Por que Belém pode inaugurar a era das COPs de implementação

Com habilidade diplomática e pragmatismo, presidência brasileira tem a chance de construir uma trajetória de ação em relação aos compromissos climáticos

Vista aérea de Belém do Pará
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Sobre o Apoio

A COP29, realizada em novembro passado em Baku (Azerbaijão), deixou um legado considerado insuficiente. A decisão mais esperada, sobre a nova meta de financiamento climático (NCQG, na sigla em inglês), teve como resultado um texto inconclusivo: trouxe pouca ambição no valor e dúvidas sobre como os recursos serão mobilizados.

Além disso, a conferência terminou com decisões aquém do esperado em diversos outros temas, como os próximos passos para implementar a transição, em especial a energética, apontada no Balanço Global aprovado em Dubai, em 2023. 

Se na celebração do Acordo de Paris os ventos se moviam para a cooperação  internacional, hoje as negociações climáticas estão no centro do complexo tabuleiro  geopolítico: ressurgimento de lideranças negacionistas, instabilidade causada por  guerras e uma série de embates comerciais em curso. Esse cenário de turbulência se  agrava com as perdas humanitárias e financeiras causadas pelos recentes eventos  climáticos extremos.

Para a COP30, em Belém, é um contexto de desafios sem precedentes, que devem ser enfrentados com habilidade diplomática e articulação de atores públicos, privados e da sociedade civil. A fragilidade da COP29 coloca sobre o Brasil o peso de restaurar a credibilidade do multilateralismo climático, mas também oferece ao país mais um teste de protagonismo internacional após a satisfatória presidência do G20.  

À frente do principal fórum de discussões econômicas, o Brasil conseguiu driblar  resistências e colocar na mesma sala de negociação diplomatas e representantes de  ministérios das Fazendas e de Meio Ambiente, alcançando declarações históricas sobre a necessidade de mobilização de recursos climáticos.

Também construiu consensos importantes para a criação de princípios para a bioeconomia, financiamento para as soluções baseadas na natureza e implementação da reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento.

No campo do desenvolvimento social, o G20 impulsionou o lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e alcançou o feito inesperado de conseguir pautar a relevância de uma tributação mínima sobre grandes fortunas.  

Continuidade em Belém

Há uma série de oportunidades para uma continuidade na COP30. A COP29 criou um plano de trabalho Baku-Belém para mobilizar US$ 1,3 trilhão em financiamento climático até 2030, que pode se vincular à discussão liderada pelo Brasil sobre o potencial de plataformas de país, como a recém-lançada Brazilian Investment Platform (BIP).

Além disso, o Brasil pode facilitar a criação de espaços de discussão para viabilizar planos de descarbonização setoriais e trabalhar para o desenvolvimento de mecanismos de adaptação. 

Como um país democrático consolidado, tem também uma oportunidade única de  fomentar maior participação de atores não-estatais. A agenda de ação da COP, que  ocorre em paralelo às negociações, poderá fazer a ponte dos diálogos diplomáticos com a sociedade e agentes econômicos, criando maior senso de urgência e ação para  valorização de atividades de descarbonização e manutenção das florestas. 

Será, também, uma boa ocasião para a sociedade civil brasileira apresentar ao mundo os desafios das mudanças climáticas e trazer maior conscientização sobre como a lentidão em lidar com os seus impactos pode afetar diretamente o dia a dia das pessoas e resultar em crises de abastecimento de alimentos e piores desempenhos de indicadores macroeconômicos, por exemplo. 

Muito além do reconhecimento dos dez anos que se passaram desde o Acordo de Paris, a COP30 não será apenas um evento internacional: será o marco de implementação do Acordo e, para o multilateralismo, o momento de superar a complexidade do cenário e construir uma trajetória de ação em relação aos compromissos climáticos da próxima  década.  

Com o adequado pragmatismo, o Brasil poderá liderar pelo exemplo, com mensagens  claras em Belém sobre a importância do clima para a economia, o desenvolvimento e  comércio, e inclusão de diferentes segmentos da sociedade para a construção de um  novo paradigma de implementação climática. 

* Maria Netto – Diretora-Executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS)
Cintya Feitosa – Especialista em Estratégia Internacional do iCS 
Lucca Rizzo – Especialista em Finanças Climáticas do iCS