Como as Seychelles estão inovando para sobreviver à mudança do clima

Ministro do Meio Ambiente do arquipélago fala da conversão da dívida externa em proteção da natureza e dos créditos de carbono do oceano

O ministro do Meio Ambiente das ilhas Seychelles fala dos crédito de carbono do oceano
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Sharm el-Sheikh – O pequeno arquipélago das Seychelles, no oceano Índico, é um dos mais interessados no principal tema da COP27, o financiamento das perdas e danos que países vulneráveis já sofrem com a mudança do clima.

Flavien Joubert, o ministro do Meio Ambiente do país, tenta manter um certo otimismo a respeito das negociações. Ao Reset, disse enxergar o copo meio cheio. “Mas ele está enchendo muito devagar.”

Algumas das 115 ilhas que compõem o arquipélago já estão sendo tomadas pelo mar, diz Joubert. Isso representa perdas não só para o ecossistema, mas também para a economia do país, que depende do turismo e da pesca.

O ambiente e a economia são inseparáveis. “Prestar atenção nisso não é somente um custo, também obtemos ótimos retornos.”

Ao mesmo tempo em que demanda compensações dos países ricos nas mesas de negociações, Seychelles vem buscando saídas alternativas para lidar com a emergência do clima.

Em 2015, o país foi o primeiro a fazer uma troca de dívida externa em que o investimento em proteção da natureza entrou como contrapartida para condições mais favoráveis de pagamento. O esquema levantou US$ 15 milhões de investidores privados para conservar ecossistemas marinhos que vão contribuir para a prosperidade futura do país.

Soluções desse tipo serão cada vez mais importantes, afirma Joubert. Em conversas com seus pares em Sharm el-Sheikh, ele tem recomendado mais ambição aos interessados em algo parecido.

“O programa funciona e catalisa recursos de outras fontes, mas é insuficiente.”

Na conversa, Joubert falou sobre suas expectativas para a COP27 e sobre um inovador programa de créditos de carbono oceânicos que o país está começando a desenvolver.

O principal tema desta COP são as perdas e danos e esse cabo-de-guerra, por falta de uma expressão melhor, entre o mundo rico e os países vulneráveis. Quais são suas expectativas em relação ao que pode ser alcançado nesta conferência?

É encorajador ver que perdas e danos agora fazem parte da conversa. Está na agenda e já foi falado. Antes disso, o assunto era mantido longe da mesa. Mas sabemos pelos comentários e reações que perdas e danos não são um assunto muito popular.

[Tratar de] perdas e danos faz sentido pela forma com que o mundo evoluiu. Você teve injustiças e sistemas injustos no passado, e agora eles se repetem nas medidas que adotamos [no combate à mudança climática].

Temos de olhar para isso como um caso de falta de equidade, e como uma maneira de conseguir justiça para aqueles que foram muito maltratados pelo sistema até hoje.

Agora, quando eu espero que isso aconteça? Acho que vai demorar muito. Mas é muito claro que a emergência climática, a urgência climática, está lentamente erodindo os argumentos das pessoas [que negam sua existência].

Tenho certeza de que chegaremos a um ponto em que as pessoas terão que aceitá-la. Não serão os ativistas que vão convencê-la. Será o próprio clima a dizer: “Basta”.

Ele já está dizendo.

Sim. Não dá para ficar com a cabeça enterrada na areia para sempre. Não gostaria de ver mais desastres [causados pelo aquecimento global], mas tenho certeza que eles acontecerão. Não vai adiantar ser negacionista. Já não adianta hoje.

É um pouco tarde para o negacionismo.

É um pouco tarde (risos). Mas líderes de países em que a maioria da população não acreditava na mudança climática agora lidam com os impactos e falam do que eles têm passado, os efeitos sofridos por suas populações, suas propriedades, seus meios de subsistência. Às vezes você precisa ver para crer.

Voltando a perdas e danos, a questão é até onde iríamos? Seria uma forma simplificada, com um fundo? Seria por meio de relações bilaterais? Seria por meio de múltiplas iniciativas internacionais? Algo tem de acontecer, mas é importante finalmente ter essa discussão.

É justo dizer que o senhor enxerga um copo meio cheio?

[Pausa brevemente para pensar] Sim, mas ele está enchendo muito devagar (risos). Há indícios esperançosos, mas temos de insistir. E, além de palavras, precisamos de ação. 

É óbvio que os líderes têm que lidar com a política interna, com suas populações. Mas acho que temos que nos esforçar para envolver mais gente. Esta COP não deve nos desesperar. É um processo, como você sabe.

