Natura Musical, casa de shows da companhia no bairro de Pinheiros, em São Paulo.
A entrevista aconteceu no intervalo de um evento realizado pela empresa em parceria com a gigante do software Salesforce e a Câmara de Comércio Internacional (ICC) para tratar justamente dos entraves do mercado de carbono.
Vendedores, compradores e representantes do governo discutiram no palco algo que a Natura conhece bem. “Desde 2007 somos neutros em carbono. Compensamos tudo, da matéria-prima ao produto na mão do consumidor”, disse Ferreira.
O que a multinacional brasileira faz há quase 20 anos as outras companhias terão de replicar – ou ao menos tentar – em muito menos tempo.
Ferreira reconhece que está à frente de um negócio único, deste ponto de vista. Além dos anos de experiência, a Natura compra boa parte dos créditos de carbono de projetos em áreas da floresta amazônica que abrigam seus próprios fornecedores. O risco de surpresas desagradáveis é muito pequeno.
Um dos motivos que afastaram os compradores do carbono brasileiro é justamente o medo de envolvimento em escândalos. A Operação Greenwashing, da Polícia Federal, é um exemplo recente. Poucos têm os recursos, ou a disposição, de fazer uma investigação exaustiva dos créditos que pretendem comprar.
Mas, para Ferreira, o fracasso do mercado não é uma opção.
“Eu costumava dizer que, em algum momento no futuro próximo, empresas que não forem neutras em carbono serão consideradas pouco civilizadas, como uma empresa que trabalhe hoje em dia com mão de obra infantil. Acho que estava sendo moderado demais. Manter o mundo como está hoje não parece boa ideia. Precisamos restaurar e curar.”
Dentro da floresta
Outra característica peculiar da Natura é a relação quase simbiótica da empresa com a diversidade biológica brasileira. Se o país quiser transformar em desenvolvimento essa enorme riqueza natural, várias outras Naturas teriam de surgir – possivelmente dentro da floresta amazônica.
É razoável pensar assim?
Ferreira afirma que sim, mas faz ressalvas. “Precisa de investimento de longo prazo. Precisa de pesquisa e desenvolvimento.”
Ele menciona como exemplo os produtos à base da semente da ucuuba, uma árvore amazônica, que exigiram oito anos de estudos e aperfeiçoamentos até chegar ao mercado.
“Então, dá para criar outras Naturas? Sim, de vários setores. Mas com colaborações com universidades, comunidades, fornecedores locais. Não fizemos nada sozinhos. A vantagem é que hoje acho que o ambiente de negócios está mais aberto a esse tipo de cooperação.”
Os recursos naturais são finitos, mas Ferreira afirma que é tudo uma questão de manejo – jargão do meio ambiental que pode ser traduzido por “sabendo usar não vai faltar”.
SAF
O manejo, a propósito, é outro aprendizado que custou anos de aprendizado para a companhia – e algo que terá de acontecer em outra escala de tempo para que o país possa aproveitar a janela de oportunidade que se abre.
A Natura opera um sistema agroflorestal (SAF) que conjuga o plantio de dendezeiros – dos quais é extraído um óleo usado em seus cosméticos – com espécies nativas.
Especialmente no Sudeste Asiático, a monocultura dessas palmeiras está diretamente associada à destruição de florestas tropicais.
O trabalho começou em 2008, e ainda não acabou. Depois dos estudos para testar a viabilidade técnica do projeto, a empresa vem implementando o SAF gradualmente.
A meta para 2035 é chegar a 40 mil hectares de dendezeiros em consórcio com a vegetação nativa e com outras culturas produtivas, como frutas e hortaliças.
“[O SAF] é tudo de bom do ponto de vista de biodiversidade, de pegada de carbono e de impacto social”, afirma Ferreira. “Mas puxa… foram 15 anos de pesquisas.”
Ele conclui o pensamento com outra ressalva essencial: “Se alguém achar que a riqueza da floresta vem só da colheita dos frutos, vamos ficar para sempre nas cadeias de baixo valor agregado.”
A natureza no balanço
Ferreira também aponta iniciativas que dependem de regulamentação. O Brasil será um dos pioneiros a adotar um novo padrão de demonstrações financeiras que levam em conta os riscos e oportunidades do clima – medidos basicamente como emissões de gases de efeito estufa.
O passo seguinte é fazer o mesmo com a biodiversidade e os recursos naturais. Uma das ideias em discussão globalmente – e um dos tópicos quentes da COP da Biodiversidade, que está acontecendo na Colômbia – é o reconhecimento desses ativos no balanço das empresas.
A pressão virá de um jeito ou de outro, acredita Ferreira.
“No caso do Brasil, vai ser uma imposição para que as grandes cadeias produtivas brasileiras se insiram no mercado mundial. O agro, a mineração terão que mostrar como investem na geração de impacto positivo para compensar eventuais efeitos negativos.”
Pode demorar um pouco, afirma o CEO, mas ele não tem dúvida: o movimento é “inevitável”.