Seca coloca em alerta geração de eletricidade na Amazônia

Dificuldades logísticas aumentam preço do diesel para termelétricas – a única fonte de eletricidade para dezenas de localidades desconectadas da rede nacional

Imagem aérea do Rio Solimões com nível baixo de água
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Brasília – A seca histórica que impacta a região amazônica e reduz o nível dos rios da região já mexe com o preço do óleo diesel que abastece as usinas de energia elétrica. No Estado do Amazonas, onde 121 térmicas que geram eletricidade dependem da queima de óleo diesel e gás, é grande a pressão por aumento no preço deste insumo, devido às dificuldades de distribuição causadas pela estiagem.

Das 144 usinas que hoje estão em operação no Amazonas, 121 dependem do fornecimento desses combustíveis – principalmente do diesel – para operar.

Da potência total de 2.094 megawatts de energia gerada no Estado, 1.800 megawatts são obtidos via a queima de óleo, que é uma das fontes mais poluidoras de toda a matriz elétrica, só atrás do carvão mineral.

O cenário tem causado questionamentos entre donos de usinas do Estado e o principal fornecedor de diesel na região, a Atem Distribuidora de Petróleo. O Grupo Atem é dono de 47 balsas-tanque e 20 empurradores, com capacidade de armazenamento de 145 milhões de litros de combustível.

Responsável por abastecer usinas térmicas em 95% das comunidades do Amazonas, a Atem enviou cartas aos geradores da região, informando que terá de aumentar o preço de seu óleo, devido às dificuldades de transporte e acesso às plantas.

Quem paga a conta?

Nos cálculos apresentados a empresas como Amazonas Distribuidora, Powertech, Aggreko Energia, VP Flexgen e Oliveira Energia, donas da maior parte das usinas no Estado, a Atem apresenta cálculo que eleva o valor do diesel entre R$ 0,9 e R$ 0,15 por litro de combustível, dependendo da localização de cada planta. Só a Oliveira Energia, por exemplo, tem 42 usinas abastecidas pela Atem.

Em toda a região Norte, são gastos cerca de R$ 12 bilhões por ano para suprir o fornecimento de energia nos sistemas de geração isolados, regiões que não estão conectadas à rede interligada nacional e precisam da eletricidade das térmicas.

Esse montante é pago pela Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), encargo incluído na conta de luz de todos os consumidores do país. Ocorre que os valores relacionados ao transporte de combustível já estão quantificados. 

A Powertech reagiu à cobrança extra e, por meio de seu escritório de advocacia, e acionou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), acusando a fornecedora Atem de querer impor um custo extra às suas operações que não consta em contrato.

“Esta tentativa unilateral de aumentar o preço do combustível representa grave subversão às disposições do contrato particular de fornecimento de combustível, celebrado entre as partes, representando, ainda, risco de atendimento ao próprio sistema isolado [de distribuição de energia], que possui peculiaridades sensíveis e específicas que lhes são inerentes”, afirmou a Powertech. 

Seca histórica

A Atem afirma que o aumento é resultado da seca que atinge a região. Em muitas localidades, o transporte fluvial é a única alternativa existente, inclusive para o diesel.

Devido às áreas mais rasas que se espalham nos rios, como se vê no Rio Madeira, que enfrenta sua pior seca desde que passou a ser monitorado pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB), em 1967, a empresa alega que precisa recorrer ao aluguel de balsas adicionais, de menor porte, capazes de navegar durante a seca severa.

“Será necessário o posicionamento de balsas adicionais durante este período para realizar entregas com segurança”, afirma a companhia, em carta enviada para a empresa Powertech.

“A Atem se vê obrigada a repassar os custos decorrentes da implementação do plano de emergência a seus clientes, incluindo a contratante, pois o incremento de custos aqui descrito é causado pela verificação de riscos que não devem ser alocados para a Atem e faz com que o contrato de fornecimento se torne demasiadamente oneroso para esta.”

Já em comunicado à Aggreko, que tem plantas na região do Rio Negro, a Atem afirmou que cada “balsa-pulmão” que terá de contratar para chegar à região tem um custo previsto de R$ 50 mil por mês e que o posicionamento de balsas adicionais para entregar o óleo na região vai resultar em um acréscimo de R$ 0,15/litro no frete. O aumento, segundo a empresa, deve vigorar durante todo o período de estiagem, que acaba em novembro.

No fim de agosto, a Aneel analisou pedidos das usinas, que questionaram o aumento do preço de forma unilateral pela empresa e solicitaram reequilíbrio financeiro de seus contratos de compra e venda. A demanda ainda está sob análise pela agência reguladora.

Alerta

O reflexo financeiro da estiagem nos custos das usinas é apenas uma parte dos problemas causados pela seca. A Aneel passou a monitorar e a cobrar detalhes do nível de armazenamento de combustível de cada usina da região, para evitar riscos de apagão por falta de diesel.   

“Em função da configuração de estiagem com forte intensidade observada na região Norte do país, cumpre alertar aos agentes responsáveis por centrais geradoras em operação nos Sistemas Isolados da região Norte quanto à necessidade de manutenção dos estoques de combustível e autonomia suficiente para atendimento às localidades envolvidas, antecipando seus pedidos de compra de combustível para aproveitar toda a capacidade de estocagem disponível nas usinas”, afirmou a agência, em comunicado enviado às 21 empresas que fornecem energia em áreas isoladas da Amazônia.

Ainda que a eventual dificuldade de navegabilidade em alguns rios possa resultar em aumento de custos de combustível, afirma a agência, isso não deve resultar em riscos para o atendimento da demanda de energia elétrica.

“A manutenção dos estoques de combustível e autonomia suficiente deve ser garantida, independente de eventual tratativa acerca de pleitos de acréscimo no preço do combustível que vêm sendo requeridos pelas empresas supridoras desse insumo”, afirma a Aneel.

Hidrelétricas desligadas

A seca extrema expõe não apenas a fragilidade do abastecimento de energia da região amazônica, como também a capacidade das principais hidrelétricas do país em prover geração em tempos de níveis mínimos recordes em seus reservatórios.

Exportadoras de energia para as demais regiões do país, as grandes hidrelétricas da Amazônia também estão com a maior parte de suas turbinas desligadas, devido à falta de água. Os dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostram que, nesta primeira quinzena de setembro, a maior hidrelétrica do Brasil, Belo Monte, com seu potencial de 11.233 megawatts de energia, está produzindo apenas 330 megawatts por dia com suas barragens no Rio Xingu, menos de 3% de sua capacidade plena.

No Rio Madeira, a hidrelétrica está gerando 140 MW, quando seu potencial é de 3.750 MW. No mesmo rio, a usina de Santo Antônio tem produzido cerca de 250 MW diários, tendo capacidade plena de 3.568 MW, ou seja, menos de 10% do total.  

Na última semana de agosto, o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil) declarou situação de emergência nos 62 municípios amazonenses, por conta dos efeitos da estiagem. Até 29 de agosto, mais de 77 mil famílias já haviam sido afetadas pela estiagem no Estado. Cerca de 1,1 mil toneladas de alimentos para assistência humanitária foram distribuídas para municípios do interior.

De junho até o dia 10 de setembro, mais de 13 mil focos de incêndio foram combatidos pelo Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas, sendo 1.323 incêndios na capital e 11,6 mil no interior do Estado.