
Quando construiu o Shopping da Bahia em 1975, a Allos teve que resolver um problema de infraestrutura: a falta de capacidade de fornecimento de energia elétrica de Salvador para o funcionamento do empreendimento. Cinco décadas depois, os problemas relacionados à energia da administradora de shoppings center são outros: aumentos de temperatura e ondas de calor.
Com receita líquida de R$ 2,7 bilhões em 2024, a companhia administra 55 shoppings espalhados pelo país. “Nós temos shoppings desde Santa Maria, no Rio Grande do Sul, a Belém, no Pará”, exemplifica Mario Oliveira, diretor de desenvolvimento e novos negócios da Allos.
A companhia identificou diversos riscos relacionados às mudanças climáticas para sua operação: seca e escassez hídrica, limitação da geração hidrelétrica devido à estiagem, tempestades e precipitações intensas, alagamentos e aumento de temperaturas.
Entre as ações para endereçar algumas dessas questões, a Allos desenvolveu um guia para construção e operação de empreendimentos mais sustentáveis. O objetivo é reduzir impactos ambientais, como o consumo de água e energia e a pegada de carbono.
A Allos tem como metas atingir a neutralidade de carbono até 2040 para os escopos 1 e 2 (emissões diretas e de aquisição de energia, respectivamente), ter energia 100% renovável até 2030, reciclar 90% do total de resíduos e reduzir o consumo de água em 5%.
“Nosso objetivo é, primeiro, ter um menor impacto e pegada de carbono durante a construção. E, depois do edifício pronto, que ele seja muito mais eficiente e sustentável. E isso precisa ser pensado desde o projeto”, afirma Oliveira.
Para alcançar esses objetivos, o guia da Allos é composto por dois cadernos – um para projetos e outro para obras – que se baseiam em sete dimensões: materiais sustentáveis, gestão de recursos naturais (água e energia elétrica), circularidade e gestão de resíduos, gestão da qualidade interna do ar, emissões de carbono na construção, prevenção e controle da poluição e controle da poluição sonora.
As diretrizes são aplicáveis a projetos de novos edifícios, expansões e reformas (retrofits) com mais de 5.000 metros quadrados e investimento superior a R$ 15 milhões. O projeto-piloto começou em 2024 com o retrofit da fachada do Shopping Del Rey, em Belo Horizonte. Após a reforma, a empresa irá verificar os resultados para compará-los com obras que não seguiram as novas diretrizes.
Custo da refrigeração
Energia é a maior fonte de emissão de carbono da empresa, de acordo com seu relatório de sustentabilidade. E a refrigeração é a principal fonte de consumo de energia dos shoppings. Com verões cada vez mais quentes, a tendência é que a conta de luz da Allos suba.
A companhia tem realizado estudos para entender como as ondas de calor impactam a demanda por energia nos shoppings usando os alertas emitidos pelo Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia). Em 2024, avaliou oito shoppings em São Paulo que enfrentaram este fenômeno. Durante as ondas de calor, foi constatado um aumento de 13% no consumo de energia, quando comparado com a média das seis semanas que antecederam e sucederam o evento.
Com isso, ficou clara a necessidade de investimento em eficiência. O que inclui o projeto de construção ou reforma dos shoppings. “Precisamos projetar o edifício para que ele tenha capacidades térmicas e seja desenhado e construído de forma que tenhamos menos necessidade de arrefecimento”, diz Oliveira.
O principal projeto de eficiência da Allos é uma central de monitoramento, em parceria com a Johnson Controls, para controlar em tempo real a refrigeração dos shoppings. Com uso de inteligência artificial (IA), esse sistema ajusta a refrigeração com base na previsão climática, na carga térmica do edifício e no horário de funcionamento, reduzindo o consumo de eletricidade e os custos operacionais.
