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COP30: preço de hospedagem se torna crise diplomática

Delegações cobram respostas sobre valores exorbitantes da acomodação e ameaçam não ir a Belém; governo brasileiro promete lugar para todos

Presidência da COP30 apresenta planos logísticos da conferência no terceiro dia da Conferência de Bonn, a "pré-COP". Crédito: Isabela Castilho | COP30 Brasil Amazônia
Presidência da COP30 apresenta planos logísticos da conferência no terceiro dia da Conferência de Bonn, a "pré-COP". Crédito: Isabela Castilho | COP30 Brasil Amazônia

Bonn – Os preços exorbitantes da hospedagem em Belém durante a COP30 ganharam contornos de crise diplomática na reunião preparatória da conferência que acontece em Bonn, na Alemanha, e um problema adicional para a presidência brasileira da conferência – além das negociações em um momento chave da cooperação climática global.

A menos de cinco meses do encontro, delegações oficiais não têm hospedagem e, enquanto algumas dizem que podem ser obrigadas a enviar equipes reduzidas, outras chegam a ameaçar com sua ausência completa. Outra dúvida paira sobre a cúpula de chefes de Estado, que, embora já tenha sido antecipada em alguns dias para tentar driblar o problema logístico da capital paraense, até agora não teve os convites oficiais enviados.

Os brasileiros apresentaram na quinta-feira da semana passada os planos logísticos da cúpula, que começa em 10 de novembro. Mas os questionamentos mais incisivos foram feitos atrás de portas fechadas.

Numa reunião do G77, um bloco que negocia em conjunto e reúne mais de 134 países em desenvolvimento e emergentes, incluindo o Brasil, delegados afirmaram que os valores cobrados por quartos de hotel e locações temporárias podem inviabilizar a presença de seus países na COP30.

Um representante de Belize, na América Central, afirmou que os preços estão impossibilitando a presença dos negociadores do país em Belém. A delegação das Maldivas, uma ilha no Oceano Índico que em três décadas pode estar quase totalmente submersa por causa da mudança do clima, pediu urgência na clareza sobre os custos.

Muitos desses países enviam equipes reduzidas para as COPs e dependem de ajuda financeira da ONU para participar das conferências. Diárias que superam os US$ 1.000 estão muito além dos orçamentos. Os valores deveriam estar mais próximos de US$ 100, disse um negociador de Timor-Leste, uma pequena ilha no Pacífico.

Diplomatas de quatro países disseram ao Reset ainda não ter lugar para ficar durante a COP30. Alguns cogitam a possibilidade de levar delegações reduzidas por causa dos preços. De acordo com reportagem do Sumaúma, alguns países estariam prontos para apresentar um pedido formal de que a conferência seja realizada em outra cidade

Dúvidas práticas sobre a organização do evento não são um tema oficial da reunião anual de diplomatas que acontece na ex-capital da Alemanha Ocidental e onde fica a sede da Convenção do Clima, a UNFCCC. Mas o assunto se tornou obrigatório nas conversas entre diplomatas e observadores nesta pré-COP.

Os comentários refletem uma preocupação de ordem prática, mas a ameaça de alguns países em desenvolvimento de não enviar delegados também é interpretada como mais uma forma de pressão política.

Uma COP sem alguns dos países mais afetados pela mudança do clima seria um sinal perigoso para o futuro do regime de colaboração internacional.

Vende-se?

“O que está acontecendo?”, perguntou com curiosidade genuína um representante da Indonésia. “Brincamos entre nós que por esse preço poderíamos comprar um imóvel no nosso país.” Ele e os outros entrevistados pediram que seus nomes não fossem divulgados para evitar constrangimentos diplomáticos.

O delegado indonésio vai a COPs desde 2019 (ano em que a conferência aconteceu em Madri) e afirmou que as equipes normalmente têm entre 25 e 30 pessoas. Mas, este ano, o tamanho da delegação ainda é incerto por causa dos custos.

