MANAUS – Presença constante em fóruns internacionais, Tashka Yawanawá, 49 anos, tem pressa.
Um dos líderes do povo indígena da etnia Yawanawá, do Acre, ele voltou há poucas semanas da COP27, no Egito, onde diz ter fechado cinco contratos com fundações e empresas.
“Eu gosto de fazer negócios. Não perco tempo protestando”, disse, em conversa com o Reset, logo depois de participar do Fórum de Investimentos de Impacto e Negócios Sustentáveis na Amazônia (Fiinsa), em Manaus, na semana passada.
Sentado num banco de madeira num calor de verão amazônico, calçando um par de tênis da descolada marca francesa Vert e ainda ostentando o majestoso cocar feito de penas negras de urubu-rei com o qual subiu ao palco, prosseguiu: “Detesto o discurso de que fomos massacrados. Estamos vivos, estamos aqui, e é a nossa vez de fazer acontecer.”
Há menos de meio século, indígenas Yawanawá chegaram a viver num regime de escravidão, explorados por seringueiros.
Hoje, as comunidades lideradas por ele na Terra Indígena Rio Gregório têm contratos de venda de produtos e licenciamento de marca com empresas como a fabricante de cosméticos americana Aveda, a marca de roupas carioca Farm e a Chilli Beans, de óculos. Juntos, rendem de R$ 800 mil a R$ 1 milhão por ano aos 1650 integrantes.
“É um dinheiro que beneficia a todos, o suficiente para ter uma vida melhor na floresta”, diz Tashka.
Parcerias inovadoras como essas foram um dos vetores da recuperação da dignidade e da identidade cultural dos Yawanawá depois da decadência que se seguiu ao fim do ciclo da borracha.
O turismo de estrangeiros atraídos pelos rituais de ayuhasca e pelas caçadas na selva também se tornou outra importante fonte de receita.
Líder diferente
Fluente em inglês, Tashka é uma figura única, tido como inspiração para outras lideranças indígenas na forma de se relacionar com empresas interessadas em fazer negócios com povos da floresta.
O primeiro contrato da comunidade, fechado com a Aveda ainda nos anos 90, antecede seu período como líder.
Os chefes de então buscavam alternativas à receita vinda da borracha, que havia perdido mercado para o produto da Malásia. Durante a Eco-92, no Rio, conheceram o CEO da marca americana de cosméticos, que estava pesquisando corantes naturais para seus produtos, e propuseram a ele a venda do urucum.
A tinta extraída da semente é até hoje ingrediente do batom da marca que leva o nome de urucum, além de outros produtos, num contrato que já dura 30 anos e é, talvez, o mais longevo entre um povo indígena brasileiro e uma companhia privada americana.
Veio também da Aveda a bolsa de estudos recebida por Tashka em meados dos anos 90 para estudar inglês em Santa Bárbara, na Califórnia, e que foi decisiva para lhe abrir os olhos para novas possibilidades.
Numa época em que liderar seu povo não era uma aspiração, acabou ficando cinco anos nos Estados Unidos. Mudou-se para São Francisco, estudou cinema, trabalhou e conheceu a mulher Laura Soriano, uma ativista indígena mexicana, com quem voltou ao Brasil.
“Quando voltei para a aldeia em 2000 eu não conseguia entender como as pessoas se sentiam pobres e miseráveis. Eu via tantas possibilidades de explorar os recursos naturais sem destruir a floresta.”
De chefe para chefe
A Aveda paga entre US$ 100 mil e US$ 200 mil por ano por 200 quilos de urucum, além do direito de uso da marca Yawanawá.
Da Farm vêm outros R$ 200 mil a R$ 300 mil pelo fornecimento de pulseiras, colares e brincos. Há cinco anos a marca também estampa coleções de roupas com desenhos feitos nas aldeias e paga pelo uso da marca.
Também há cinco anos a marca inglesa Bottletop compra pulseiras feitas de sementes de açaí que antes eram jogadas fora. Cada peça, de acabamento impecável, sai a R$ 150 no Brasil.
A mais recente parceria acaba de ser assinada com a Chilli Beans, que vai lançar em 2023 uma coleção de óculos usando sementes de açaí e de jarina, conhecida como o marfim da Amazônia.
Os pagamentos são divididos em duas formas. Parte vai para os salários das pessoas envolvidas diretamente na confecção dos produtos vendidos e parte é distribuída para benefício de toda comunidade.
“A gente senta e discute junto como vamos usar esse recurso. Pode ser para a compra de animais, compra de barco, para fazer novos roçados, em saúde, em educação ou para ajudar um pajé que está com dificuldade.”
Com personalidade expansiva e raciocínio sagaz, Tashka negocia diretamente os contratos fechados por meio da Associação Sociocultural Yawanawá, que reúne 13 das 15 aldeias da etnia (as outras duas estão organizadas sob a Cooperativa Yawanawá).
“Se as empresas querem trabalhar, a nossa conversa é de chefe para chefe. Quando preciso me reunir com a Aveda eu vou lá para Nova York, no General Motors Building, e acerto as coisas.”
‘Indian time’
A conversa de chefe para chefe, sem intermediários, é um dos segredos para fazer as parcerias funcionarem, diz Tashka.
“Sou um bom negociador e logo na partida as empresas têm que deixar claras as intenções, como a comunidade será envolvida e como vai se beneficiar.”
E as coisas só vão adiante se a empresa entender que precisa respeitar a cultura indígena. “A aldeia vive no ‘indian time’”, diz, entre risadas.
“Se acorda de manhã e está um dia bonito, vai cuidar da família. Se está a fim de caçar, vai. Não é algo pragmático como o funcionário que bate cartão. As empresas sérias têm que respeitar isso. Parece simples, mas não é. É algo importante para a sobrevivência da cultura.”
A Aveda, por exemplo, já quis aumentar o fornecimento anual de urucum para duas toneladas e recebeu um não como resposta.
Não tentar interferir na política interna da comunidade é outra pré-condição para que as parcerias vinguem, diz ele.Na outra mão, a comunidade também tem que fazer seus ajustes para que as coisas funcionem, “Já sofremos discriminação por muito tempo e eu sempre digo que temos que fazer um trabalho de qualidade. Não pode ser feito de qualquer jeito. Tem que ser competitivo em qualquer mercado.”
* A jornalista viajou a convite do Fiinsa