Em sua 27ª COP, cientista diz que 1,5°C não parece ao alcance

Progresso nas conferências do clima é lento e frustrante, diz o alemão Niklas Höhne, responsável por ferramenta que analisa planos nacionais

Em sua 27ª COP, cientista diz que 1,5°C não parece ao alcance
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Baku, Azerbaijão – Em termos de COP, Niklas Höhne, 54, já viu e ouviu de tudo. Baku marca a 27ª Conferência do Clima da ONU do cientista alemão, uma das vozes da ciência climática mais respeitadas do mundo.

“Fico um minuto nas salas [de negociação] e já tenho que sair. Não aguento. Já ouvi tudo. Dizem as mesmas coisas de 10 anos atrás”, diz Höhne.

Apesar de compartilhar da frustração de muita gente, ele diz que as COPs ainda são um fórum essencial: “O processo é lento e insuficiente, mas, se não existisse, teríamos de inventá-lo”.

Höhne não poderia dar-se o luxo de não vir ao Azerbaijão. Ele é um dos fundadores do New Climate Institute, um centro de pesquisas climáticas independente responsável, em parceria com a Climate Analytics, pelo Climate Action Tracker.

A ferramenta desde 2009 esmiúça o que 39 países e a União Europeia prometem em seus planos climáticos e é considerada uma referência na análise das NDCs, como são conhecidos esses documentos.

O trabalho do Climate Action Tracker será observado de perto nos próximos meses, pois os países estão divulgando quanto pretendem reduzir suas emissões até 2035. O Brasil, sede da COP do ano que vem, foi um dos primeiros.

Höhne diz ser otimista, mas o retrato atual não é nada animador. Manter o aquecimento a 1,5°C vai depender de algo “drástico, além do que hoje consideramos possível”, afirma ele.

Se os países fizerem tudo o que está prometido nas NDCs atuais e atingirmos o net zero em 2050 – o que não é nenhuma garantia –, a temperatura média global no fim do século será 1,9°C superior à dos tempos pré-industriais. Isso significa uma mudança “catastrófica” do clima, diz Höhne.

Falando em voz baixa e com uma calma difícil de conciliar com o conteúdo da mensagem, ele conversou com o Reset no centro de imprensa da COP29, numa tenda erguida do lado de fora do Estádio Olímpico de Baku, no Azerbaijão. Leia os principais trechos da entrevista.

Esta é a COP de que número para o senhor?

É a minha 27ª. Na primeira, que aconteceu em Berlim [em 1995], tinha acabado de me formar. Fiquei sabendo, achei o tema interessante. Simplesmente entrei e perguntei: ‘Vocês têm algum trabalho para mim?’ E tinham! Distribui presentes para os delegados, como as garrafas térmicas que entregam hoje em dia. Naquela época, eram um guarda-chuva e um rádio [movido a energia] solar.

O que acha do tamanho das COPs atualmente? A deste ano está um pouco menor que a do ano passado…

Ainda é muito grande. Existe um grupo central de negociadores, cerca de 2.000 a 5.000 pessoas, no máximo. Além disso, há alguns milhares de observadores que precisam estar atentos às negociações e fornecer insights sobre o que está acontecendo.

E, além disso, tem uma série de outras coisas ao redor. Parece uma feira de negócios. A novidade é que nos últimos cinco anos, talvez, CEOs de grandes empresas começaram a vir. Ainda que este ano sejam menos executivos, acho que não é o lugar certo para CEOs.

Mas as empresas não deveriam ter voz também?

Sim, elas devem ter voz, e sempre tiveram, mas por meio de associações. Isso é superimportante como uma das partes interessadas, assim como ambientalistas e pesquisadores. Mas não empresas individualmente.

O que indicam as estimativas do Climate Action Tracker para a temperatura global?

Desde a COP de 2009, em Copenhague, calculamos o aumento de temperatura até o final do século, segundo diferentes cenários.

