BIOECONOMIA

Do trem bala à Nike, a inovação que vem da natureza

“Biocêntricos”, que estreia nos cinemas, fala da biomimética, ciência que busca resolver desafios da sociedade usando os seres vivos como modelo

Biocêntricos

Há mais de duas décadas, a bióloga e ativista norte-americana Janine Benyus vem provocando profissionais de áreas distintas como ecologistas, arquitetos, designers, químicos e engenheiros a prestar realmente atenção à natureza.

Benyus é umas das criadoras da biomimética, um processo de inovação científica que busca, na evolução da vida na terra, a inspiração para resolver desafios da sociedade e do planeta.  O potencial transformador desta prática está no eixo central do documentário “Biocêntricos”, que estreia esta semana nos cinemas.

Além de algumas regiões do Brasil, os diretores Fernanda Heinz Figueiredo e Ataliba Benaim foram aos EUA, Costa Rica e Japão para registrar histórias de nove personagens cujas trajetórias são transformadas por inovações inspiradas na natureza.

 Entre os retratados estão os designers brasileiros Bruno e Pedro Rutman, que desenvolveram uma forma revolucionária de reflorestamento, e Benki Piyãko, líder indígena da Amazônia que viaja o mundo promovendo o intercâmbio entre os conhecimentos ancestrais e a ciência moderna. Ou ainda o engenheiro e observador de pássaros Eiji Nakatsu, que partiu do exemplo do martim pescador para redesenhar o bico do trem bala japonês.

Belamente fotografado, o documentário utiliza a narração em off de Benyus para amarrar as distintas narrativas. Nos anos 1990, ainda não havia uma terminologia para se referir a essas práticas. A bióloga considerava uma obviedade que os cientistas partissem da observação da natureza em seus processos criativos, mas não existia um campo multidisciplinar em que biólogos e inventores trabalhassem lado a lado. Decidiu então escrever um livro reunindo exemplos de biólogos que atuavam na gestação de projetos de inovação.

Publicado em 1997, seu livro “Biomimética – Inovação Inspirada na Natureza” chamou a atenção da indústria. Multinacionais como Nike, GE e Levi’s a procuravam pedindo que lhes enviasse biólogos para trabalhar em seus escritórios. 

Ela não conhecia esses profissionais, nem sabia se estavam capacitados a atuar nesta intersecção entre os estudos da natureza e design. Foi então que ela se associou a Dayna Baumester para fundar esta nova disciplina, a Biomimética (bio = vida, mimesis = imitação).

Benyus tornou-se uma referência mundial no tema, codificando uma metodologia de desenvolvimento de soluções em inovação, o Biomimicry Thinking. Em seus livros, palestras e consultorias, Janine convoca as pessoas a refrescar o olhar. 

A partir de um lugar de respeito, devemos abandonar a arrogância de quem crê já ter as respostas. “Devemos observar novamente e enxergar as coisas (da natureza) com respeito, porque são tão incrivelmente bem projetadas para a sua função. E sua função não existe apenas para si mesmo, sua função é ser um bom vizinho.”

O documentário narra como uma cultura de competição geopolítica nos EUA com a Doutrina Truman, no início da Guerra Fria nos anos 1940, impactou a maneira como os cientistas mainstream passaram a interpretar a vida na natureza. Afinal, o que é mais presente e fundamental para a sobrevivência de um ecossistema, a competição ou a colaboração?

Benyus explica que há mais casos de mutualismo entre as espécies, afinal, a competição exige altíssimo consumo de energia. Porém, a cultura de competitividade e hiperindividualismo das últimas décadas tingiu as lentes de biólogos proeminentes, que preferiram enfatizar a tese da “lei da selva” onde só os mais fortes sobrevivem.  É central para a biomimética a compreensão de que as espécies prosperam a partir dessas práticas de boa vizinhança.

No material de imprensa, a diretora Fernanda Figueiredo diz que “Biocêntricos” busca tanto provocar quanto proporcionar ao público rotas de esperança, por ampliar a visão sobre esses conhecimentos profundos e fascinantes do mundo natural.

“Ao se considerar sustentabilidade, economia circular, colaboração, ecologia e saúde como princípios de reconexão individual e coletiva com a natureza elementar que nos habita, é possível visualizar um futuro bem diferente das perspectivas distópicas que estamos nos acostumando a consumir.” 

O longa, que teve sua estreia mundial na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, é uma produção da Aiuê, produtora que atua há mais de 10 anos com tripé temático da sustentabilidade, educação e cultura, em coprodução com Globonews, Globo Filmes e Spcine.