A cervejaria holandesa Heineken decidiu plantar árvores no Brasil antes mesmo de começar a produzir as garrafinhas verdes por aqui. As operações só começariam no país em 2010, quando o apoio financeiro a programas de restauração florestal já tinha três anos.
De lá para cá, o planeta aqueceu, o risco hídrico aumentou, e o carbono removido da atmosfera pelas árvores começou a valer dinheiro. Tudo isso levou a companhia a repensar sua estratégia. Agora ela é um negócio, o que permitiu acelerar o reflorestamento.
De 2024 até o começo de 2026, Heineken terá somado 860 mil árvores plantadas. O número ultrapassa em mais de 15% as 730 mil mudas plantadas nos 17 anos anteriores.
A explicação está na criação em 2024 de uma unidade de negócio de investimentos verdes, com governança própria e compromisso de gerar impacto, além de qualquer retorno financeiro. Antes disso, a atividade dependia de disponibilidade de capital porque eram investimentos a fundo perdido
Iniciativas de reflorestamento têm alta necessidade de recursos. Recuperar um hectare, o equivalente a um campo de futebol, exige de R$ 15 mil a R$ 50 mil, a depender das técnicas usadas e do grau de degradação da área.
A nova unidade de negócio foi batizada como Heineken Spin e completa um ano no próximo mês, com quatro frentes: florestas, energia renovável, reciclagem de vidro e impacto social.
Além dos impactos para as operações, a companhia definiu que a Spin tivesse sustentabilidade financeira para tocar o dia a dia, sem novos aportes além dos R$ 150 milhões feitos inicialmente. Nas palavras de Rafael Rizzi, diretor de inovação da companhia no Brasil e responsável pela Heineken Spin, impacto não pode ser “um saco sem fundo”.
Essa independência é, segundo o executivo, mais importante para a empresa do que qualquer retorno do capital inicial investido.
“A gente se atém muito à palavra impacto, ao benefício, mas aqui a gente também fala muito da palavra negócio. Tem uma estratégia com começo, meio e fim”, diz Rizzi.
“Os projetos de apoio ao reflorestamento anteriores eram excelentes, mas financeiramente é um modelo mais difícil de replicar. Tem os benefícios, mas exige aporte grande”.
Para o executivo, a saída nesses casos não é deixar de fazer, mas “inverter a lógica”. Em vez de escolher uma ação de sustentabilidade e depois buscar a viabilidade financeira, primeiro são definidos os retornos a perseguir. Com essa estruturação, houve clareza para “defender” o investimento de R$ 150 milhões.
“Eu parto do KPI (sigla em inglês para indicador de resultado), do que eu preciso entregar, e aí desenvolvo a cadeia para trás”, afirma Rafael Rizzi.
Árvores nativas e pés de limão
Na atuação florestal, a remoção de carbono e a diminuição do risco hídrico são os principais efeitos positivos do projeto, garantindo novos ativos à companhia de bebidas.
A frente foi estabelecida em parceria com a Rizoma Agro, empresa que desenvolve projetos de agricultura orgânica. Serão reflorestados 830 hectares em Itu (SP), dos quais metade serão alcançados entre o fim deste ano e começo de 2026. Em 100 deles, haverá produção de frutas, principalmente limão (veja na foto). Uma parte menor, em área de proteção ambiental, ficará a cargo da SOS Mata Atlântica.
A Rizoma é responsável pela estruturação técnica, implantação e gestão pelos próximos 20 anos. Segundo a empresa, as frutas cítricas foram escolhidas por serem uma cultura agrícola difundida no Estado de São Paulo, com mercado consolidado e alta demanda. As árvores de limão também possuem raízes profundas, que contribuem para a infiltração da água no solo. A partir de outubro, com a volta das chuvas, o plantio será acelerado.
As terras em Itu eram da antiga Schincariol e foram incorporadas pela Heineken após a compra da Brasil Kirin em 2017. Antes da Spin, elas estavam arrendadas. Uma das maiores fábricas da Heineken no país fica justamente na cidade.
A previsão é de que as árvores forneçam 997 milhões de metros cúbicos de água em cinco anos, volume 50% maior do que a fabricação de bebidas demandará das nascentes locais.
Já em carbono, um retorno também fundamental para a viabilidade do aporte financeiro de R$ 150 milhões, serão 500 mil toneladas removidas em 25 anos. Mas esse benefício climático não será convertido em créditos: a cervejaria vai incorporá-lo ao balanço global de emissões de gases, ajudando a atingir suas metas de ser net zero em 2040.