O caderno da Allos estabelece indicadores de consumo por metro quadrado para refrigeração e iluminação. A expectativa é iniciar o projeto de eficiência energética com uma economia de 5% no consumo de refrigeração, podendo chegar a até 20% ao ano conforme o projeto avançar.
Outras práticas também vão economizar energia, como o uso de sensores de presença nas escadas rolantes e sensores nas áreas técnicas para ligar e desligar a luz; e a aplicação de clarabóias para o uso de iluminação natural.
Apesar de soluções mais modernas, como a gestão automatizada de energia, serem mais caras, a Allos aposta no retorno financeiro no ganho de eficiência energética da operação. Ele depende de caso a caso, mas pode ser de nove meses para a gestão de refrigeração com IA, até de quatro anos para aparelhos de ar-condicionado mais eficientes.
Pegada de carbono
Segundo o último relatório de sustentabilidade da Allos, todos os seus shoppings estão no mercado livre de energia. No portfólio como um todo, 84% da energia adquirida é proveniente de fontes renováveis, o restante vem de fontes como gás natural por meio de sistemas de cogeração, caso do Shopping da Bahia.
Lá, a Allos está substituindo a cogeração a gás natural por uma subestação de alta tensão, o que deve reduzir em 7% a pegada de carbono da companhia. “Só essa mudança vai tirar o equivalente a 70 mil carros da rua”, diz Oliveira. Na Bahia, a cogeração a gás foi a saída encontrada há 50 anos para garantir que o shopping funcionasse.
As operações de cogeração pesam sobre a pegada de carbono do escopo 1 da Allos, que contabiliza as emissões diretas. A empresa estima uma redução de 60,5% dessas emissões por meio da desmobilização das cogerações até 2028 e a neutralização do residual por meio de créditos de carbono.
Hoje, a empresa tem 5,8% da sua meta de neutralidade de carbono realizada e 20% do objetivo de utilizar apenas energia renovável em suas instalações.
Para aumentar as fontes de energia, a empresa também investe em instalações próprias. No Franca Shopping, no interior de São Paulo, uma usina solar no telhado produz 500 MWh, o equivalente ao consumo de uma cidade de 40 mil habitantes, e abastece 100% das áreas comuns.
Um projeto piloto no Parque Dom Pedro, em Campinas, está montando uma estrutura de estacionamento coberta com módulos fotovoltaicos. Como todo o estacionamento desse shopping é descoberto, os 900 módulos distribuídos em uma área de 2.300 metros quadrados, vai proporcionar sombra para os clientes e seus veículos e gerar 5% da energia consumida pelas áreas comuns.
Reciclagem
Para atingir suas metas climáticas, a Allos precisa contar com os lojistas, cujas emissões entram no escopo 3 do balanço de carbono da administradora de shoppings.
Nessa frente, a empresa espera reduzir em 49% as emissões com a melhora na gestão de resíduos. Da meta de alcançar a reciclagem e compostagem de 90% do total de resíduos gerados nos empreendimentos, 68% foi realizada até o ano passado.
O Parque Dom Pedro, em Campinas, é um dos quatro shoppings que já atingiram essa meta. Plástico, vidro, ferro, alumínio e óleo de cozinha são separados e destinados a empresas que fazem a reciclagem ou reaproveitamento.
“É possível ganhar dinheiro com reciclagem, mas é preciso que as construções já prevejam isso. Se o edifício for projetado para isso, o custo de gestão de resíduos é pequeno. Depois, para adaptar os edifícios, é mais difícil”, diz Oliveira.
Para as práticas de reciclagem, a Allos treinou cerca de 17 mil funcionários de lojistas no ano passado. “Preciso que toda a cadeia trabalhe comigo.”
A circularidade é um dos sete eixos do guia de construção sustentável da Allos e trata do destino dos resíduos também na fase de construção. Em casos que há demolição, a prioridade é reutilizar o entulho no próprio projeto, em pisos, por exemplo, ao invés de enviá-lo para descarte externo.