
Uma coalizão que pretende mobilizar US$ 10 bilhões para restaurar as florestas e acelerar a bioeconomia do Brasil lançou um mapeamento inédito do ecossistema econômico de populações indígenas e tradicionais envolvidas com negócios baseados na biodiversidade brasileira.
O objetivo é que o documento sirva como guia para apoiar agentes da bioeconomia que costumeiramente estão fora do radar dos investidores tradicionais. São populações e cadeias produtivas que também desempenham papel importante na conservação da natureza e candidatas a receber financiamento climático.
Foram incluídos no estudo 37 empreendimentos com ou sem fins lucrativos, fundos comunitários e entidades facilitadoras que atuam em quatro biomas: Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga.
O relatório foi encomendado pela Coalizão Brasil para o Financiamento da Restauração e da Bioeconomia (BRB), anunciada em novembro passado, durante a visita do então presidente americano, Joe Biden, à Amazônia.
Os autores encontraram um “forte potencial de replicação e multiplicação” das atividades identificadas, incluindo experiências e mecanismos desenvolvidos localmente com histórico de sucesso.
Alguns dos problemas encontrados são conhecidos de longa data, como infraestrutura deficiente e falta de capacitação das pessoas. Mas o estudo destaca outros pontos de atenção. Os eventos climáticos extremos, por exemplo, são um fator essencial a ser levado em conta, seja em salvaguardas contratuais ou mecanismos de apoio emergencial.
“Estamos falando de comunidades de ribeirinhos que ficam, por exemplo, sem água. O ribeirinho vive ali daquele peixe, que é a base de toda a cadeia produtiva dele. Sem água não tem peixe”, diz Karen Oliveira, diretora de políticas públicas e relações governamentais da The Nature Conservancy (TNC), uma das entidades que apoiaram o estudo.
Financiando a bioeconomia
O levantamento destaca a importância de fundos comunitários, que têm atuação sobre enormes extensões territoriais, mas contam com recursos limitados.
O Podáali, um dos sete destacados, tem um alcance de 115 milhões de hectares, ou 23% da Amazônia brasileira, o que inclui 400 mil indígenas e 180 povos.
O fundo administra cerca de R$ 500 mil e apoia de 15 a 50 projetos por ano, que vão de atividades de extrativismo e implantação de sistemas agroflorestais a auxílio na demarcação de territórios indígenas.
Para crescer de forma sustentável, o fundo precisaria receber R$ 2 milhões, segundo o levantamento.
“O Podáali é um exemplo interessante. Claro que ele ainda tem esse desafio de captar recursos. Mas ele já busca gerar lucro, ter uma reserva que permite o reinvestimento”, afirma Oliveira.
Esses fundos são “atores relevantes no ecossistema das finanças climáticas, dada as suas capilaridade e escalabilidade”, afirmam os autores do estudo. Os recursos que os sustentam ainda são doações.
Uma das maneiras sugeridas para aumentar o impacto desse tipo de fundo seria conectando essas iniciativas a investidores institucionais, por meio dos integrantes da Coalizão BRB.
Eles incluem ONGs nacionais e internacionais, BNDES, Banco Mundial, Banco do Brasil, a gestora Régia Capital e startups de restauração florestal como Re.green e Mombak e os institutos Arapyaú e Itaúsa, entre outros.
Reforçar a governança e mensurar o impacto climático e social desses veículos também são ações que poderiam impulsionar uma solução local que já existe e que tem “legitimidade e agilidade e é percebida como o instrumento mais adequado pelas próprias comunidades” servidas.
Na ponta
Cadeias produtivas baseadas na bioeconomia são essencialmente informais: geram renda e trabalho, mas não salários e empregos. E os dados existentes “não retratam o tamanho da bioeconomia florestal”, diz o estudo.
Esses empreendimentos, muitos dos quais operam há anos, poderiam ser impulsionados com ajuda para formalizar propostas ou “modelos setoriais” que explicassem como financiar atividades como o turismo comunitário ou a produção de artesanato.
Igualmente, apontam os autores, é necessário atuar na frente das políticas públicas. Programas de compra e crédito governamentais, como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), poderiam ter linhas específicas para povos indígenas e comunidades tradicionais.
A união entre capital privado e filantrópico, em modelos híbridos, também é uma das estratégias apontadas. “As regras atuais de créditos (exigências de garantias reais, cobrança de juros fixos e inflexibilidade de prazos) são incompatíveis com a realidade dos empreendimentos comunitários e os excluem do sistema financeiro formal”.
Ecossistema existente
Dos 21 empreendimentos comunitários examinados, 17 comercializam a produção localmente, 15 chegam a mercados regionais ou nacionais e somente 7 exportam.
Mesmo com a ressalva de que um alcance “regional” num país com o tamanho do Brasil pode significar grandes distâncias e alguma complexidade, a busca por escala depende de suporte técnico e capacitação.
Certos compradores exigem padronização, previsibilidade de entrega e em alguns casos certificações e procedimentos administrativos robustos. O suporte técnico é apontado como gargalo para o ganho de escala.
E existem questões maiores, que afetam não só as populações indígenas ou tradicionais que fazem negócios baseados na diversidade da natureza – a infraestrutura, especialmente na Amazônia, é a mais óbvia.
Karen Oliveira, da TNC, afirma que a coordenação de políticas públicas é parte fundamental do esforço, mas não necessariamente uma limitação para o interesse do capital privado.
“Já é viável que o recurso privado chegue, sim. E é possível entregar resultados. Os estudos demonstram que a sociobioeconomia tem um potencial de gerar resultados de investimentos bastante positivos.”