Radix cria tokens florestais e aposta no ‘day trade de árvores’

Cotas de projetos de reflorestamento vendidas via crowdfunding são transformadas em criptoativos negociados em mercado secundário, para atrair o pequeno investidor

Radix cria tokens florestais e aposta no ‘day trade de árvores’
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Startups que atuam no negócio da restauração florestal buscam dezenas ou centenas de milhões de dólares de empresas e investidores de grande porte para recuperar vegetações nativas na Amazônia.

A Radix, uma empresa que faz plantio de espécies madeireiras,  procura os recursos na outra ponta do espectro: o cidadão comum. Para isso, a empresa começou dividindo cada hectare de suas áreas plantadas em Roraima em 200 cotas, vendidas em plataformas de crowdfunding.

No ano passado, cada uma dessas cotas foi transformada em cem criptoativos, dando a opção ao investidor de negociá-los num mercado secundário autorizado sob dispensas regulatórias especiais da Comissão Mobiliária de Valores (CVM).

A ideia é oferecer liquidez a uma aplicação de longo prazo – o retorno prometido pela Radix vem em cerca de 25 anos, quando as árvores são cortadas para a venda da madeira.

Na prática, o investidor não se torna dono da terra em si, mas dos direitos sobre a exploração de madeira e todas as outras receitas obtidas na área correspondente.

Para o cofundador e CEO da startup, Gilberto Derze, o uso da tecnologia digital democratiza o acesso a esse investimento na natureza e, ao mesmo tempo, cumpre uma função educativa.

“Quem investe estuda e começa a entender um pouco mais do assunto e como funcionam as coisas”, afirma ele. Em outras palavras, elas entendem como o negócio da restauração é complexo e exige paciência.

Crescimento orgânico

Empresas como Re.green, Mombak, Symbiosis e Biomas têm planos de recuperar áreas que são contadas às centenas de milhares de hectares (um hectare equivale a mais ou menos um campo de futebol).

A Radix, por enquanto, opera em outra escala. A companhia plantou cerca de 150 hectares desde sua fundação, em 2015.

A empresa foi criada com capital dos sócios, mas a principal fonte de financiamento foi sempre o crowdfunding. “O modelo é esse: plantar e captar, plantar e captar”, diz Derze. “Vamos crescendo de forma orgânica.”

O negócio nasceu voltado à exploração de madeira. Nas primeiras cinco áreas foi plantado o mogno africano, espécie de alto valor comercial. Como na silvicultura tradicional, o plano é fazer um corte raso quando as árvores atingirem a maturidade.

No ano passado, depois de receber um aporte filantrópico de R$ 1 milhão do Fundo Vale, a estratégia mudou. A partir do sexto módulo, já iniciado, a Radix vai incluir árvores nativas no sistema.

Angelim, ipê, maçaranduba e roxinho são algumas das 14 espécies que vão dividir espaço com o mogno africano. São árvores que ficarão em pé e darão retorno de duas outras maneiras, diz Derze.

A primeira é a venda de castanhas de cumaru e do óleo da andiroba, por exemplo. “A partir do décimo ano teremos uma nova linha de receita”, afirma o empreendedor.

A outra é a criação de um estoque de carbono que pode vir a ser monetizado. A Radix está fazendo estudos sobre o potencial de geração de créditos em suas áreas.

Derze estima que a venda desse ativo no mercado voluntário pode vir a representar entre 30% e 40% do negócio, mas isso depende de uma escala de pelo menos 2 mil hectares por causa do custo de implementação desses projetos.

Blockchain de árvores

Enquanto o dinheiro do carbono não vem, a Radix conta com a tokenização como uma maneira de atrair novos investidores e atingir a meta de 3 milhões de árvores plantadas até o fim da década.

A empresa levantou R$ 6,4 milhões até aqui em plataformas de crowdfunding, de cerca de mil investidores. A oferta atual, a décima, se encerra esta semana.

O tíquete mínimo é de R$ 1.000, e o objetivo é captar R$ 800 mil. A captação só é concretizada caso a companhia chegue a dois terços desse total. Até esta terça-feira, havia R$ 431 mil confirmados, mas Derze afirma estar confiante no atingimento da meta. 

Trata-se de um investimento em equity, mas com características de renda fixa, porque há distribuição de rendimentos ao longo do período. O retorno projetado é de 15,67% ao ano, em 25 anos.

As remunerações intermediárias virão da venda de castanhas, de créditos de reposição florestal – exigida em Roraima para todo tipo de supressão vegetal, mesmo as autorizadas por lei – e eventualmente do carbono.

Mas o principal retorno está associado à exploração da madeira, algo que só vai acontecer no longo prazo. Aí entra o blockchain.

Cercadinho regulatório

Em parceria com a Estar, empresa que pertence à SMU (a plataforma de financiamento coletivo onde roda a oferta), a Radix transformou as cotas vendidas nas operações passadas em tokens. O mesmo vai acontecer com as ações do módulo atual, quando a captação for encerrada.

Isso significa na prática que os investidores têm um mercado secundário para suas participações. Antes disso, transferi-las ou vendê-las não era impossível – mas era complicado operacionalmente, segundo Derze.

Os tokens são transacionados em um mercado criado pela Estar. A empresa foi uma das quatro startups autorizadas a operar em um sandbox – um cercadinho, por assim dizer – regulatório criado pela CVM.

“A ideia é baixar o sarrafo da regulação para criar esse mercado de balcão”, diz Pedro Rodrigues, CEO da Estar.

As dispensas de certas exigências foram concedidas pelo regulador no final de 2022, e a Estar lançou a plataforma de negociação em março passado.

Originalmente, o sandbox teria duração de um ano, prorrogável por mais um, mas o prazo foi estendido até 2026. A intenção é que esse tipo de mercado receba uma regulamentação própria no futuro próximo.

A Estar usa a tecnologia de blockchain, a mesma usada pelas criptomoedas. Mas, diferentemente de bitcoins, por enquanto esses ativos tokenizados só podem ser comprados ou vendidos dentro de uma única plataforma.

Além dos tokens da Radix, outros nove criptoativos são negociados no sistema da Estar. A companhia movimentou cerca de R$ 1 milhão em pouco mais de um ano.

“Foram mais ou menos 3.000 transações, e os tokens da Radix respondem por cerca de 500 delas”, afirma Rodrigues. A Estar tem 9 mil clientes cadastrados.O volume é pequeno, mas representa um passo importante, diz Derze. “Agora temos uma resposta para o investidor que diz: ‘Quero investir em árvores, mas não posso esperar 20 anos’. Ele pode até fazer um day trade de árvore”.