Sharm el-Sheikh – Passada a primeira semana, ainda há muitas distâncias a encurtar entre os países quando se trata dos dois temas mais importantes da agenda da COP27: perdas e danos e mitigação, o nome técnico dado às reduções de emissões.
Três observadores brasileiros conversaram com jornalistas na noite de sexta-feira para relatar o progresso, se é que houve algum, nas conversas oficiais.
Eles foram unânimes ao relatar uma sensação de desconfiança mútua entre os dois lados que debatem como compensar os países mais pobres pelos efeitos que eles já sofrem pela mudança do clima – um problema que eles não causaram. Esta é apontada como a discussão mais importante da conferência deste ano.
A demanda, que pela primeira vez entrou na agenda de uma COP, já é conhecida: dinheiro, mais e mais rápido.
Os países ricos, especialmente os Estados Unidos, querem primeiro mapear o problema e estudar as várias formas pelas quais esse auxílio pode ser materializado.
Na prática, isso é uma indicação forte de que não devem sair medidas práticas de Sharm el-Sheikh, avalia Bruno Toledo, do Climainfo. O próprio presidente da COP27, o egípcio Sameh Shoukry, afirmou na abertura do evento que medidas e prazo deveriam ser acordados no mais tardar em 2024, ou seja, na COP30.
Toledo afirmou que os grandes países em desenvolvimento, como Brasil e China, também mostram uma certa cautela ao tratar do tema. Embora suas emissões sejam pequenas do ponto de vista histórico, hoje ambos estão entre os grandes responsáveis pelo lançamento de CO2 na atmosfera.
O fato de o assunto estar na mesa já é uma vitória para os países mais vulneráveis. Ao final do evento, a expectativa é que haja ao menos um consenso político sobre a necessidade de “recursos adicionais”. No tortuoso processo das negociações do clima, não é pouca coisa.
Mitigação
A importância de acelerar os cortes de gases do efeito estufa é outro tema essencial desta COP.
O Acordo de Paris define revisões das metas nacionais somente a cada cinco anos. A próxima está prevista para 2025, mas é consenso entre os cientistas que, para limitar o aquecimento global a 1,5°C, será necessário reduzir o CO2 pela metade até 2030.
Ou seja, o tempo está acabando.
Como pressionar os países a propor metas mais ambiciosas é outro problema espinhoso. A ideia é criar um “grupo de trabalho para mitigação” – o drama é chegar a um consenso sobre seu funcionamento.
Tradicionalmente, ao fim de cada dia é publicado um rascunho do texto final. Os trechos nos quais não há consenso aparecem entre colchetes. Antes das sessões de sexta-feira, eles eram mais de 300, ao longo de apenas nove páginas, segundo uma análise do site Carbon Brief.
Um dos mais relevantes também espelha a divisão entre pobres e ricos. Os países desenvolvidos querem uma grande aceleração das ambições até 2030.
Índia e China, que dependem de combustíveis fósseis para empurrar suas economias, afirmam que essa exigência de mais reduções significaria na prática frear o desenvolvimento econômico.
“Ainda existe uma distância muito grande entre essas visões”, diz Stella Herschmann, especialista de política climática do Observatório do Clima. Ela acredita que o tema terá de avançar nas conversas em um nível acima dos negociadores técnicos: as conversas entre os ministros, que chegam ao Egito a partir de segunda-feira.
Mercados de carbono
As definições do mercado global de carbono previsto no Artigo 6, que vão permitir que países troquem créditos entre si e com entes privados, encontram outro tipo de entrave: a parte técnica.
Na COP26, em Glasgow, chegou-se finalmente a um consenso sobre as regras gerais desse instrumento financeiro. Foram necessários cinco anos.
Em Sharm el-Sheikh, o objetivo é começar a estabelecer as normas no detalhe. Como vai funcionar a contabilidade mundial dessas contas nacionais? Como garantir que um crédito não seja contabilizado mais de uma vez? E como sistematizar os descontos da transação nas metas do país que está vendendo as reduções de CO2?
“São assuntos específicos, e muitos países não têm experiência com mercados de carbono”, diz Caroline Dihl Prolo, colunista do Reset e diretora executiva da Laclima, uma entidade internacional de advogados especializados em negociações do clima.
O trabalho não vai terminar na COP27, mas o progresso tem sido lento também porque existem vários aspectos diferentes associados a esse mercado de carbono.
“Basicamente estão criando um sistema do zero”, afirma Prolo. Além de lidar com as minúcias técnicas, existem interesses divergentes.
Cingapura, por exemplo, se posiciona para tentar abrigar um registro mundial das transações. Um sistema baseado em blockchain, desenvolvido pelo Banco Mundial, também é considerado.
Prolo acredita que, em algum momento, haverá uma decisão sobre o que é realmente fundamental fechar no Egito para que o trabalho avance em 2023, na preparação da COP28, que acontece nos Emirados Árabes Unidos.
* O jornalista viaja a convite da International Chamber of Commerce