Descumprir meta climática é violar direitos humanos, diz tribunal europeu

Corte aceita argumentos de 2.000 idosas suíças contra o governo de seu país; decisão é considerada histórica na litigância climática

Protesto das KlimaSeniorinnen, grupo de idosas suíças que processou o governo de seu país
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Descumprir as metas de corte das emissões de gases de efeito estufa equivale a uma violação dos direitos humanos, sentenciou um dos mais importantes tribunais europeus nesta terça-feira.

A decisão foi tomada numa ação movida por um grupo de 2.000 suíças, a maior parte com mais de 70 anos, contra o governo de seu país.

Elas alegam que a Suíça está deixando de proteger seus cidadãos de “sérios efeitos adversos da mudança climática nas vidas, saúde, bem-estar e qualidade de vida”.

Conhecidas como KlimaSeniorinnen (idosas do clima), elas também argumentaram que o governo suíço descumpriu compromissos climáticos assumidos internacionalmente.

Foi a primeira sentença do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos relacionada ao clima. Não existe a possibilidade de recursos, e a decisão é legalmente vinculante.

O processo é considerado um potencial divisor de águas na litigância climática. Já houve decisões semelhantes em instâncias nacionais, inclusive no Brasil. Em 2022, o Supremo Tribunal Federal equiparou o Acordo de Paris a um tratado de direitos humanos.

Mas a decisão anunciada hoje foi a primeira de uma corte internacional.

O tribunal, que não faz parte da União Europeia, tem jurisdição sobre 46 países do continente. A decisão pode ter repercussões em todos eles, afirmam os especialistas.

A decisão “serve de roteiro para processar seu governo por sua negligência climática”, afirmou Ruth Delbaere, diretora de campanhas jurídicas da Avaaz, uma entidade de mobilização de cidadãos.

Os 17 juízes que compõem o tribunal afirmaram que a legislação suíça contém “lacunas críticas” em relação à mudança do clima, entre elas a ausência de uma contabilidade precisa das emissões do país.

Eles também concordaram com a alegação de que as metas de descarbonização da Suíça não estão em linha com o Acordo de Paris, que tenta limitar o aquecimento global a 1,5°C em comparação com a era pré-industrial.

Derrota dos jovens

O tribunal decidiu não acolher uma ação movida por seis jovens portugueses contra os 27 países da UE mais Noruega, Turquia, Reino Unido, Suíça e Rússia.

A alegação era semelhante à das idosas suíças: o ritmo de reduções de emissões estava colocando em risco o futuro dos requerentes, cujas idades iam dos 11 aos 24 anos.

No processo, eles alegaram que as ondas de calor atuais já os impedem de dormir e de ir à escola. Os juízes afirmaram que o caso não foi submetido à Justiça portuguesa e, portanto, não poderia ser apreciado pelo tribunal europeu.

Uma terceira ação, iniciada por um ex-prefeito de um pequeno município costeiro francês, também foi rejeitada. Damien Careme, que hoje é deputado europeu, não poderia reivindicar direitos de vítima pois não mora mais na cidade e não tem “ligações relevantes” com o lugar.

Litigância climática

Cidadãos e ativistas vêm recorrendo com cada vez mais frequência à Justiça para cobrar indenizações ou acelerar a descarbonização de países e empresas, e a vitória das senhoras suíças deve acelerar a tendência da litigância climática, afirmam o especialistas.

“A afirmação de que a crise do clima é uma crise de direitos humanos terá um significado enorme”, afirmou ao Financial Times Joie Chowdhury, do Centro Internacional de Direito Ambiental, uma entidade especializada nesse tipo de ação.

Os veredictos desta terça eram aguardados com grande expectativa. Dezenas de pessoas estavam presentes na sede da corte, em Estrasburgo (França), incluindo a ativista sueca Greta Thunberg.

Elisabeth Stern, 76, uma das litigantes suíças, afirmou à BBC que está vendo o clima mudar em seu país nas últimas décadas.

“Estatisticamente sabemos que daqui dez anos não estaremos mais aqui. Então o que fazemos agora não é para a gente, mas para os filhos dos nossos filhos.”

A decisão foi anunciada no mesmo dia em que os dados confirmaram que o mês passado foi o março mais quente já registrado. Todos os últimos dez meses bateram os respectivos recordes históricos de temperatura.