A ideia brasileira de criar um fundo bilionário com recursos de fundos soberanos de países ricos para financiar a conservação de florestas tropicais ao redor do mundo está ganhando forma, segundo o governo.
A iniciativa foi apresentada na COP28, em dezembro passado, sem detalhes e com a notada ausência de outros países que potencialmente se beneficiariam do mecanismo.
Mas o trabalho vem evoluindo. Kenneth Lay, tesoureiro do Banco Mundial entre 2006 e 2010 e agora diretor-sênior da gestora RockCreek, foi contratado para prestar consultoria na formatação do fundo.
Os contornos gerais são os mesmos divulgados em Dubai. A proposta é criar um veículo internacional para remunerar países pela preservação de suas florestas tropicais. O plano é fazer isso de maneira simplificada, comparando fotos de satélite e realizando pagamentos por hectare de área verde mantida em pé ou restaurada.
Caso haja desmatamento, o país estaria sujeito a punições financeiras. O objetivo é direcionar recursos e criar incentivos econômicos para a necessária proteção das florestas.
“O Brasil, na presidência do G20 e da COP30, se coloca disposto a fazer isso acontecer, mobilizando agentes estratégicos e países para isso”, diz João Paulo de Resende, assessor especial do Ministério da Fazenda.
Ele participou de um painel nesta terça-feira, 27, no Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas, com a presença do americano Lay e do belga Benoît Bosquet, diretor regional de desenvolvimento sustentável para a América Latina e Caribe do Banco Mundial e outro colaborador do projeto.
Em Dubai, aventou-se um potencial de captação de US$ 250 bilhões, o que não seria um número tão grande perto dos US$ 12 trilhões administrados pelos fundos soberanos.
Uma nova estimativa apresentada no evento desta ontem, mais conservadora, começa em US$ 100 bilhões.
Mas as duas principais perguntas acerca da ideia seguem sem resposta. Cerca de 80 países donos de florestas estariam aptos a receber os recursos – com destaque para Indonésia e Congo, que formam com o Brasil o trio dos guardiões das maiores florestas tropicais do mundo.
Por enquanto, porém, houve apenas consultas informais a esses possíveis parceiros. Os convites devem ser oficializados nos próximos meses. Não se sabe qual será a adesão, embora o governo esteja confiante em um “sim” de indonésios e congoleses.
“O fundo está 30% desenhado, agora faltam os outros 70%”, diz Resende (na foto). Essa parte seria feita junto com os demais países.
Por enquanto, o trabalho vem sendo conduzido por Resende, do lado da Fazenda, e Garo Batmanian, diretor do Serviço Florestal Brasileiro e representante do Ministério do Meio Ambiente no projeto. O Ministério de Relações Exteriores também contribui com as definições iniciais.
Sobre o eventual interesse dos donos do dinheiro tampouco há informações oficiais. Resende espera que isso venha numa fase posterior.
O objetivo é fazer o anúncio oficial na COP de Belém, no final de 2025. Até lá, afirma ele, os avanços devem ser comunicados em eventos do calendário diplomático e financeiro internacional, como encontros do G20 e reuniões do FMI e dos bancos multilaterais (a próxima acontece em abril, em Washington).
Resende afirmou que um primeiro desenho mais detalhado do instrumento será mostrado na COP29, que ocorre em Baku, capital do Azerbaijão, em novembro.
A ambição
Sobre a ambição de captar centenas de bilhões de dólares, o consultor Lay afirmou que é preciso fazer as comparações certas. “Isso parece muito, mas se olharmos outros fundos soberanos e até mesmo os grandes fundos de pensões, esse seria um tamanho médio”, afirma o economista.
O investimento deve ser de longo prazo, com a dissolução do fundo entre 20 e 30 anos, sempre mediante consenso dos países participantes. Segundo Lay, a duração finita é importante para que o aporte seja visto como um depósito pelos investidores, não uma doação ou uma assistência ao desenvolvimento no exterior.
O diferencial desse fundo, que pretende ser complementar a outras ferramentas, é oferecer taxa de retorno baixas. “E não por serem [recursos] concessional ou subsidiada, mas porque o risco é baixo, com a gestão de uma instituição com rating AAA”, diz Resende.
O tamanho da captação é um fator importante, na opinião de Lay. Só assim haverá retornos que sirvam como incentivos significativos para a conservação das florestas.
E os custos precisam ser muito baixos, para ampliar a recompensa aos países tropicais ao máximo.
“Poderia haver investimento direto por investidores institucionais de varejo. Mas, mais uma vez, a questão é: conseguimos atrair esses investimentos com custos baixos o suficiente para garantir que as finanças funcionem?”, perguntou Lay.
Mesmo com compromissos climáticos e a intenção de financiar a natureza, porém, os gestores precisam de opções atraentes e eficientes para tirar o dinheiro de um lugar e colocar em outro, disse José Pugas, sócio e head de investimentos responsáveis e engajamento da JGP Asset Management.
“Não é porque somos malvados. O mercado financeiro privado acaba lidando com a renda acumulada de indivíduos, de empresas. Temos de criar mecanismos para que investir no bem seja mais atraente do ponto de vista racional e ‘curto-prazista’, o que é uma contradição por si só. Mas é o perfil de investidor que nós temos para grandes escalas como essa”, afirmou o gestor, que também participou do painel.
A ideia é que a administração do fundo fique a cargo de uma empresa de mercado. Não se sabe em que país o fundo seria constituído.
O portfólio do Tropical Forest Forever Facility (TFFF), como foi batizado, seria diversificado, com investimentos em ações e em títulos. O excesso dos retornos, aqueles que superem o retorno prometido aos investidores, seria repassado aos países com florestas.
As transferências seriam rápidas e sem a burocracia enfrentada por muitos países vulneráveis na hora de acessar recursos internacionais. Cada país teria a liberdade de aplicar o dinheiro como bem entendesse, com exceção de algumas restrições a definir. “Como comprar armas”, sugere Resende, dando um exemplo hipotético.
Esforço político
Em paralelo às definições práticas, o governo brasileiro tem de vender a ideia aos possíveis parceiros e também aos investidores. Bosquet, do Banco Mundial, vê motivos para otimismo.
“Há um alinhamento político que nós não havíamos visto antes. O Brasil não tinha aparecido com uma solução maior para as finanças climáticas e da floresta como está fazendo agora.”
Resende diz que a iniciativa nasceu de uma sugestão da ministra Marina Silva (MMA) para Fernando Haddad (Fazenda), mas o conceito básico não é original: “Ideias boas aparecem em várias frentes, em vários momentos. O próprio Kenneth Lay já tinha pensado em algo nessa linha no Banco Mundial.”
“Agora o Brasil, na presidência do G20 e da COP30, se coloca disposto a fazer isso acontecer, mobilizando agentes estratégicos e países para isso.”
Os próximos passos incluem a formação de um grupo com aproximadamente 20 dos países interessados no tema – tanto no lado de investimento, quanto no recebimento dos recursos – para debater percepções e exigências.
“Ainda não temos um plano de trabalho formalizado. Vamos fazer isso nas próximas semanas, e a ideia é ter essas conversas ao longo deste ano, para ter algo fechado na COP29, estruturar o fundo e começar a fazer a captação”, diz Resende.
Co-fundadora e presidente no Instituto Igarapé, Ilona Szabó diz que “não tem [a meta de limitar o aquecimento global a] 1,5º C sem as florestas tropicais”. “Precisamos de um ‘breakthrough’ no pagamento de serviços ecossistêmicos, reconhecer esse valor de algo em que é muito difícil colocar um preço.”