
Bonn – Noruega, Reino Unido e Alemanha estão decididos a fazer aportes iniciais no Tropical Forests Forever Facility (TFFF), apurou o Reset. O fundo foi idealizado pelo Brasil como um mecanismo para mobilizar US$ 125 bilhões e destinar recursos a países que protegem suas florestas tropicais.
China, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita também teriam interesse em entrar nesse grupo de “patrocinadores”, os países dispostos a assumir os riscos iniciais do fundo de investimento para alavancar recursos privados.
Os detalhes do TFFF estão sendo finalizados. O governo brasileiro deve fazer o anúncio oficial do fundo e dos primeiros apoiadores na COP30, em Belém em novembro.
Do lado financeiro, o plano envolve tomar emprestados recursos a taxas de juros compatíveis com o grau de risco dos financiadores e aplicar o dinheiro em um portfólio com remuneração mais alta. O rendimento obtido será distribuído para países detentores de florestas tropicais mediante resultados obtidos na conservação.
Procurado pelo Reset, o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) confirmou que potenciais patrocinadores estão interessados e engajados na criação do mecanismo, mas todos na etapa do due diligence.
“Estes países não vão anunciar enquanto esse trabalho não for concluído. Nós também ainda não podemos dizer que o aporte vai acontecer”, diz Garo Batmanian, diretor do SFB e responsável pela coordenação da iniciativa.
Falando de Londres, onde participa da Semana do Clima britânica, Batmanian disse estar conversando com investidores privados. “Ouvimos muito que o TFFF é a única alternativa que tem a ambição e o escopo para fazer uma contribuição que não é ‘piloto’. Nos dizem que é viável, que tem escala, que é global e que temos que acertar.”
O TFFF vai funcionar dentro do Banco Mundial. Batmanian afirma que a aprovação final deve acontecer na reunião do conselho da entidade, em meados de outubro.
Conservação florestal
Caso seja atingida a meta de captação de US$ 125 bilhões, o mecanismo poderia repassar até US$ 4 bilhões anuais para seus integrantes.
Uma vez oficializada a estrutura, países poderão se candidatar a participar do TFFF. Os critérios básicos de elegibilidade incluem a presença de florestas tropicais e não ser um país de alta renda.
Os participantes também precisam concordar com princípios de governança, entre eles o uso dos recursos recebidos. O dinheiro terá de ser aplicado em atividades relacionadas à conservação.
O mecanismo também prevê que pelo menos 20% do total seja direcionado a populações indígenas ou comunidades locais. Esses “guardiões das florestas” estão participando da elaboração do TFFF.
“Essa é uma inovação enorme”, diz Carlos Rittl, diretor de políticas públicas da Wildlife Conservation Society, uma das entidades que apoiam a construção do mecanismo.
“É a primeira vez que chamam essas populações indígenas para sentar e participar do desenho. Não estão chegando para eles depois, dizendo: ‘Isso é o que vai sobrar para vocês’”, afirma.
Floresta em pé
Os resultados medidos pelo TFFF não envolvem contabilidade de carbono ou indicadores de biodiversidade. Esta é uma das inovações do programa: os repasses estarão associados à manutenção da cobertura florestal, verificada por imagens de satélite.
Segundo o documento mais recente descrevendo o mecanismo, o plano é que cada hectare de floresta em pé – segundo uma definição ainda sendo estabelecida – corresponda a um pagamento de US$ 4.
Caso haja desmatamento em relação ao período anterior, o país terá uma penalização na forma de descontos no repasse. Se a perda de cobertura florestal for igual ou inferior a 0,3%, cada hectare desmatado resultará em dedução de 100 hectares no pagamento. Se a devastação ficar entre 0,3% e 0,5%, a taxa de desconto dobra.
Também haverá deduções para degradações, como as causadas por incêndios.
Colaboração
Os contornos gerais do TFFF foram apresentados pelo Brasil na COP28, realizada em Dubai em 2023. Batmanian diz que o país “lançou a ideia, mas não é dono dela”.
O trabalho vem sendo liderado pelo governo brasileiro e tem a participação ativa de Colômbia, República Democrática do Congo, Gana, Indonésia e Malásia.
O interesse em fazer parte do mecanismo é muito grande, afirma o diretor do serviço florestal. “Realizaram uma conferência de três dias em Brazzaville, no Congo, só sobre a participação das populações locais. Se você faz algo assim é porque tem interesse. Vemos isso como um sinal muito positivo.”
Com Brasil e Indonésia, o país africano faz parte da trinca de países que abrigam as maiores extensões de florestas tropicais do mundo.
Financiamento climático
O TFFF é uma tentativa de driblar a dependência de doações e recursos vindos de orçamentos nacionais de países ricos para uma atividade essencial na luta contra a mudança do clima.
O financiamento climático é um dos pontos centrais das disputas entre o Norte e o Sul globais nas COPs. Em mais de três décadas de negociações, sempre foi muito difícil obter compromissos financeiros firmes do mundo desenvolvido.
A situação é especialmente crítica nestes tempos de instabilidade geopolítica – em orçamentos de nações europeias, dinheiro que era destinado ao clima agora está sendo transferido para defesa.
Como o TFFF opera de acordo com uma lógica de mercado, aportes dos países patrocinadores seriam repagos com juros. A expectativa é que eles componham 20% da captação do fundo – doações de entidades filantrópicas também podem compor esta fatia.
Os outros 80% virão de investidores tradicionais. O plano é que sejam emitidos títulos de dívidas com um rating elevado, barateando o custo da captação. A diferença entre os juros pagos aos investidores e a rentabilidade do fundo seria utilizada para remunerar os países que protegem suas florestas.
O TFFF é um exemplo de mobilização de recursos que compõe o bolo do financiamento climático aprovado na COP29. A Nova Meta Coletiva Global definida na conferência de Baku (Azerbaijão) prevê US$ 1,3 trilhão anuais: US$ 300 bilhões de fontes públicas e o restante de capital mobilizado – onde o TFFF poderia entrar.
O governo brasileiro, em conjunto com a presidência azerbaijana, vai apresentar na COP30 o chamado “Caminho de Baku a Belém”, um documento com ideias para destravar a transferência de recursos para os países em desenvolvimento.
O fluxo de recursos para as nações que mais sofrem com a mudança climática – que têm a menor responsabilidade histórica pelos gases de efeito estufa que causam a crise – é um dos embates centrais em mais de 30 anos de negociações internacionais sobre clima.
Rittl, da Wildlife Conservation Society, afirma que é difícil subestimar a inovação representada pelo TFFF: um mecanismo de financiamento que almeja ser autossustentável, que independe de espaço fiscal nos países ricos e que foi desenhado com a participação das populações que fazem um trabalho de conservação pouco reconhecido.
“Não vão ser US$ 125 bilhões no primeiro nem no segundo ano. E o modelo vai ser aperfeiçoado com o tempo. Mas pode ser algo transformador”, diz Rittl.
“Se for bem sucedido, o TFFF vai mobilizar recursos numa escala nunca vista.”