Cuidado com o 'COPwashing'

A atenção sobre as conferências do clima é bem-vinda, mas é preciso saber diferenciar as decisões oficiais das iniciativas que são pouco mais que boas intenções

Cuidado com o 'COPwashing'
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Em 12 anos acompanhando as negociações da UNFCCC, a Convenção da ONU sobre  Mudanças Climáticas, sempre sonhei com o momento em que o mundo prestaria atenção na agenda do clima e no que acontece no palco multilateral de tomada de decisão que é a COP. Mas, assim como a popularização da agenda ESG teve seus efeitos colaterais de greenwashing, a crescente atenção sobre as COPs também pode gerar desinformação sobre o que realmente significa esse processo.

As COPs são as assembleias anuais de tomada de decisão da ONU sobre uma agenda de obrigações climáticas de mais de 195 países signatários da convenção do Clima e do Acordo de Paris. Não é um evento internacional, mas sim uma reunião diplomática de alto nível, envolvendo ministros, chefes de Estado e de governo.

Nesses encontros, são adotadas decisões de implementação relacionadas a diferentes frentes temáticas previstas no Acordo de Paris: descarbonização, adaptação climática, financiamento climático, mercados de carbono, perdas e danos climáticos, transferência de tecnologia etc. 

Essas decisões adotadas têm repercussões reais nas políticas domésticas e no mercado. No primeiro caso, isso acontece porque os governos têm a obrigação de adotar políticas internas para implementar suas metas climáticas – as NDCs, Contribuições Nacionalmente Determinadas.

Vale repetir que essa é uma obrigação legal do Acordo de Paris, algo que muitas vezes acaba passando despercebido no noticiário: os governos dos países membros do Acordo de Paris têm o dever de adotar medidas para cumprir sua NDC.

No segundo caso, as COPs não só trazem um sinal importante para o mercado, adotando por exemplo adotarem decisões que impactam a precificação das emissões de gases de efeito estufa, como muitas vezes criam iniciativas e mecanismos que são acessíveis aos atores de mercado, como instrumentos de mercado de carbono e de financiamento climático.

Para além desse espaço de tomada de decisão multilateral para enfrentar o maior desafio da humanidade nos tempos atuais, as COPs permitem a incidência de organizações observadoras, o que inclui organizações não-governamentais e organizações intergovernamentais.

Esses observadores representam um amplo espectro de interesses e incluem representantes de empresas, indústrias e do agronegócio, entidades ambientalistas, populações indígenas, governos regionais, institutos acadêmicos e de pesquisa, sindicatos, mulheres e grupos de gênero e jovens.

A UNFCCC reconhece que esse envolvimento permite que a experiência, o conhecimento especializado, as informações e as perspectivas relevantes da sociedade civil sejam trazidas ao processo, para gerar novas percepções e abordagens.

Além disso, o acesso e a participação de observadores no processo promovem transparência e criam uma atmosfera de confiança mútua, que reconhece o respeito pelos outros e por suas opiniões.

Grande demais?

Ocorre que até pouco tempo atrás esse espaço era ocupado por um público total não muito superior a 20 mil pessoas – com casos excepcionais incluindo as COPs de Copenhague e Paris, com uma média de 27 mil pessoas. Desde Glasgow, esses números vêm subindo. A COP27, realizada ano passado no Egito, registrou aproximadamente 36 mil pessoas. Para este ano, a expectativa é de 70 mil em Dubai.

A expectativa da UNFCCC é que maximizar a participação da sociedade civil enriqueça o processo, mas há desconfiança sobre a presença de novos atores com interesses potencialmente conflitantes, como a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), que tem um espaço próprio na COP28.

Além disso, documentos recentemente vazados sobre suposta utilização de reuniões da Presidência dos Emirados Árabes Unidos para promover negócios de óleo e gás com os representantes de governos dos países membros do Acordo de Paris trazem preocupações sobre as reais intenções por trás de novos atores envolvidos no processo.

E a complexidade da linguagem e dos processos de negociação infelizmente não ajudam. É fácil promover desinformação com expressões bonitas, como “transição justa”, algo que não tem definição única e pode ser usado tanto para justificar a continuidade da exploração de petróleo quanto para garantir a dignidade de trabalhadores e comunidades que dependem de atividades econômicas à base de combustíveis fósseis.

Um mundo de siglas, expressões, programas de trabalho, planos de ação, mecanismos, órgãos e itens de agenda de negociação da UNFCCC é uma realidade completamente alienante, que desanima até mesmo os ávidos estudiosos de relações internacionais. E participantes da COP querem tanto se engajar com o processo que por vezes caem na armadilha de usar termos e conceitos que ainda não entendem plenamente.

Não misture as coisas

Existe outro complicador. Cada vez mais as COPs são o palco escolhido para o anúncio de declarações voluntárias, tanto de países como de privados. Esses documentos não têm nenhuma relação direta com o processo de negociação, e muitas vezes não têm nenhum instrumento de prestação de contas.

Se por um lado isso pode ser uma forma de aumentar a ambição geral, refletindo-se na negociação (e há casos passados em que essas iniciativas surtiram esse efeito), pode também ser só uma distração em relação aos compromissos legais concretos que as COPs podem entregar.

Somos todos culpados e vítimas do COPwashing.

Uma das soluções para isso é letramento. Conhecimento é poder. Além de cobrar da UNFCCC um processo mais acessível (a começar pelo terrível website), precisamos como sociedade civil buscar mais capacitação e conhecimento sobre seus propósitos, processos e conceitos.

E precisamos ser críticos e atentos em relação a informações, declarações e discursos que busquem incorporar conceitos do universo das COPs e da UNFCCC. Democratizar a participação dentro dos processos da COP ainda é o melhor caminho, mas não existe democracia sem educação.