ANÁLISE: Fundo de florestas lançado pelo Brasil ainda é só uma ideia no papel

Proposta é que mecanismo capte recursos de fundos soberanos e repasse a países como remuneração pela conservação e recuperação de vegetação

Os ministros Marina Silva, do Meio Ambiente, e Fernando Haddad, da Fazenda, anunciam proposta de fundo global para florestas em Dubai
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DUBAI – O plano do governo federal era marcar a “volta” do Brasil às COPs com avanços concretos nestes primeiros onze meses da nova administração.

O primeiro foi entregue: o desmatamento caiu, e bastante. Estamos no rumo certo. O segundo é o Plano de Transição Ecológica, chegou a Dubai ainda meio capenga. A expectativa era mostrar ao mundo que o país terá um mercado regulado de carbono, mas a legislação está empacada na Câmara.

E havia um terceiro, sobre o qual se sabia muito pouco além do tema geral: um mecanismo para financiar a conservação das florestas tropicais no Brasil e no resto do mundo.

O plano foi apresentado nesta sexta-feira na Arena de Ação Al Hur – mas pelo menos por enquanto não se trata de um plano e a ação que houve não foi anunciada publicamente.

O que foi mostrado foi uma proposta conceitual de um instrumento financeiro global, bancado inicialmente por recursos de fundos soberanos, para remunerar os cerca de 80 países que atuam para proteger suas florestas tropicais.

A ambição do governo é captar US$ 250 bilhões. Os fundos soberanos administram US$ 12 trilhões, e os 13 maiores pertencem a apenas oito países.

Embora não tenha sido divulgado, já houve sondagens junto a alguns deles. A resposta foi positiva, disseram ao Reset dois integrantes do governo. Mas é claro que o que vale são os bilhões transferidos.

O princípio  da proposta é tentar simplificar as coisas ao máximo, para agilizar monitoramento e verificações e também para colocar o fundo de pé rapidamente. Em vez de contabilizar carbono, biodiversidade e outros serviços ambientais, a medição seria feita por área.

Para cada hectare conservado ou restaurado, o país receberia um valor fixo. O desenho também prevê penalizações caso haja perdas de vegetação.

O dinheiro sairia dos rendimentos de um fundo conservador, batizado de Tropical Forests Forever (FFTS), a ser gerido por uma organização global, com rating AAA. Seriam emitidos títulos de dívida no mercado, também com risco AAA, vendidos aos investidores.

Os recursos captados seriam investidos segundo regras determinadas pelos participantes da iniciativa, e o lucro líquido do FFTS recompensaria os países pelos hectares protegidos ou recuperados, desde que atendidos certos critérios (como um limite máximo de desmatamento).

Lapidando a ideia

Os detalhes foram apresentados pelo diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro, Garo Batmanian. Os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Meio Ambiente, Marina Silva, também participaram do evento.

Haddad afirmou que várias áreas do governo contribuíram com a “sugestão” que o país apresentou. “Ela pára em pé, faz sentido do ponto de vista econômico e socioambiental”, disse o ministro.

Os detalhes ainda precisam ser discutidos com os outros potenciais participantes da iniciativa, e a intenção é ter o modelo finalizado até a COP30, que acontece daqui dois anos em Belém.

República Democrática do Congo, Indonésia e os países sul-americanos da Amazônia, os principais beneficiários potenciais da iniciativa, demonstraram interesse, também segundo as fontes ouvidas pela reportagem.

Mas apenas uma integrante do governo indonésio estava na plateia do evento desta sexta-feira. Em vez de costurar uma divulgação conjunta, algo que seria trabalhoso e levaria tempo, optou-se por apresentar publicamente a proposta em Dubai.

Alguns itens essenciais precisam ser resolvidos antes que o primeiro dólar possa ser investido, e o primeiro deles é a governança.

A proposta diz que cada país beneficiado terá de alocar o dinheiro de forma transparente e inclusiva, garantindo o fluxo para as pessoas que de fato atuam na conservação.

Mas um profissional com experiência em captação de recursos para conservação da natureza expressou dúvidas: “Os fundos soberanos vão topar mandar dinheiro para o Congo sem garantias?”

A história do país, que tem a maior parte da segunda maior floresta tropical do mundo, é marcada por instabilidade, conflitos internos e graves violações de direitos humanos.

Os autores do plano sabem que o risco existe, mas argumentam que esse é um dado da realidade. Seria algo contornável diante da urgência em proteger um bem tão importante quanto a natureza.

Marcelo Furtado, cofundador da Coalizão Brasil e diretor da Nature Finance, considerou a notícia positiva. “O país tem legitimidade para fazer este chamado na COP. E, como presidente do G20, cargo que assumiu hoje, deve lembrar à comunidade internacional que os benefícios trazidos pelos serviços ecossistêmicos precisam ser remunerados. Sem a natureza, o mundo não vencerá o desafio climático.”

COP ou flop?

A necessidade urgente de financiamento climático parece ter entrado de forma definitiva para a agenda das COPs, como demonstra a aprovação em tempo recorde do fundo de perdas e danos nas primeiras horas da conferência deste ano.

Outras iniciativas voluntárias, como o fundo de US$ 30 bi capitaneado pelos Emirados Árabes Unidos anunciado também nesta terça, deixam claro que dinheiro na mesa – e não mais promessas – será uma das tônicas da conversa internacional daqui em diante.

Mas o germe de ideia apresentado em Dubai terá de evoluir muito se o governo quiser anunciar algo concreto em Belém. Do contrário, terá sido mais um factoide entre tantos, um caso típico de COPwashing, como inúmeros que vêm aparecendo nos últimos tempos.