Anualmente, um conjunto de novas promessas de ação, dinheiro e liderança surge em paralelo às Conferências das Partes (COPs) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática. Em Dubai, na COP 28, não será diferente.
Enquanto negociadores tratarão de fechar acordos, com destaque para o Balanço Global, o objetivo global de adaptação e a operacionalização do fundo de perdas de anos, um placar externo às salas de negociação ficará marcando os números anunciados pelas lideranças públicas e privadas presentes. A COP tem esses dois planetas diferentes.
No planeta dos “anúncios”, a melhor forma de se entender o que vai acontecer é através da agenda de dias temáticos, que indicam o que vai ganhar atenção ao longo das duas semanas. Ela dá a “coreografia” das promessas.
A COP28 iniciará, numa sexta-feira, com dois dias de World Climate Action Summit, quando países farão discursos sobre si mesmos. Aqui, podemos esperar o presidente brasileiro falando de tudo que o país fez antes da COP e do que pretende fazer depois.
A caravana brasileira
Na corrida para brilhar neste momento, o governo Lula tem editado decretos e portarias no Diário Oficial, como o novo programa com nome velho “Floresta+”, no Ministério da Agricultura, e corre para conseguir votar o projeto de lei do mercado regulado de carbono, a ser mencionado pelo presidente . Assim como serão celebrados os bons resultados na queda do desmatamento na Amazônia.
Depois, no domingo, a Saúde ganhará um dia para si, juntamente com paz e alívio a desastres. Nem preciso dizer como é importante colocar essas agendas em evidência. Do nosso lado, a novidade é que o Brasil terá, pela primeira vez, a ministra de Saúde presente.
Hoje, o país não tem políticas climáticas que interseccionem com a saúde, e vice-versa. Já houve um plano setorial no passado longínquo, mas que não ganhou fôlego. Com a ida de Nísia Trindade a Dubai, espera-se que a pasta passe a agir considerando os cenários climáticos, adaptando o Sistema Único de Saúde (SUS) para o mundo mais quente e o clima mais instável.
Na sequência, há finanças, gênero, povos indígenas, indústria, energia, urbanização, transporte, infância e juventude, educação, natureza e oceano, sistemas alimentares e assim por diante, somando 14 assuntos. Para cada um desses temas, um rosário de promessas, anúncios, conversas. E ao que consta, o Brasil se fará presente entusiasmadamente em tudo isso.
Na questão de florestas, serão anunciados novos investimentos para financiar a implementação do Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal, da Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e do Acordo de Biodiversidade.
Espera-se também o anúncio de ‘pacotes de países’ para apoiar ações em florestas tropicais, potencialmente incluindo Colômbia, República Democrática do Congo, a República do Congo e Papua Nova Guiné. Alguns desses pacotes podem receber contribuições significativas do mercado voluntário de carbono.
Nada muito forte de pacotes de investimento esperado para o Brasil, que deve brilhar falando da queda da taxa de desmatamento medida pelo Prodes, das novas parcerias arrematadas para o Fundo Amazônia e da emissão de sustainability linked bonds pelo Tesouro.
Do lado negativo, deve ser cobrado pelo controle do fogo no Pantanal e pela situação da seca extrema na região Norte, situações que estão vulnerabilizando os ecossistemas naturais. Além disso, o aumento do desmatamento no Cerrado não deve ser esquecido.
Mas o Brasil pretende anunciar uma proposta de financiamento florestal nova, baseada em uma ideia de fundo soberano multilateral em que o Centro para Desenvolvimento Global vinha trabalhando há uma década.
O problema do petróleo
Na agenda de energia, existem ciladas. Por exemplo, a iniciativa de Descarbonização de Óleo e Gás é problemática. Ela não lida com a maior parte das emissões que vêm do petróleo e do gás e não estabelece metas claras e rápidas para reduzir a poluição. Além disso, não promete limitar o crescimento da produção de combustíveis fósseis nem focar suficientemente em energia limpa.
