Com R$ 100 milhões do BNDES, Belterra vai expandir agroflorestas

A Belterra Agroflorestas obteve um financiamento de R$ 100 milhões do BNDES por meio do Fundo Clima. Os recursos serão usados em um projeto para restaurar 2.750 hectares de pastagens degradadas de pequenos e médios produtores por meio da implementação de lavouras integradas à floresta, os chamados sistemas agroflorestais, ou SAFs. 

O projeto abrange áreas nos Estados de Mato Grosso, Bahia, Pará e Rondônia e também conta com R$ 20 milhões do Amazon Biodiversity Fund (ABF), administrado pela Impact Earth, e garantias do Fundo Vale, em um modelo de blended finance, em que o capital filantrópico alavanca recursos privados. 

Os recursos vão permitir que a Belterra aumente em 30% a sua área de agroflorestas, hoje em 5 mil hectares – um hectare tem, mais ou menos, o tamanho de um campo de futebol. Dos 2.750 hectares do projeto, 1.500 são de novas áreas plantadas e 1.250 são de áreas já convertidas em agroflorestas. Nestas, o financiamento entrará para consolidação e manutenção.

A principal cultura nos SAFs da Belterra é o cacau, mas outras espécies são plantadas para comercialização: cupuaçu, açaí, pupunha, andiroba, cumaru, mandioca e banana. 

“Este é o primeiro contrato, com recursos do Fundo Clima, que tem toda sua estrutura econômica baseada na produção agroflorestal, de produtos da sócio-bioeconomia, nessa parceria direta com os produtores”, diz Nabil Kadri, superintendente de meio ambiente do BNDES. O financiamento tem o custo de 1% ao ano. 

Construir florestas é um novo tipo de negócio em que a restauração faz parte de uma atividade com fins lucrativos. Além de Belterra, Biomas, Symbiosis, Sanctu, Mombak e Re.Green são algumas das startups que fazem isso – as duas últimas também já receberam empréstimos do BNDES via Fundo Clima. 

Mas há uma diferença entre os modelos de negócios: enquanto na maioria a receita vem do carbono, na Belterra o modelo está voltado para os produtos agroflorestais. Os créditos são uma receita acessória.

“O modelo traz uma combinação de recebíveis que torna a operação atrativa para financiamento. Já há contratos de médio e longo prazo para compra desses produtos, o que dá robustez à operação”, diz Kadri. 

Garantias

O reflorestamento é altamente intensivo em capital. Mas, por ser uma atividade econômica nova, com empresas igualmente iniciantes, o financiamento é um desafio. No caso da Belterra, que não compra as terras em que produz, não há ativos que sirvam de garantias nos empréstimos.

O que viabilizou o financiamento do BNDES foi uma estruturação financeira do Fundo Vale – o braço de investimento social da mineradora doou recursos para a criação da Belterra em 2020, para colaborar no cumprimento da meta da Vale de restaurar 100 mil hectares de mata brasileira até 2030.

“Estruturar garantias é um desafio. A estrutura que estamos montando é com contratos de offtake [venda antecipada]”, diz Valmir Ortega, fundador e CEO da Belterra. Esses contratos serão oferecidos como contra-garantias para uma carta-fiança, que está sendo negociada com três bancos, conta o executivo. 

“Mas esse processo é demorado, então para liberar a primeira parcela do BNDES, de R$ 20 milhões, o Fundo Vale vai oferecer um cash collateral para o banco dar essa primeira carta-fiança, que será substituída pela garantia dos contratos de offtakes”, diz Ortega. 

Cash collateral é uma garantia financeira em dinheiro depositada em uma conta bloqueada para cobrir o risco de inadimplência de uma outra parte.

A Belterra tem encontrado caminhos de financiamento de projetos (project finance) para levantar recursos e garantias. A startup criou estruturas de sociedade de propósito específico (SPE) para segregar projetos e reunir diferentes investidores. 

O superintendente do BNDES explica que o banco tem buscado alternativas para que os projetos encontrem garantias adequadas. “Trabalhar com a SPE, e não com uma garantia corporativa, já é um trabalho do banco de reconhecer que é um setor nascente e que precisa de uma estrutura de garantia que não é aquela tradicional, que oferece ativos da empresa ou dos sócios.” 

Solução de mercado

A operação com o BNDES valida a tese de investimentos do ABF: é possível ter instrumentos de mercado para um novo modelo produtivo sustentável, diz Andrea Resende, gerente de investimentos da Impact Earth. 

“Costumamos ser um dos primeiros investidores comerciais dos negócios que a gente entra, aí eles vão ganhando escala e, nos passos seguintes, acessam o capital comercial”, conta.

O fundo estruturou o investimento na Belterra por meio de uma debênture com retorno baseado em receitas. Parte do retorno é de juros fixos reduzidos e a outra parte é variável, de acordo com o faturamento da empresa. 

“É um instrumento que te permite estar junto no risco, ganhar no sucesso do negócio, mas ao mesmo tempo não diluir a estrutura de capital desse empreendedor no começo, no momento que é project finance, que você precisa de bastante investimento em CapEx”, diz Resende.

Modelo

Valmir Ortega decidiu criar a Belterra justamente porque percebeu que o dinheiro filantrópico não daria conta de recuperar os milhões de hectares de terras degradadas existentes no país. “O desafio é fazer em escala e só vai ser possível por meio de negócios.”

Geógrafo e professor, Ortega trabalhou 15 anos em governos – foi secretário do meio ambiente do Pará e diretor do Ibama – e outros tantos em ONGs como a Conservação Internacional e a Conexsus, que cofundou.

A Belterra tem um modelo verticalizado, que vai da identificação das áreas, desenho dos projetos, orientação técnica e plantio à captação de recursos e venda de produtos. 

São três as possibilidades de parceria. A Belterra pode arrendar uma terra ociosa para fazer o projeto e devolver a área depois de dez anos para o proprietário seguir produzindo; fechar uma parceria rural em que opera o projeto junto com o proprietário, dividindo custos e receitas; ou fazer contratos de integração com indústrias.

Esse último pressupõe que a indústria garanta a compra, dê acesso a crédito ao produtor e, assim, o integre à cadeia de fornecimento, em modelo semelhante ao que existe no setor de aves e suínos.

O desenho dos projetos busca combinar culturas produtivas de ciclos curtos (como banana e mandioca) e longos (cacau, cuja produtividade ótima acontece no quinto ano) no mesmo espaço. Assim, o sistema de produção de alimentos regenera a terra e remunera o produtor desde o primeiro ano.