
Belém – A COP30 começa oficialmente hoje. As reclamações sobre os preços da acomodação logo serão esquecidas; as consequências da guinada que o Brasil pretende dar no regime de cooperação climática internacional devem ter reflexo por muitos e muitos anos.
É pouco provável que isso fique aparente nas decisões adotadas pelos quase 200 países que fazem parte da Convenção do Clima (UNFCCC) ao fim das duas semanas de negociações.
No décimo aniversário do Acordo de Paris, o que o mundo precisa fazer está claro. As principais resoluções foram negociadas, tomadas e detalhadas. Como repete há quase um ano o presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, precisamos entrar na era da implementação.
O que isso significa na prática é uma das principais respostas que a conferência no Brasil precisa entregar. Não se espera uma receita definitiva, mas Belém terá de mostrar pelo menos um esboço do que será essa nova fase das COPs.
Como se fosse necessário um lembrete da urgência da ação climática, um ciclone extratropical devastou cidades e deixou seis mortos no Paraná neste último fim de semana, e dias antes a passagem do furacão Melissa pela Jamaica causou perdas estimadas em US$ 8 bilhões, quase metade do PIB do país.
Arregaçando as mangas
O fundo de florestas tropicais TFFF, lançado durante a Cúpula dos Líderes, na semana passada, ilustra esse momento de transição das COPs.
O TFFF é uma iniciativa voluntária e uma possível solução inovadora – que ainda tem de provar sua viabilidade – para cumprir o que dizem a ciência e mais de uma decisão de conferências passadas: proteger as florestas é essencial para combater a crise do clima.
A iniciativa está inteiramente alinhada aos objetivos da Convenção do Clima, mas não foi negociada nem dependeu de aprovação em uma COP. Outras de mesma natureza estão sendo gestadas. Uma harmonização entre mercados regulados de carbono idealizada pelo Brasil e ainda em fase inicial de discussões é uma delas.
Corrêa do Lago avalia que “existe uma obsessão por novas decisões diplomáticas” que ignora o fato de que já existem muitos instrumentos e mecanismos já aprovados. “Precisamos resgatá-los.”
“Outro dia, um representante de um setor me perguntou: ‘Por que não colocamos [determinado tema] no texto final da COP?’ Respondi que deveriam procurar o que já foi aprovado nos últimos dez anos. Descobriram que já havia nove decisões sobre o tema”, afirmou Corrêa do Lago a jornalistas no domingo pela manhã (9).
A presidência brasileira da COP está colocando atenção especial em esforços práticos, que não precisam passar pelo lento processo da diplomacia internacional e que, inevitavelmente, resultam em decisões diluídas.
“Na implementação, não precisamos [de consenso]. Cada país escolhe o que fazer, de acordo com o que declarou em sua NDC”, diz Corrêa do Lago, em referência aos planos nacionais de descarbonização apresentados pelos países.
Voluntário x mandatório
Mas essa natureza voluntária é também uma das fragilidades da cooperação climática global. O Acordo de Paris, que completa dez anos, não prevê obrigações nem penalidades para quem deixa de cumprir o prometido.
A saída dos Estados Unidos e o desdém do presidente Donald Trump pela mudança do clima – “o maior golpe já aplicado na história”, como ele disse no púlpito da ONU – colocam Paris em xeque.
Por mais arrastado e tortuoso que pareça o processo, e apesar do segundo abandono dos Estados Unidos, o pacto segue vivo. Mantê-lo respirando é uma das metas da presidência brasileira da COP.
Isso vai depender em grande parte de impedir que a divisão entre ricos e pobres chegue ao seu “ponto de não-retorno”. O tipping point que ameaça danos irreversíveis a certos ecossistemas também é uma ameaça real nas negociações do clima.
Esse espectro vai voltar a se manifestar, provavelmente logo no primeiro momento da COP30: a adoção da agenda.
