Uma empresa novata levou na manhã de ontem a sua segunda concessão de parques naturais. A Parquetur venceu o leilão para fazer a gestão, pelos próximos 30 anos, do núcleo Caminhos do Mar do parque estadual paulista Serra do Mar.
Trata-se da antiga Estrada Velha de Santos, cercada por um grande núcleo de Mata Atlântica, monumentos históricos do Brasil colonial e uma vista excepcional da Serra do Mar. Em 2018, a empresa já havia arrematado a concessão do parque da Chapada dos Veadeiros, em Goiás.
A carteira com dois ativos é o começo de um plano maior, que tem como pano de fundo um pipeline inédito no país de cerca de 50 parques nacionais e estaduais que estão na fila para serem concedidos à iniciativa privada nos próximos três anos. É algo com potencial de elevar o Brasil a outro patamar quando se trata de turismo ecológico.
Para ser competitiva nesse cenário, a empresa está captando o primeiro fundo de infraestrutura do país voltado exclusivamente para parques, segundo informação de investidores que foram abordados nos últimos meses.
“Chegamos à conclusão de que precisávamos de um veículo mais robusto para entrar nas concessões”, comenta Plínio Ribeiro, um dos sócios fundadores da Parquetur.
Nos fundos de infra, os investidores pessoa física são isentos de IR sobre os rendimentos e venda das cotas. Mas, com prazo de 40 anos, esse fundo não é para amadores.
Ribeiro não dá maiores detalhes sobre o fundo, por conta de restrições impostas pela CVM. A informação que circula no mercado é que a intenção é levantar até R$ 75 milhões. Em geral, o equity costuma ser alavancado algumas vezes, o que pode aumentar o poder de fogo para disputar os projetos.
A Parquetur carrega o negócio de conservação ambiental no DNA. Foi fundada por alguns acionistas da Biofílica, empresa que atua na conservação de florestas por meio da venda de créditos de carbono, e que tem como sócios acionistas da Natura e a família Lorentzen.
Além de Ribeiro, que é fundador e CEO da Biofílica, também estão no quadro de acionistas das duas empresas Cláudio Pádua e o empresário Juscelino Martins, da rede atacadista Martins. “O nosso enfoque na Parquetur também é o da conservação ambiental”, diz Ribeiro.
Só neste fim de ano, o fundo entrou em duas concorrências. Além de Caminhos do Mar, disputa o parque nacional de Aparados da Serra, no Rio Grande do Sul. A abertura dos envelopes dos interessados aconteceu no último dia 15, mas o processo foi suspenso depois que um dos grupos deixou de apresentar documentos e entrou com recurso. O leilão deve ser retomado em janeiro.
Para 2021, o cardápio de concessões é vasto, com cerca de dez leilões. As florestas nacionais de Canelas e São Francisco de Pádua, ambas no Sul do país, estavam previstas para 2020 e escorregaram para o ano que vem, somando-se a Cantareira, em São Paulo, Lençóis Maranhenses, Jericoacoara (CE), entre outros.
Além disso, no próximo ano expira a concessão de uma joia da coroa, o Parque Nacional do Iguaçu, em Foz do Iguaçu (PR), que hoje está nas mãos do Grupo Cataratas e será relicitado.
Revolução
É um cenário que mudou radicalmente. Enquanto de 2018 a 2020 foram realizados nove leilões, nos 20 anos anteriores haviam sido apenas cinco.
“Está sendo algo revolucionário”, diz o empresário Pedro Passos, fundador do instituto Semeia, criado há nove anos justamente para estudar o tema e fazer o advocacy da concessão de parques no país.
O Semeia tem apoiado governos na concepção e implementação dos projetos de concessão, ao mesmo tempo em que trabalha para atrair grupos interessados em investir.