Basicamente, ela trata apenas de uma pequena parte do problema e não se compromete a mudanças maiores e mais importantes. É como tentar apagar um grande incêndio com um copo d’água.
Outra possível cilada é o Desafio do Gerenciamento de Carbono, anunciado pela administração Biden em 2023 e apoiado por vários países, inclusive o Brasil. A iniciativa será formalmente lançada na COP28, quando os países participantes anunciarão o objetivo de armazenar coletivamente 1,2 Gt de CO2 até 2030.
Esta abrange tanto as tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCUS) quanto de remoção de dióxido de carbono (CDR). No entanto, há preocupações sobre se essa iniciativa realmente alinha com o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5ºC, uma vez que não enfatiza suficientemente a redução na produção e uso de combustíveis fósseis e mistura os papéis distintos de CCUS e CDR.
As críticas se concentram no uso dessas tecnologias para perpetuar a dependência de combustíveis fósseis e para compensar as emissões atuais, em vez de focar em cortes profundos das emissões.
Já a Parceria Global para Energias Renováveis e Eficiência Energética é um bom começo, porque propõe uma eliminação gradual real (phase out) do uso de carvão, petróleo e gás. Para que ela realmente faça a diferença, precisaria se transformar em um acordo oficial, ou seja, ser negociado na COP28.
Mas passar do compromisso sem peso legal pro negociado faz pouco sentido pros países, já que o incentivo é justamente na direção contrária, como eu disse acima. No melhor dos cenários, essa parceria global vai reforçar alguma decisão oficial sobre o phase out. O tempo nos dirá.
Pensando na efetividade desses sinais todos, entendo completamente quem não enxerga efeitos práticos ou a relação dessa “romaria” de anunciantes bem intencionados com a curva das emissões de gases de efeito estufa, que segue crescente.
Os compromissos de adesão menos vinculativos, mas mais facilmente alcançáveis, são “a cidra White Lightning” da diplomacia, como escreveu o britânico Ed King. Pra quem nunca ouviu falar, é uma daquelas bebidas bem baratas vendida no Reino Unido, equivalente à nossa Sidra Cereser. King postulou que a cidra e os anúncios de COP são do tipo “barato, atraente, um efeito rápido, falta de profundidade e uma ressaca garantida”.
Para mim, parece ser a ressaca a parte mais interessante: muitos líderes assinam compromissos ambiciosos, que dão uma baita dor de cabeça depois. Quem diria que Jair Bolsonaro, quando presidente do Brasil, assinaria embaixo de zerar o desmatamento até 2030 e reduzir as emissões do metano em 30%? Ficou pro seu sucessor implementar, partindo de bases obscenas de emissões deixadas pelo governo anterior.
Quem vai cobrar mais tarde?
Em muitas ocasiões, o efeito de aparecer na CNN ou na capa de uma revista importante é tão poderoso que faz políticos esquecerem completamente suas plataformas políticas e embarcarem na “festa”. E depois que se virem em casa.
O lado não tão bom disso é justamente que eles podem fingir que não lembram o que fizeram, e esses compromissos não servirem para absolutamente nada.
E como poderia ser diferente? Uma boa forma de gastar energia para que venham ao mundo iniciativas estratégicas e necessárias é considerar que elas precisam nascer já adaptadas ao cenário de 1,5°C. Tanto do ponto de vista de prever adaptação ao aquecimento já em curso, quanto principalmente de ajudar efetivamente para que esse limite não seja ultrapassado.
Em conclusão, a agenda paralela da COP 28 revela tanto potencial quanto limitações. Enquanto oferece uma plataforma para anúncios significativos e colaboração global, os desafios de transformar promessas em ações concretas e efetivas permanecem.
Uma abordagem mais integrada e realista, focada em compromissos vinculativos nacionais e estratégias adaptadas ao cenário de aquecimento de 1,5°C, é essencial para que esses encontros transcendam o simbolismo e contribuam efetivamente para a luta contra as mudanças climáticas.