A reunião do ano passado, em Baku, terminou em recriminações mútuas. Os países em desenvolvimento querem mais recursos para lidar com uma crise que eles não causaram, mas que os atinge de forma desproporcional.
O “mapa do caminho” para atingir US$ 1,3 trilhão anual em financiamento climático daqui dez anos é outro esforço voluntário, à margem das negociações oficiais.
Como o acordo alcançado na COP29 foi considerado insuficiente em termos de recursos garantidos, alguns países pobres querem retomar o assunto financiamento na agenda: a implementação do Artigo 9.1 do Acordo de Paris. Trata-se do item que diz que o mundo desenvolvido “deve prover recursos financeiros para assistir as partes em desenvolvimento” na redução de emissões e na adaptação climática.
Os países ricos não concordam com a inclusão do 9.1. Na prática, isso significa o risco de uma “guerra de agenda”, que pode minar ainda mais a confiança entre as partes e atrasar o começo dos trabalhos, que dependem da batida do martelo sobre os temas a negociar.
Combustíveis fósseis
A necessidade de uma “transição que se afaste dos combustíveis fósseis” foi parte de uma decisão histórica adotada em 2023, na COP de Dubai. Mas muitos querem detalhar essa frase, traduzi-la para algo concreto, como um prazo.
Esse deve ser outro tema quente em Belém. No ano passado, o assunto não foi adiante. Sem consenso, Baku ignorou os combustíveis fósseis. Haverá outra tentativa na COP30.
A reunião preparatória do meio do ano, em Bonn (Alemanha), não conseguiu muitos progressos, mas também não ficou descartada a possibilidade de algum avanço. Uma medição da temperatura será possível nos primeiros dias de negociações.
Há mais otimismo em relação aos dois outros itens importantes da agenda oficial. Eles tratam da criação de indicadores universais para medir o grau de adaptação dos países à nova realidade do clima e da necessidade de uma transição justa para um mundo de baixo carbono.
Mas a aprovação desses dois itens não vai resultar em manchetes triunfantes nem permitirá dizer que a COP30 foi um sucesso.
Esse veredicto terá mais sutilezas. Evitar um acirramento ainda maior das tensões relacionadas a dinheiro será uma medida importante. O pacto global pelo clima é baseado na confiança de que todos os países estão fazendo sua parte, respeitadas as condições de cada um.
Com o segundo maior emissor do planeta – os Estados Unidos – remando na direção contrária, não será uma tarefa simples para a presidência da COP manter vivo o “espírito de colaboração”, como se diz no jargão diplomático.
O envolvimento no mutirão global convocado por Corrêa do Lago também será um indicador importante. O esforço coletivo não se encerra em Belém – mas ele tem de começar aqui.
Serão apresentadas muitas ideias, novas ou já existentes, para incentivar esse trabalho a muitas mãos. O plano de que as COPs podem ser essa força mobilizadora também foi lançado no Acordo de Paris, a chamada Agenda de Ação.
Em dez anos, ela nunca recebeu muita atenção. A intenção é que isso mude a partir de agora. O Brasil vai apresentar uma reformulação desse mecanismo e quer incluir nele um elemento crucial: o acompanhamento do progresso das centenas de iniciativas voluntárias anunciadas.
“Tenho uma grande prioridade para Belém: garantir que nossa incrível membresia, composta por quase 200 países e culturas, se torne mais do que grupos de negociação e partes — que ela evolua para se tornar uma equipe coesa”, escreve o embaixador em sua décima e última carta dirigida à comunidade internacional, publicada neste domingo (9).
“Uma equipe capaz de canalizar para o nosso trabalho a inteligência coletiva da humanidade e o melhor que cada um de nós pode oferecer individualmente, em prol do nosso propósito comum de proteger nossas sociedades, economias e ecossistemas”, diz o texto.
O teste dessa evolução e dessa coesão começa hoje, em Belém.