Eventos climáticos extremos estão cada vez mais frequentes, mas ainda falta muito dinheiro para que países em desenvolvimento consigam se adaptar a essa nova realidade.
São necessários, ao menos, US$ 310 bilhões ao ano. Mas eles recebem apenas US$ 26 bilhões. Assim, os recursos necessários para ações de adaptação são 12 vezes maiores que o atual, segundo levantamento do Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma).
O gap é, portanto, de pelo menos US$ 284 bilhões.
Publicado nesta quarta-feira (29), o Relatório sobre a Lacuna de Adaptação de 2025 trata de dinheiro e adaptação – dois assuntos centrais da COP30, que começa em menos de 15 dias em Belém.
“A adaptação não é um custo – é uma tábua de salvação”, disse o secretário geral da ONU, António Guterres, em nota sobre o documento.
“Os impactos climáticos estão se acelerando. No entanto, o financiamento para adaptação não está acompanhando o ritmo, deixando as pessoas mais vulneráveis do mundo expostas ao aumento do nível do mar, tempestades mortais e calor escaldante”, disse Guterres.
Nenhum país está preparado para a nova realidade, ainda que nações-ilha sejam mais vulneráveis, afirmou Inger Andersen, diretora-executiva do Pnuma, em coletiva de imprensa. Ela citou o exemplo da Jamaica, que acaba de ser atingida pelo furacão Melissa.
“Políticas de adaptação são obras de infraestrutura que não são feitas em um ano ou dois, mas em décadas”, destacou.
A ONU aponta que os países desenvolvidos estão caminhando para não cumprirem a promessa de destinar US$ 40 bilhões anuais para adaptação climática das nações menos desenvolvidas até 2025. O compromisso foi firmado em 2021, durante a COP26.
“Precisamos de um impulso global para aumentar o financiamento da adaptação – de fontes públicas e privadas – sem aumentar o fardo da dívida das nações vulneráveis”, disse Andersen. “A realidade é simples: se não investirmos em adaptação agora, enfrentaremos custos crescentes a cada ano”.
Hoje, o setor privado destina US$ 5 bilhões ao ano para financiamento de adaptação – uma contribuição que poderia chegar a US$ 50 bilhões, segundo o relatório. O grosso, portanto, caberia ao poder público.
Adaptação em jogo
O relatório da ONU diz que 172 países têm alguma estratégia nacional relacionada à adaptação (quase 90% dos 198 signatários do Acordo de Paris), mas que 36 estão com medidas desatualizadas.
De acordo com o Pnuma, esse gargalo precisa ser corrigido para evitar a má adaptação – ou seja, a implementação de medidas que agravam os impactos de eventos climáticos em vez de proteger as pessoas.
“Fechar a lacuna de adaptação é a forma como protegemos vidas, promovemos a justiça climática e construímos um mundo mais seguro e sustentável. Não percamos mais tempo”, disse Guterres, da ONU.
Na semana passada, a ONU divulgou um balanço dos Planos Nacionais de Adaptação (NAPs, na sigla em inglês), que servem como guia para implementar, financiar e monitorar ações de adaptação. Até setembro, 80 países submeteram seus planos à Convenção do Clima da ONU, a UNFCCC. Desse total, 67 são países em desenvolvimento.
Cada país definiu mecanismos próprios para avaliar vulnerabilidades e riscos associados às mudanças do clima. Os riscos mais citados são: secas, inundações, aumento das temperaturas, elevação do nível do mar e alterações nos padrões de chuva.
O relatório aponta que há progresso na formulação dos planos, mas que a implementação real permanece limitada. A maioria das ações foi considerada fragmentada e limitada em recursos.
Efeito dominó
Nos mais de 30 anos de diplomacia do clima, a adaptação sempre recebeu menos atenção que a redução das emissões de gases de efeito estufa, ou mitigação, no jargão das COPs.
Na sua oitava carta, o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, diz que a adaptação vai ganhar foco na conferência.
O que está na agenda oficial dos negociadores na COP de Belém são os Objetivos Globais de Adaptação. Trata-se de uma lista de indicadores universais e comparáveis que sirvam de medida do grau de preparação dos países.
Mas na pré-COP realizada em Brasília neste mês, houve questionamentos sobre financiamento para adaptação climática.
A questão do financiamento tem gerado um efeito dominó. Na COP29, em Baku, no Azerbaijão, ficou decidido que os países ricos – historicamente os maiores poluidores – têm até 2035 para chegar a US$ 300 bilhões anuais em financiamento climático. O valor é insuficiente para fechar a conta da adaptação, segundo o Pnuma.
A cifra também está longe do US$ 1,3 trilhão apontado por um painel de economistas como o dinheiro necessário para que os países mais pobres e vitimados pela emergência do clima possam se descarbonizar e principalmente se adaptar a um clima que já mudou.
Nos próximos dias, Brasil e Azerbaijão vão apresentar um plano para passar dos bilhões ao trilhão para mitigação e adaptação. Batizado de Mapa do Caminho de Baku a Belém, esse documento não envolve negociação nem será objeto de uma decisão.
Para que o roteiro funcione, o Pnuma diz que mecanismos de doações e recursos subsidiados são importantes para não aumentar a dívida de países vulneráveis.
Nos eventos preparatórios para a COP30, realizados em Bonn, Alemanha (junho), e em Brasília (outubro), o assunto do dinheiro também dominou as agendas.