OPINIÃO

Enviado da COP: Como semear negócios regenerativos na Amazônia

Com aportes de R$ 50 mil ao longo de alguns anos, sistemas agroflorestais podem 'rematar' a floresta e gerar renda e desenvolvimento sustentável, escreve Denis Minev

Enviado da COP: Como semear negócios regenerativos na Amazônia

Denis Minev, CEO da varejista manauara Bemol, foi escolhido pela presidência da COP30 para ser o enviado especial para o setor privado da Amazônia. Ele e outros 29 enviados especiais têm a missão de apoiar a liderança da conferência no engajamento e na escuta de setores e regiões prioritárias. O Reset publica em primeira mão a segunda carta de Minev sobre a agenda que pretende fomentar. Leia aqui a primeira carta.

O empreendedorismo pulsa na Amazônia com vitalidade. Em meio a grandes dificuldades – logística difícil, informalidade, instituições frágeis e adversas –, ele persiste. No entanto, dados os incentivos atuais, ele é direcionado a atividades em geral consideradas insustentáveis, como pecuária de baixa produtividade e soja, ou pior, garimpo, madeira ilegal e narcotráfico.

Esse sistema se baseia no limitado conhecimento técnico local, na baixa disponibilidade de financiamento de médio prazo, em complicações fundiárias e nos exemplos dos arredores. Ele vence, no voto, alternativas de bioeconomia arcaica que defendem o extrativismo primitivo. Os amazônidas têm votado indicando preferência da maioria por conduzir gado e trabalhar em colheitadeiras de soja a ver seus filhos subindo árvores para catar açaí ou caminhando errantes pela floresta coletando castanha. É preciso escutá-los.

Como mudar essa realidade? Como fazer com que atividades sustentáveis, regenerativas, vençam corações e votos? Essa carta visa apontar uma possibilidade, dentro do espírito de mutirão global da COP30.  Reconhecendo que a Amazônia manteve mais de 80% do seu bioma conservado, mas permanece no nadir econômico-social, o mutirão é necessário para construir um caminho de prosperidade não-destrutiva.  Nenhuma outra sociedade conseguiu isso. É justo que a transição seja financiada pelo mundo.

O bioma Amazônia no Brasil tem cerca de 500 municípios. Na grande maioria não existe sequer um bom exemplo sustentável no campo, apesar de todos serem cercados por áreas rurais. O Brasil e a própria Amazônia têm bons exemplos, não nos faltam tecnologia ou conhecimento, apesar de este último ainda ser concentrado em poucos locais e pessoas.  

É preciso polinizar os municípios com empreendedores sustentáveis e regenerativos. Como? Iniciando por empreendedores locais que já têm posse da terra, com um investimento de R$ 50 mil por hectare ao longo de três a cinco anos, é possível implantar sistemas agroflorestais para produzir alimentos, armazenar carbono, trazer de volta parte da biodiversidade e do ciclo da água e gerar empregos e riqueza local.

Cada hectare, ao cabo desse período de investimento inicial, gera cerca de 0,5 emprego e receita de mais de R$ 60 mil por ano, considerando culturas atuais como cacau, açaí, banana e madeira, dentre outras. De carbono, cada hectare deve armazenar cerca de 250 toneladas a mais que um pasto, considerando o longo prazo.

Cinco hectares por empreendedor devem ser suficientes para um bom nível de prosperidade. O investimento deve ser dosado aos poucos, conforme a performance, e uma parte (cerca de 20%) deve ser direcionado para monitoramento, apoio e assistência técnica.

Ponto de virada

Se criarmos 10 mil empreendedores sustentáveis por ano, algo como 20 por município, dentro de 5 a 10 anos possivelmente atingiremos um ponto de inflexão. Em todos os cantos da Amazônia haverá aprendizado produtivo.

Primeiro, haverá o “rematamento” de 50 mil hectares por ano, com armazenagem de carbono de mais de 12 milhões de toneladas após alguns anos.  

Em termos sociais, além de segurança alimentar no território, teremos mais de 25 mil novos empregos ao ano. Também em pouco tempo se construirão conhecimento e experiência locais para uma expansão além dos empreendedores iniciais polinizados.

Em termos econômicos, a disseminação de meios mais avançados de produção e o consequente aprendizado por empreendedores e seus empreendimentos está no cerne da construção da bioeconomia do conhecimento. 

Esse é o conhecido “learning by doing” do artigo seminal do economista Kenneth Arrow sobre como o aprendizado revoluciona sociedades e pode tornar o crescimento endógeno. Uma vez que uma sociedade aprende meios de produção complexos, ela aprende a aprender, o que impulsiona a fronteira de desenvolvimento econômico. Ele já apontava para possíveis exemplos de fazendas experimentais, o que também é uma boa possibilidade desde que espalhadas no território, conduzidas já em muitos casos Brasil afora pela Embrapa. Esse modelo, se tiver sucesso, pode aumentar significativamente o PIB do bioma.

Em termos políticos, existirá uma base eleitoral de apoiadores a ações sustentáveis, tanto de poder econômico quanto social. Políticos regionais verão como é possível integrar prosperidade e floresta. Ações de polícia contra atividades ilegais terão recepção muito mais acolhedora no território – assim dissolve-se o ciclo do desmatamento ilegal no médio prazo.    

Quanto custaria tudo isso? R$ 2,5 bilhões ao ano de financiamento, durante 5 a 10 anos. Dentro do espírito de mutirão, será preciso uma mobilização científica também, dado que sistemas agroflorestais tangenciam a economia do conhecimento. Investimentos em ciência devem oferecer gradualmente melhorias econômicas e ambientais. Já temos essa experiência na Embrapa, que precisa ser vitaminada na região. Será também necessário treinar um batalhão de técnicos que apoiem esse modelo de produção mais complexo.

Mas faz sentido financeiramente.  Somente o carbono, se precificado a R$ 250 a tonelada, cobre 120% desse investimento se tudo der certo. Alguns falhariam por uma série de motivos, como má gestão ou seca.  Ainda assim, não parecem existir alternativas melhores.

A COP-30 propôs 30 objetivos chave. Há oito abordados na presente ideia, 5, 6, 8, 9, 18, 23, 28 e 29.  Mais que isso, há uma oportunidade nacional de sair do maniqueísmo que coloca empreendedores amazônicos como vilões. Podemos, dentro do mutirão, entregar maior abundância e prosperidade ao mesmo tempo que entregamos mais Amazônia à próxima geração.

* Denis Minev é economista e CEO da Bemol, além de investidor em projetos sustentáveis na Amazônia. Foi secretário de Planejamento e Desenvolvimento Econômico do Amazonas e cofundador da Fundação Amazonas Sustentável