
Mobilizar recursos para financiar projetos verdes é um dos grandes gargalos para acelerar a transição para uma economia de baixo carbono. O desafio pode ser ainda maior em algumas frentes, como projetos de circularidade – a começar pela sua definição.
A chamada economia circular é uma alternativa à economia linear, em que a fabricação de produtos privilegia matérias-primas virgens e o descarte de bens. Circularidade não envolve apenas reciclagem, mas também a redução de desperdício, aproveitamento de resíduos e reformulação do design de produtos. Na indústria, isso costuma demandar altos volumes de investimento.
Para impulsionar o fluxo de capital para o segmento, a International Finance Corporation (IFC) criou diretrizes para ajudar os investidores, instituições financeiras e empresas a identificar e quantificar projetos de economia circular.
O objetivo é fornecer orientações sobre quais atividades são elegíveis e parâmetros para que elas sejam avaliadas de forma objetiva, padronizada e comparável, criando assim uma referência para o mercado eleger investimentos.
A avaliação do braço de investimento privado do Banco Mundial é de que a maioria das empresas subestima o potencial das atividades de economia circular para aumentar a lucratividade e, assim, conseguir financiamento. Do outro lado, as instituições financeiras apontam como entrave a falta de uma padronização para avaliar se um projeto é circular ou não.
O diagnóstico é de que ambos os lados têm dificuldade em definir o que é válido para investimento além dos modelos tradicionais de reciclagem. “Essa fragmentação aumenta os custos de transação, complica a diligência e limita a comparabilidade, dificultando a avaliação de riscos, oportunidades e impactos em mercados diferentes”, afirma Lisa da Silva, líder global de finanças para economia circular da IFC.
“As empresas que buscam crédito também enfrentam custos mais altos e incertezas quando os critérios variam muito”, avalia. A ideia é que, com menos incerteza, o mercado financeiro com mandatos de investimento sustentável libere mais recursos.
Cartilha
Em linhas gerais, os “guidelines” da IFC são um caminho para a verificação se um projeto é circular, indicando também como o volume do investimento deve ser calculado.
A empresa precisa comprovar que a atividade financiada se encaixa na economia circular, apresentar pelo menos um indicador qualitativo ou quantitativo e gerenciar riscos ambientais envolvidos.
Uma métrica comum que poderá ser usada é o percentual de toneladas de materiais virgens evitados com a aplicação de um novo processo, por exemplo.
Também há orientações sobre como definir o tipo de financiamento: empréstimos, títulos de dívida ou equity.
De acordo com a IFC, as novas diretrizes permitirão que as empresas façam ajustes antes mesmo de buscar financiamento, melhorando a atratividade dos projetos.
Um levantamento da Circle Economy Foundation, parceira da IFC na construção das diretrizes, mapeou um fluxo de investimentos de US$ 164 bilhões em projetos de economia circular no mundo entre 2018 e 2023. A avaliação é de que o investimento em empresas engajadas com a economia circular cresceu substancialmente no período, mas declinou nos dois anos seguintes ao seu pico em 2021.
O principal produto financeiro utilizado foi dívida, representando 61%. Equity respondeu por 23% e financiamentos não reembolsáveis foram 7%. Bancos e instituições de crédito estão entre os principais financiadores (46%), seguido por private equity (12%), investidores institucionais (9%) e venture capital (6%).
Esses recursos têm ido principalmente para práticas já consolidadas no mercado, segundo a Circle Economy Foundation, o que indica baixo financiamento em inovação. São principalmente projetos de reparo, aluguel e revenda de veículos, comércio online de eletrônicos usados e recuperação de resíduos orgânicos e agrícolas.
Circularidade perde espaço
O percentual de materiais reaproveitados no mundo tem caído.
Em 2024, a taxa global de circularidade manteve a tendência de baixa, alcançando apenas 6,9% dos 106 bilhões de toneladas de matérias-primas usadas. Em 2023, ela foi de 7,1%. Os dados são do Circularity Gap Report 2025.
O que explica a queda é o aumento na produção de bens a partir de matérias-primas virgens, numa velocidade acima da demanda pelos insumos secundários. O volume subiu de 92,8 bilhões de toneladas, em 2023, para 98,8 bilhões, em 2024.
No caso dos materiais reaproveitados, também houve um crescimento, mas bem menor: de 7,2 bilhões de toneladas para 7,3 bilhões.
Para o mundo alcançar a neutralidade de carbono, o Circularity Gap Report projeta que o uso de materiais totais deveria cair dos 106 bilhões de toneladas ao ano para 84 bilhões, com uma taxa de circularidade em 17%.
A estimativa é de que isso ajudaria a reduzir as emissões globais em 25 bilhões de toneladas já em 2030, principalmente porque produtos secundários exigem menos energia que a produção de matérias-primas virgens.