O governo brasileiro apresentou há pouco, numa reunião paralela ao encontro dos Ministros das Finanças do G20, a proposta detalhada para criação de um fundo global bilionário para conservação de florestas tropicais, que pretende remunerar os países pela conservação desses biomas, reduzindo a emissão de CO2 e garantindo a preservação de biodiversidade e outros benefícios ambientais.
A ideia do mecanismo foi lançada pelo país na COP28, em dezembro passado, sem maiores detalhes e num evento esvaziado, o que despertou ceticismo sobre sua viabilidade. O governo brasileiro não crava um valor, mas estima captação da ordem de US$ 125 bilhões, ou R$ 700 bilhões.
De lá para cá, no entanto, a ideia ganhou corpo e foi elaborada por especialistas em finanças, até chegar ao documento de 34 páginas apresentado hoje a um seleto grupo de autoridades internacionais. O Reset teve acesso ao documento.
A proposta foi apresentada pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Marina Silva (Meio Ambiente), com a presença do presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, apoiador da ideia, e autoridades de primeiro escalão de países candidatos a financiar o mecanismo – Estados Unidos, Noruega, França, Reino Unidos, Alemanha, Cingapura e Emirados Árabes – e também da Colômbia, elegível a receber os recursos.
O resultado é um fundo inovador, que, em linhas gerais, se propõe a tomar emprestado recursos de governos de países ricos, organismos multilaterais e investidores institucionais a uma taxa de juro compatível com o grau de risco dos financiadores, aplicá-lo num portfólio de investimento com uma remuneração mais alta e usar o rendimento obtido para pagar alguns países pela conservação das florestas tropicais.
Desenho
A ideia é que o fundo, batizado de Tropical Forest Finance Facility (TFFF), capte cerca de 20% dos seus recursos via empréstimos de longo prazo feitos por países desenvolvidos, pagando a eles uma remuneração compatível com seu grau de investimento. Além desses países, entidades filantrópicas também poderão ingressar dentro desses 20%, oferecendo doações.
Os demais 80% dos recursos seriam captados no mercado via emissão de títulos de dívida pelo fundo, a serem vendidos a investidores institucionais e também de varejo. A expectativa, de acordo com o documento, é que esses títulos alcancem um rating elevado, barateando o custo do funding.
Uma vez em caixa, os recursos seriam, então, aplicados numa carteira de títulos com rating médio “BB+”, com taxas mais elevadas. O rendimento proporcionado pelo diferencial entre taxa de captação e aplicação é que seria usado para remunerar os países detentores de florestas.
Os pagamentos a esses países seriam feitos a cada ano, mediante a comprovação de que as florestas não foram desmatadas naquele período.
Não existe um valor definido para o fundo. Mas o documento traz uma simulação considerando a captação de US$ 125 bilhões. Considerando que o portfólio possa render 7,5% ao ano e que o custo de captação deve ficar em torno de 4,4% ao ano, o ‘spread’ entre as taxas seria de 3,1%, gerando US$ 3,9 bilhões em rendimentos por ano.
“Com cerca de 1 bilhão de hectares de florestas elegíveis, isso equivaleria a um pagamento de US$ 4 por hectare”, diz o documento.
Se decolar, o fundo oferecerá um duplo benefício climático para o Sul global: além do incentivo financeiro poderoso para a conservação de florestas pelos países beneficiários, também criará demanda por títulos de dívida ‘verdes’, fazendo fluir recursos para projetos com ganhos ambientais.
Isso porque, pela proposta, a prioridade do fundo será alocar os recursos na compra de títulos verdes, azuis (de projetos ligados a recursos hídricos) e sustentáveis (que conjugam ambiental e social) de países em desenvolvimento.
Como hoje não existe volume suficiente desses papéis no mercado, o fundo também poderá alocar em papéis de dívida soberana tradicionais de países em desenvolvimento. Em terceiro lugar, também poderia aplicar em títulos de alto rendimento emitidos por países desenvolvidos.
Países elegíveis e controle do desmatamento
Hoje, há 79 países com florestas tropicais no mundo, mas nem todos serão elegíveis a receber os pagamentos. A proposta prevê a exclusão de países considerados ricos, que são cerca de 12.
Para os demais, a ideia é que só possam participar aqueles que apresentarem uma baixa taxa de desmatamento e degradação em relação ao ano anterior. A proposta inicial é um percentual de 0,5% por ano.
Uma vez dentro do programa, o desmatamento não poderá aumentar mais do que determinada taxa a cada ano – o documento fala em 0,1%.
Uma das principais inovações propostas pelo TFFF está nos mecanismos de monitoramento. Serão usadas imagens de satélite, com critérios e dados tornados públicos, e a medição será essencialmente da área de cobertura vegetal.
O objetivo é evitar os complexos e caros métodos de mensuração de carbono estocado nas florestas. A proposta afirma que o fundo não vai substituir nem competir com projetos de geração de créditos de carbono. Pelo contrário, os mecanismos seriam complementares.
Para os países ricos, o mecanismo é vantajoso em relação às doações que têm feito para fundos climáticos, uma vez que aqui trata-se de um empréstimo que retornará aos respectivos Tesouros ao fim de 30 a 40 anos. Hoje, as doações têm um custo político, porque entram nos orçamentos dos países e precisam ser aprovadas.
Para participar do mecanismo, no limite, esses países poderão emitir títulos soberanos para captar os recursos e aplicá-los no fundo pela mesma taxa, com custo zero aos cofres públicos.
Outra vantagem do mecanismo é que, embora esteja alinhado aos objetivos do Acordo de Paris, é desvinculado dele e, portanto, não depende da aprovação consensual das nações signatárias.
Ainda assim, o caminho até sua eventual criação ainda é longo e depende de negociações entre todos os lados. Nas palavras de Haddad ao final do encontro, segundo relato de presentes, a proposta é a arquitetura do fundo e agora virá a fase de engenharia.
O Brasil receberá contribuições dos países interessados e a intenção é apresentar um desenho ainda mais detalhado na COP29, no Azerbaijão, com o objetivo de um lançamento formal na COP30, em Belém.