Os incêndios que se multiplicam na Amazônia lançaram 31,5 milhões de toneladas de CO2 equivalente (tCO2e) na atmosfera entre junho e agosto, um aumento de 60% em relação ao mesmo período do ano passado. A estimativa foi feita pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
É pouco menos que as emissões de um ano inteiro da Noruega (32,5 milhões de tCO2e).
Com o farto material combustível fornecido pela seca e empurrado pelos ventos e pelo calor, o fogo consumiu 2,4 milhões de hectares de florestas, campos e pastagens, uma área maior que todo o território de Israel.
Do ponto de vista estritamente climático, o incremento não tem tanto peso diante da enormidade das emissões de gases de efeito estufa brasileiras. O país, sexto maior emissor do mundo, lançou na atmosfera 2,3 bilhões de toneladas de CO2 equivalente em 2022, segundo o levantamento mais recente.
E, por questões de metodologia, as queimadas não são incluídas no inventário nacional de gases.
Só que esses números não contam a história completa.
Em primeiro lugar, é claro que os danos ambientais são enormes e não se medem em toneladas de carbono. O país olha incrédulo para o mapa das queimadas e sofre com a nuvem de fumaça que cobre mais da metade do território nacional.
Mas uma outra dimensão da crise atual diz respeito às grandiosas ambições do país de ser um líder na diplomacia global do clima e um pioneiro da neutralidade de carbono em nível nacional.
A resposta lenta e desordenada aos incêndios florestais está mostrando ao mundo um Brasil que ainda tem sérias dificuldades de cuidar do seu próprio quintal.
COP30
O Brasil vai ocupar a presidência da conferência do clima ao longo do próximo ano. Além de organizar a COP30, que acontece em novembro de 2025 em Belém do Pará, o país tem que trabalhar para conseguir avanços no esforço global pelo clima.
Uma das principais medidas do sucesso brasileiro será a capacidade de “liderar pelo exemplo”.
As NDCs, como são chamadas as metas voluntárias que cada país apresenta para reduzir suas emissões de gás carbônico, são um dos pilares da cooperação global pelo clima.
As NDCs atuais valem até 2030. As que cobrem o período seguinte (2030 a 2035) terão de ser apresentadas até fevereiro do ano que vem, já sob a gestão brasileira da COP.
Já se sabe que, mesmo que fossem todos cumpridos, os planos em vigor hoje são dramaticamente insuficientes. Como se diz no linguajar das COPs, é preciso ter mais ambição.
A expectativa é que o Brasil seja um dos primeiros a anunciar seu plano, em linha com a ciência e garantindo que siga viva a meta de aumento máximo de 1,5°C na temperatura, em comparação com a era pré-industrial. Em outras palavras, espera-se uma NDC brasileira muito ambiciosa.
Eis o ponto-chave: para fazer sua parte, o país precisa basicamente proteger seus biomas. O desmatamento é responsável por metade das emissões nacionais.
O ritmo de destruição da Amazônia vem caindo, o que é uma ótima notícia, mas no Cerrado a perda de vegetação nativa vem se acelerando de forma nunca vista.
Com o fogo fora de controle pelo país e esse “perde e ganha” do desmatamento, teremos condições de cumprir o que já está prometido e, principalmente, fazer cobranças dos outros?
Para quando?
Pessoas que atuam com política climática há muitos anos não sabem bem o que esperar da nova meta brasileira. O processo de construção da NDC, liderado pelo Ministério do Meio Ambiente, foi descrito ao Reset como “opaco”.
Não se sabe nem sequer quando o documento será tornado público. O limite é fevereiro do ano que vem. Para que haja tempo de efetivamente influenciar as NDCs alheias, o prazo considerado razoável para a divulgação da NDC brasileira seria a COP29, que acontece em novembro próximo em Baku (Azerbaijão).
Ainda não está claro se o governo brasileiro vai fazê-lo durante a conferência.
Os relatos dão conta de um processo atrasado. Apesar de o desmatamento ser o indicador que realmente vai fazer a diferença na contabilidade brasileira, a NDC inclui toda a economia.
Uma das explicações para a demora é a consulta aos diversos setores econômicos. Uma possibilidade é que em Baku seja divulgada uma meta ampla, a ser detalhada mais adiante – mas essa é uma especulação.
“Vai pegar muito mal se nada for apresentado na COP29”, afirma uma pessoa que acompanha de perto o assunto.
Clima em mutação
O clima em mutação também introduz incertezas importantes nos planos nacionais de descarbonização. Isso é verdade para todos os países, mas tem implicações especialmente importantes no Brasil.
A contribuição brasileira para o clima é “viva”, diz Thelma Krug, ex-vice-presidente do painel científico da ONU sobre mudança do clima (IPCC). “Floresta e agricultura são seres vivos. São seres vivos vulneráveis.”
Barbara Zimbres, pesquisadora do Ipam, afirma que as queimadas podem ter impacto de longo prazo desconhecidos. “Existe o risco de entrarmos num círculo vicioso de secas mais severas, incêndios mais intensos e aumento da mortalidade de árvores que, por sua vez, retroalimentam os estoques de combustível disponíveis para eventos de fogo futuros.”
Também a geração de energia – um ente “morto”, segundo Krug – pode ser afetada.
A seca já causa alerta nos níveis dos reservatórios das hidrelétricas, que garantem ao país uma das matrizes de eletricidade mais limpas do mundo, e especula-se que o regime dos ventos também possa mudar, interferindo nos planos de geração eólica.
A troika
Um princípio básico da convenção do clima é a soberania dos países. NDC é a sigla em inglês para contribuição nacionalmente determinada. A palavra-chave é nacionalmente.
Cada país estabelece o que tem condições de fazer, e não há penalidades para quem eventualmente descumpra o que diz o documento entregue à ONU.
A responsabilidade de “puxar” a ambição também não é exclusivamente dos brasileiros, apesar de o país ter assumido esse compromisso publicamente.
No ano passado, em Dubai, os líderes das COPs 28 (Emirados Árabes Unidos), 29 (Azerbaijão) e 30 (Brasil) se uniram numa “troika” para trabalhar juntos nesse sentido. Mas, quando as NDCs estiverem protocoladas, o foco estará em Belém e na presidência brasileira.
Até lá, o país tem de responder a algumas perguntas urgentes.
Como garantir que os autores de incêndios criminosos sejam presos e julgados? Que mudanças devem ser feitas nos sistemas de alerta e coordenação de combate a incêndios florestais? A quem caberá a responsabilidade de articular as ações em caso de emergências extraordinárias como a atual?
Em outro plano, as preocupações são diferentes. O país tem pouco mais de um ano para colocar de pé a COP em Belém, que ainda não tem data marcada mas deve acontecer em novembro de 2025.
Eventuais dificuldades logísticas e falhas na organização serão facilmente esquecidas. Mas promessas vazias – ou uma nuvem de fumaça vinda da floresta e cobrindo a capital paraense –, não.