Uma diplomata queniana afirmou que o país normalmente finaliza os planos com um ou dois meses de antecedência. “O que você me recomenda?”, perguntou ela à reportagem. Ao saber que Belém fica longe das cidades brasileiras mais conhecidas, quis saber por que a capital paraense foi escolhida.

As queixas e pedidos de esclarecimento têm sido dirigidos à presidência da COP30. Desde o início do ano, o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da conferência, vem afirmando que o simbolismo da Amazônia tem precedência sobre eventuais dificuldades de organização.

Há relatos de uma frustração crescente com a necessidade de responder a esse tipo de pergunta, pois em março foi criada uma secretaria extraordinária sob o Ministério da Casa Civil só para coordenar a parte prática do evento. Mas a figura pública da COP30 é Corrêa do Lago.

Rigor da lei

No briefing da semana passada (19), foram repetidos os planos de que uma plataforma oficial de reservas de hospedagem estará em funcionamento até o fim do mês.

Também foram mencionados os navios transatlânticos que ficarão atracados no porto do Outeiro, a cerca de 40 minutos de carro do Parque da Cidade, onde será realizada a conferência.

Numa breve entrevista coletiva, o secretário responsável pela organização da COP30, Valter Correia, afirmou que o governo está levantando que países e empresas já fecharam a acomodação para ter “uma estatística mais qualificada”.

“Vamos conseguir permitir a todos os países participarem com suas delegações, sem ter que cortar por conta da inviabilidade ou da impossibilidade ocasionada pelos valores [da hospedagem]”, disse Correia.

Não haverá intervenção governamental para conter os preços, disse o secretário. Ele afirmou que eventuais medidas legais contra estabelecimentos podem vir a ser tomadas depois da COP, mas esse recurso é uma forma de trazê-los “de volta para a mesa de negociação”.

“Queremos que a rede hoteleira seja nossa parceira. Não queremos nenhum tipo de animosidade”, afirmou Correia. “Espero que possamos chegar num bom acordo para a COP, não para depois da COP. Mas, se preferirem continuar nessa postura, vamos ter que usar o rigor da lei.”

Reunião de cúpula

Outra dúvida que persiste diz respeito ao chamado Segmento de Alto Nível da COP30, dois dias em que chefes de Estado e governo vão à cidade-sede e fazem seus discursos. Tipicamente, isso ocorre logo no início da conferência.

Já foi anunciado que neste ano, excepcionalmente, essa cúpula seria realizada com alguns dias de antecedência, para contornar a complexidade logística de acomodar equipes adicionais e aparatos de segurança além de dezenas de milhares de delegados.

Mas, segundo o Reset apurou, os convites para presidentes e primeiros-ministros ainda não foram enviados. Nos bastidores, especula-se que essa parte da COP possa ser realizada em outra cidade brasileira.

Onde estacionar meu iate?

Não são apenas os negociadores – cuja presença é essencial para dar legitimidade à conferência – que vêm expressando preocupação com os preços da hospedagem.

Depois de três edições consecutivas em países não-democráticos, a expectativa é grande por uma COP em que protestos e manifestações públicas possam acontecer livremente. Representantes de organizações não-governamentais afirmam que este ano o risco é que a sociedade civil não se fará ouvir por falta de dinheiro para ir a Belém.

Em dado momento das explicações logísticas, foi mencionada também a possibilidade de que participantes da COP possam atracar barcos na cidade.

Segundo o Earth News Bulletin, uma newsletter especializada na cobertura de negociações climáticas, um observador comentou: “Agora só preciso levar meu iate para o Brasil”.

Se serve de algum conforto para os brasileiros, ainda não houve uma decisão sobre o país que vai receber a COP31, que acontece no fim de 2026. Austrália e Turquia se candidataram, mas há mais de um ano não é possível resolver o impasse. A expectativa é que uma decisão seja tomada até quinta-feira, quando termina a conferência de Bonn.