As Seychelles foram um dos primeiros países a conseguir renegociar sua dívida externa em troca da proteção da natureza. Esse esquema é considerado como uma das possíveis soluções de financiamento climático. Fale um pouco sobre ele. Foi bem sucedido? 

Dívidas não são uma coisa boa. Elas também são um reflexo da injustiça do mundo. Muitos países aceitam se endividar por causa da necessidade de cuidar de sua população.

Eles tiveram de tomar empréstimos de um sistema que é flagrantemente injusto. Países em desenvolvimento têm de pagar juros muito mais altos. Isso cria obrigações de longo prazo. Infelizmente é a realidade atual.

Nosso país também estava sobrecarregado com dívidas. Em 2015, trocamos cerca de US$ 22,6 milhões, se me lembro bem, por proteção da natureza.

Parte do esquema envolvia a criação de um fundo independente, que passou a ser dono da dívida. O governo repaga em moeda local, com descontos. Nosso desembolso é mais baixo, e esse fundo independente repassa o dinheiro aos credores e canaliza parte dos recursos para medidas locais de proteção da natureza. Está funcionando. E também está catalisando financiamentos de outras fontes.

Mesmo assim, não é suficiente para todas as áreas que precisamos proteger. Seychelles foi um dos primeiros exemplos. Deveríamos pensar em esquemas maiores. Quando nos perguntam, nosso conselho é fazer o maior a maior troca de dívida possível.

O país também está preparando um projeto para tirar proveito do carbono capturado pelos oceanos. O senhor poderia falar mais sobre essa iniciativa?

Como país, percebemos que é importante fazer um balanço do que temos em termos de capacidade de absorção [de CO2]

O projeto de carbono azul está em um estágio inicial. Estamos mapeando a extensão de algas e manguezais no país. O objetivo é proteger os estoques de carbono que temos em nossas águas territoriais.

Agora estamos analisando nossas opções, mas com muito cuidado. Buscamos bom aconselhamento e temos de estar cientes que existem muitas armadilhas por aí. Não vamos mergulhar de cabeça sem entender o potencial e o que significa a venda desse carbono azul.

Existe a expectativa que esse carbono azul tenha valor mais alto que aqueles baseados em florestas, como temos no Brasil. De onde o senhor espera que venha o dinheiro para essa conservação? Da venda de créditos de carbono, por exemplo?

Estamos nos informando. Queremos ter a certeza de que estamos alinhados com esquemas transparentes, que trazem benefícios reais, e não apenas de “contabilidade criativa”.

Greenwashing.

Exato, greenwashing. É por isso que estamos dando um passo atrás e olhando o que temos. Aqui [na COP27] conversei com alguns países interessados ​​neste assunto.

O importante para nós é que quaisquer benefícios que resultem dessas transações devem voltar ao país [na forma de recursos para adaptação e transição para o carbono zero].

Não queremos ser parte de um esquema que basicamente faça com que algumas pessoas fiquem ainda mais ricas, obtenham mais capital. A riqueza é inimiga do clima. A afluência traz consumo, traz destruição e traz mais emissões. 

As Seychelles são parte do bloco AOSIS (que reúne os pequenos países insulares). O país já sente os efeitos do aumento dos níveis dos oceanos? E quais outros impactos o senhor identifica?

Como muitos locais ao redor do mundo, também fazemos monitoramento das marés e já observamos uma mudança no nível médio do mar. Estamos começando a ver os impactos em algumas das ilhas mais distantes, no sul [do arquipélago].

São ilhas planas, com corais, arenosas e muitas delas estão encolhendo. O impacto das ondas está mais pronunciado e você vê a destruição de árvores no litoral. Basicamente, essas ilhas estão sendo lentamente tomadas pelo mar.

Elas são habitadas?

Algumas, outras são apenas ilhotas de areia. Mas elas têm significado ecológico. A população de tartarugas no Oceano Índico, por exemplo, depende desse tipo de ilhas para se reproduzir. Fizemos um trabalho muito bom de proteção das tartarugas e conseguimos recuperar a população. 

E esses benefícios ecológicos [se traduzem em] benefícios humanos diretos e importantes. Se a ecologia vai bem, nós também vamos bem. Somos muito dependentes da pesca e do turismo. Portanto, proteger esses ecossistemas é proteger nossos interesses econômicos.

Tudo isso está ligado. Prestar atenção nisso não é só um custo, também obtemos ótimos retornos.

* O jornalista viaja a convite da International Chamber of Commerce