A B3 está colocando em audiência pública uma proposta com regras de diversidade para a liderança das empresas listadas e quer que as companhias tenham políticas de remuneração variável atreladas ao tema.
Até 2026, as companhias em todos os níveis de listagem da bolsa terão de ter pelo menos uma mulher e um membro do que a bolsa chama de “comunidade minorizada” — o que inclui pessoas negras, que se identifiquem como LGBTQIA+ ou pessoa com deficiência — no conselho de administração ou na diretoria estatutária.
O modelo é o conhecido como “pratique ou explique”: quem não cumprir a regra terá que se justificar no Formulário de Referência, documento regulatório que é uma espécie de raio-x completo da companhia.
Mais do que impor sanções, a ideia é dar publicidade a esse tipo de informação e submetê-la ao escrutínio da sociedade e dos investidores.
O prazo para cumprimento será faseado. Até 2025, as empresas já listadas terão de ter pelo menos um membro diverso no conselho ou na diretoria, com os dois assentos contemplados no ano seguinte. As empresas que fizerem IPO têm até um ano após a listagem para se enquadrar.
Hoje, das 423 empresas listadas, 61% não possuem nenhuma mulher na diretoria estatutária e 37% não possuem nenhuma mulher no conselho de administração.
A situação é ainda pior no retrato racial. Os dados de raça nem sequer são reportados pela maior parte das companhias, mas, dentre as 73 que responderam o questionário para integrar o Índice de Sustentabilidade Empresarial, quase 80% informaram no máximo 11% de pessoas negras em cargos de diretoria.
A proposta da B3 ficará em audiência pública até 16 de setembro e deve entrar em vigor a partir de 2023, após passar pelo aval da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
O texto vai muito em linha com o da Nasdaq, aprovado pela Securitires Exchange Comission (SEC), regulador do mercado de capitais americano, há um ano. O prazo de adaptação no caso da bolsa dos Estados Unidos varia entre 2 a 5 anos.
“Entendemos que o prazo que estabelecemos está bastante alinhado com a experiência internacional e conversa com os tempos de reeleição de conselho e diretoria”, afirmou Viviane Basso, vice-presidente de operações da B3, quando questionada sobre a urgência da pauta da desigualdade de gênero e racial.
O Reino Unido, região mais avançada na discussão, também adotou a abordagem de pratique ou explique, mas como uma abrangência maior. Por lá, os conselhos devem ter pelo menos 40% de mulheres e um integrante não-branco, além de no mínimo um membro diverso na alta liderança.
Políticas ESG
Para além das regras de diversidade, a B3 quer também que as empresas incluam as metas de diversidade nas políticas de remuneração variável e tenham políticas claras de contratação focadas em diversidade para conselho e diretoria – ou expliquem por que não o fazem nos seus documentos.
A proposta em audiência pública também prevê que as empresas devem elaborar e divulgar documento mais amplo com diretrizes ligadas a práticas ESG, com mecanismos de governança corporativa e de compliance para implementá-las.
“As companhias podem e devem ter a liberdade de elaborar suas metas e suas práticas de acordo com sua realidade”, afirma Ana Buchaim, diretora de pessoas, marketing, comunicação, sustentabilidade e investimento Social da B3.
“Nossa ideia é trazer essa necessidade de inclusão de metas ESG, para fomentar não só a discussão de como os executivos estão sendo remunerados, mas como as companhias servem a todos os stakeholders.”
CVM também quer mais diversidade
A proposta da B3 vem na esteira de uma mudança regulatória, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que exige que as empresas divulguem informações ESG no formulário de referência a partir do ano que vem.
“Não há uma sobreposição, mas uma complementaridade em relação à proposta do regulador”, diz Basso, referindo-se às metas de diversidade que constam na proposta da bolsa.
A regulação da CVM foca bastante na questão do clima e do carbono. Mas entre os dados de diversidade as companhias terão que informar o número de funcionários por grupos de identidade de gênero, raça ou cor (autodeclarada) e idade, para todos os níveis hierárquicos.
Essa transparência valerá também para o conselho de administração.
Um indicador em particular vai jogar luz sobre a disparidade salarial dentro das empresas: a CVM pede que as companhias informem a razão entre a maior remuneração individual (incluindo remuneração variável) e a mediana da remuneração individual de todos os funcionários.
Da porta para dentro
Na B3, dos 11 conselheiros de administração, três são mulheres e há duas mulheres na diretoria estatutária.
Segundo Buchaim, as metas ESG fazem parte da remuneração variável da companhia e influenciam o bônus de todos os níveis, especialmente do C-level.
“Hoje o que a gente não tem é uma pessoa de comunidade minorizada. Temos que avançar e estamos com planos internos para isso”, reconhece a diretora.