Um deles leva em conta o que os países realmente estão fazendo. Nesse cenário, estamos em 2,7°C [de aumento da temperatura], o que seria uma mudança climática catastrófica.

Olhando somente as [atuais] NDCs, com compromissos até 2030, estamos em 2,6°C. No cenário otimista, incluindo as metas de chegar a emissões líquidas zero, ainda não submetidas oficialmente, chegamos a 1,9°C.

A pergunta obrigatória é: o 1,5°C está morto?

Tecnicamente ainda é possível. Temos os meios. Mas, hoje, não parece que vamos alcançar essa meta. Com o que estamos fazendo e também com as promessas, as emissões globais de gases de efeito estufa devem se estabilizar até 2030.

Mas, para alcançar 1,5°C, elas precisam ser reduzidas pela metade [até 2030]. Somente se algo muito drástico acontecer, além do que hoje consideramos possível, conseguiremos manter permanentemente o aumento médio global de temperatura abaixo de 1,5°C.

Muitas pessoas acham que alcançar a emissão líquida zero até 2050 é suficiente. Isso é verdade?

Não necessariamente. O que importa é o caminho até lá. O que conta são as emissões cumulativas. O CO2 permanece na atmosfera por muito tempo.

Não fazer nada e de repente cortar as emissões a zero não resolve o problema. E vamos passar de 1,5°C.

Algumas pessoas perderam a confiança no processo das COPs. Qual é sua visão?

Não perdi a confiança. Também fico frustrado com o progresso lento a cada ano. Às vezes parece que damos um passo para trás. Mas, olhando a longo prazo, há avanços. Na COP de Paris [2015], com as ações que os países estavam realizando, o aumento projetado era de 3,5°C. O cenário otimista, de 1,9°C,  é muito melhor do que o de dez anos atrás.

Muitas críticas apontam que os países são obrigados só a apresentar planos nacionais, mas não há como cobrá-los.

É frustrante, mas faz parte do nosso sistema. Não temos uma polícia global. Países são soberanos – o que é positivo. Por isso, temos as Nações Unidas, onde eles se reúnem sob certas regras para chegar a acordos. Esses acordos não são compulsórios. Se um país quiser, pode sair do tratado. O processo é lento e insuficiente, mas, se não existisse, teríamos de inventá-lo.

Desde a primeira COP, passamos de uma noção vaga sobre reduzir emissões para conceitos claros como emissões zero e neutralidade climática. Esse avanço molda todas as discussões políticas nos países, seja o fim da produção de combustíveis fósseis, seja a transição para aço emissão zero.

Mas quando volto para casa e converso com meus amigos, eles dizem que a COP é só uma festa, com gente voando para o outro lado do mundo, sem resultado prático.

Entendo. É compreensível o ceticismo. Nosso papel no Climate Action Tracker é monitorar e lembrar os governos do que prometeram e como estão se saindo. Se ninguém fizesse isso, seria fácil para os países ignorarem suas promessas.

Existe alguma forma de incluir nas suas projeções a eleição de Donald Trump?

Fizemos um pequeno cálculo sobre isso. Ele é um negacionista do clima. Ao mesmo tempo, não pode reverter completamente o que já foi feito. Mesmo nos Estados Unidos, a energia renovável é super barata, mais barata do que qualquer combustível fóssil. As emissões nos EUA continuarão a cair. A questão é se elas cairão mais devagar ou o quanto mais devagar em comparação a uma administração Biden.

Se esse efeito for limitado apenas aos EUA, calculamos um aumento da temperatura até o final do século de 0,04°C. Ou seja, quase imperceptível. Não é um grande problema.

O problema maior será se, por causa dos EUA, outros países abandonarem o Acordo de Paris ou relaxarem seus esforços climáticos. Na última vez que Trump saiu do acordo, isso não aconteceu.

Vocês consideraram a nova NDC brasileira insuficiente. E houve críticas sobre a escolha por uma meta na forma de faixa. Um dos argumentos do país é que existem muitas incertezas. Faz sentido? Esse seria o “novo normal” para os planos?

