Além do drama humano e da perda de biodiversidade, a seca histórica dos rios da Amazônia representa um baque para a economia da região. Das comunidades ribeirinhas às indústrias da Zona Franca de Manaus, os prejuízos estão se acumulando, com impactos sobre a renda e o emprego na região.
O caso da rede Bemol, a maior varejista da região amazônica, ilustra bem os efeitos da crise.
Nos últimos anos, a rede vem empreendendo uma estratégia de interiorização da sua atividade, por meio do fortalecimento do seu ecommerce. Como na floresta a logística de abastecimento de estoques e de distribuição de produtos depende majoritariamente do transporte hidroviário, a seca causou um apagão.
De um lado, a perda de calado do rio Amazonas está impedindo a reposição de mercadorias, que usualmente chegam em grandes navios de cabotagem a Manaus, vindos dos portos do Sul e Sudeste, onde ficam os fornecedores de mercadorias.
“Faz duas semanas que nenhum navio grande consegue chegar a Manaus. Temos 98 containers de mercadoria que ficaram no porto de Belém”, diz Denis Minev, CEO da Bemol.
Além de muitos produtos não chegarem, o preço dos fretes mais que dobrou. “Do arroz aos móveis, tudo está mais caro em Manaus agora.”
Se o frete de um container grande (40 pés) de Santos a Manaus costuma custar em torno de R$ 15 mil reais, agora já ultrapassa os R$ 30 mil. E o trajeto, que era feito em 15 dias, está demorando mais de 40 dias.
Para conseguir navegar em rios menos profundos, os navios precisam viajar com menos carga, o que explica o encarecimento. Além disso, como os navios grandes não estão conseguindo passar, eles deixam a carga em Belém ou Santarém e o trecho final é feito de balsas, que comportam muito menos carga e são mais lentas.
Como a seca pegou a Bemol na época de composição do estoque para a Black Friday, que acontece daqui a um mês, a empresa está transportando mercadorias também por rodovia. “A BR-319 é trafegável, mas leva 48 horas para cruzar 800 quilômetros e o custo é muito alto.”
Minev diz que a ruptura não é maior até agora porque a rede opera com estoques elevados por conta das dificuldades logísticas usuais. Mas ele prevê uma escassez grande de produtos nos próximos 15 a 20 dias – além da inflação de preços. “Acreditamos que não ficaremos completamente desabastecidos, mas se costumamos trabalhar com 20 modelos de liquidificadores, provavelmente só vamos operar com cinco a dez.”
Tudo isso, diz, já havia machucado o resultado de setembro e também vai afetar outubro.
Balsas encalhadas
De outro lado, as entregas de produtos aos clientes também estão comprometidas. “Na região do Alto Solimões, as viagens estão durando três a quatro vezes mais que o normal. Muitos produtos nossos estão em balsas e barcos encalhados, o que fez nossos prazos de entrega se dilatarem ao extremo.”
Em localidades que ficaram totalmente isoladas pela queda do nível de rios como Solimões e Madeira, é impossível chegar agora. “Nos rios arenosos o problema é menor, porque é possível carregar uma geladeira nas costas por alguns metros. Mas nas cidades que ficam às margens do Solimões e do Madeira e seus afluentes, quando o nível baixa, o que fica é lama; e aí não tem jeito”, diz Minev.
A saída tem sido entrar em contato com os clientes para avisar que as entregas vão atrasar. O prazo de entrega nas localidades do interior da Amazônia saltou de uma para quatro semanas, mas as vendas se mantiveram, segundo ele. “O caboclo do interior da Amazônia tem paciência e está acostumado a esperar.”