No último relatório global de sustentabilidade, a Heineken mostra que usa a precificação do carbono para estruturar e incentivar investimentos verdes. O cálculo permite conectar riscos climáticos às decisões, principalmente nos projetos com potencial de redução de emissões ou remoções, como o reflorestamento.
Para essas estimativas financeiras, a companhia definiu em US$ 23 a tonelada de carbono no Brasil em 2024, com perspectivas de que ela fique acima de US$ 70 após 2030.
Outros negócios
Cada uma das frentes da Heineken Spin tem indicadores próprios de retorno. Carbono e água são só alguns exemplos. A intensidade de emissões embutida nas garrafas de cerveja é um impacto positivo esperado da frente de reciclagem, desenvolvida em parceria com a Ambipar.
A fabricação de vidro é contabilizada nas emissões indiretas da companhia, o chamado escopo 3, com o impacto da produção de malte e lúpulo, por exemplo.
Tipicamente, a maior parte da pegada de carbono de uma grande empresa está em sua cadeia de fornecimento, e no caso da cervejaria não é diferente: 90% das emissões globais da Heineken no ano passado vieram do escopo 3.
O tema é um desafio no Brasil. Por fora da Spin, a companhia tenta estimular programas de retorno de embalagem. Em 2023, lançou long necks de Heineken retornáveis, mas que ainda são uma pequena parte das vendas.
O investimento na economia circular também tem potencial de redução de custos. Hoje a empresa precisa comprar créditos de reciclagem para cumprir as regras da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
“O alvo central de entrega pelo investimento feito está no impacto causado, seja com o sequestro de carbono, a recarga hídrica, o aumento de porcentagem de vidro reciclado, a transição de matriz energética de energia verde. Esses são os nossos KPIs”, afirma Rizzi.
No programa de energia criado em parceria com a Raízen e a Ultragaz, a Heineken intermedia o fornecimento de energia verde em restaurantes e bares, que podem acessar o chamado mercado livre de energia do Brasil, obtendo redução de custos.
A outra frente é a de impacto social, em que Heineken Spin investiu numa participação minoritária na Better Drinks, fabricante de marcas como Mamba Water, Baer Mate e Praya. As marcas desenvolvem ações com grupos com vulnerabilidade social.
De acordo com o executivo, não há expectativa na companhia, pelo menos por agora, de que a unidade precise gerar algum retorno financeiro para acionistas, para a Heineken Brasil ou para a Heineken Global. O foco é reinvestir, o que seria até um passo além. “Se um projeto de impacto parar de pé, já é um golaço.”, afirma Rafael Rizzi.
A companhia, com ações listadas na bolsa de Amsterdã (Países Baixos), é avaliada em US$ 49,3 bilhões. Desde 2019, a operação brasileira é a maior no mundo em volume.
Dentro da formatação da Spin, as frentes de energia renovável e marcas de impacto social estão maduras e geram lucro. Elas têm compensado os gastos das outras que ainda estão se estruturando, como a florestal. A operação deverá gerar caixa só daqui a cinco anos.
O lucro dos dois negócios permitiu um breakeven neste um ano. Toda a estrutura de pessoal também entra na conta da Spin. Vale ressaltar, porém, que os negócios de energia e de marcas já operam antes de 2024 e foram incorporadas à nova unidade.
Carbono zero
A remoção de carbono em Itu será estratégica para a Heineken ao nível global. As iniciativas deverão gerar 25 vezes mais remoções que o necessário para compensar as emissões que restarem na companhia no Brasil, após o net zero do escopo 1 e 2 ser alcançado em 2030.
“Eu devo entregar essa meta até antes”, afirma Ligia Camargo, diretora de sustentabilidade.
A companhia recebeu a aprovação da Science Based Targets Initiative (SBTi), entidade que confere o carimbo mais respeitado para planos de descarbonização corporativos. As regras limitam a 10% o uso de compensações com créditos de carbono. Ou seja, para alcançar a neutralidade, a Heineken precisa efetivamente cortar 90% de suas emissões.
“Se eu não tivesse esses investimentos, eu teria que comprar crédito de carbono e gastar com outro tipo de outra tecnologia para repor o balanço hídrico. Compensa muito mais eu restaurar minhas áreas, garantir resiliência hídrica, trazer também o papel social que o restauro e a agricultura regenerativa têm… E aí plugar isso em cadeias de valor, como o mercado de frutas cítricas”, afirma Camargo.