Definitivamente, é muito difícil estabelecer uma meta global porque você não sabe o que vai acontecer. O PIB pode subir ou cair, ou alguma nova tecnologia pode surgir.

Eu lidaria com isso da seguinte forma: estamos muito atrasados em relação à política climática. Mesmo sem saber exatamente como chegar lá, temos que tentar.

A Dinamarca estabeleceu uma meta de redução de 70% até 2030 e declarou que sabe como alcançar 60% disso. Para os 10% adicionais, não têm ideia de como fazer. Mesmo assim, eles se comprometeram porque acreditam que é necessário. 

O senhor acha que a nova rodada de NDCs não estará totalmente alinhada com 1,5°C? Seria uma péssima notícia ou ainda podemos corrigir o curso?

As metas para 2035 só podem estar alinhadas com 1,5°C se, ao mesmo tempo, as metas para 2030 forem atualizadas. Mas o Brasil não fez isso. Nem o Reino Unido, nem os Emirados Árabes [os três países que já divulgaram seus novos planos].

Também não ouvi falar dos EUA, UE e China. Pelo que dizem, é improvável que eles mudem suas metas. Se as emissões globais estiverem no nível que acreditamos em 2030, o 1,5°C será ultrapassado já na primeira metade da década de 2030.

Tão rápido?

Exatamente. Se 2030 não mudar do que [estamos projetando] agora, vamos passar de 1,5°C. E o que acontece depois? Será ainda mais urgente reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Quais são as suas opiniões sobre tecnologias apontadas como promissoras, como captura de carbono e hidrogênio verde?

Antes de mais nada, já temos muitas tecnologias existentes que nos levarão na maior parte do caminho.

Como acabar com os vazamentos de metano…

Sim. Vazamentos de metano, energias renováveis, eficiência energética em edifícios, mobilidade elétrica, eletrificação de indústrias que não dependem de altíssimas temperaturas.

Portanto, para 80% das questões, já temos soluções. A inovação é necessária para os outros 20%, mais ou menos. O que vejo com frequência é o argumento de esperar por uma grande tecnologia surgir como desculpa para não fazer nada agora. Isso é um grande problema, algo comum no discurso político.

E a natureza?

A natureza é extremamente interconectada. Biodiversidade, biocombustíveis, alimentos, tudo isso está ligado. Atualmente, dependemos da natureza como um sumidouro de carbono. Uma grande parte das nossas emissões é absorvida pela natureza. No entanto, há muita competição entre os diversos usos da terra: ser um sumidouro de carbono, preservar a biodiversidade, produzir alimentos, gerar energia via biocombustíveis. Precisamos ter muito cuidado porque a terra é finita.

Há muitos cientistas que são totalmente contra créditos de carbono baseados na natureza. O senhor tem uma posição sobre isso?

Acredito que a natureza precisa de apoio e de financiamento para ser preservada. Criar um crédito de carbono pode ser útil, mas ele não deve ser usado para compensar emissões. Precisamos fazer as duas coisas: preservar a natureza e reduzir as emissões. Não é uma questão de escolher entre uma e outra. Não temos mais tempo para isso.

Como devemos interpretar as disputas em torno do financiamento climático?

Negociações climáticas são mais produtivas quando o cenário global é favorável. Vivemos o oposto disso: guerras, desconfiança entre os países. Isso torna uma conferência com 200 nações tentando chegar a um consenso extremamente desafiadora. O financiamento sempre foi uma questão-chave nas negociações climáticas, desde o início. Quem reduz quanto? Quem paga quanto? São perguntas recorrentes e de difícil solução.

Como descreveria suas participações em COPs hoje em dia?

A única coisa que não consigo mais fazer é participar das negociações. Fico um minuto nas salas e já tenho que sair. Não aguento. Já ouvi tudo. Dizem as mesmas coisas de 10 anos atrás.

 O senhor é otimista ou pessimista? 

Sou sempre otimista, senão teria mudado de profissão [risos].