Dos cerca de 50 parques na fila, 36 são estaduais e a modelagem de venda está a cargo do BNDES, que firmou contratos com os governos. Outros 15 são federais e a ideia, até recentemente, era que o BNDES também assumisse a modelagem.
Na avaliação de Pedro Passos, até agora o apetite dos governos, que finalmente aceleraram as concessões, está maior que o envolvimento do mercado com o tema. A expectativa, diz, é que o pipeline parrudo estimule o desenvolvimento de operadores privados de parques e até comece a atrair grupos internacionais.
Esse movimento já está acontecendo.
Se lá atrás o Grupo Cataratas, que foi pioneiro em concessões de parques, corria sozinho e levava quase todas, em Aparados da Serra, por exemplo, competem seis grupos.
Boa parte do crescimento experimentado de 2010 a 2019, quando o número de visitantes em parques nacionais saltou de 4 milhões para 15 milhões, teve o Cataratas como pivô. Os parques administrados pelo grupo, que tem o fundo Advent como acionista, têm hoje 6 milhões de visitantes.
Além do Parque Nacional do Iguaçu, estão sob sua gestão a Tijuca, no Rio, e o parque marinho de Fernando de Noronha. “Agora estamos avaliando todas as concessões de parques naturais que estão sendo lançadas no mercado”, diz o CEO Pablo Mórbis.
Modelo de negócio
Como em qualquer concessão, a de parques prevê um investimento pesado nos dois a três primeiros anos. É dinheiro que vai para construção de portarias, restaurantes, sanitários, reforma e sinalização das trilhas, iluminação, segurança, loja de souvenirs, entre outras obras para melhorar a infraestrutura de serviços.
No caso de Caminhos do Mar, a Parquetur vai pagar uma outorga de R$ 4,3 milhões ao governo de São Paulo, com ágio de 200% sobre o preço mínimo. E prevê investir R$ 18 milhões, R$ 4 milhões a mais que o mínimo exigido em edital.
Hoje, 6% da população brasileira visita parques, enquanto nos Estados Unidos a taxa supera os 100% e no Chile, por exemplo, são 18%.
“A nossa tese é que devemos triplicar o público brasileiro que visita parques nos próximos dez anos. O fundo foi montado para capturar parte desse valor”, diz Ribeiro.
Na Chapada dos Veadeiros, o grupo viu o número de visitantes sair de 60 mil em 2018 para 84 mil em 2019, sem ter feito todos os investimentos ainda. O ano de 2020 atrapalhou os planos, mas a meta é chegar a 170 mil visitantes por ano em 10 anos.
A lógica da conservação
Para chegar ao pipeline atual, foi preciso vencer a ideia de que a concessão representaria a privatização das reservas ambientais do país.
Mas ainda existe a percepção de que o aumento do fluxo de visitantes trazido pela concessão ampliaria a degradação ambiental.
“A experiência mostra o contrário: se os parques estão mal cuidados, aí é que as pessoas saem da trilha e a intervenção [ na natureza] é grande”, diz Fernando Pieroni, diretor-presidente do Semeia.
Mórbis, do Cataratas, diz que a visão é de ganha-ganha-ganha. “Ganham os parques, com conservação, ordenamento e valorização da fauna e flora, ganha o visitante, que passa a contar com boa infraestrutura de visitação, e ganham os cofres públicos, com a outorga e a desoneração dos custos de manutenção.”
E o aumento do turismo traz impactos econômicos em todo o entorno dos parques. Um estudo de 2017 do ICMBio mostrou que, a cada R$ 1 investido nos parques, R$ 7 retornaram para a economia local.
O tabu da privatização das reservas ignora um outro aspecto fundamental das concessões: as áreas concedidas à iniciativa privada são uma pequena fração de toda a unidade de conservação. Em alguns casos, se restringe a 1% do total.
Ou seja, o concessionário assume a prestação de serviços aos visitantes, mas a conservação do restante da unidade segue sendo responsabilidade dos governos e, em tese, o pagamento das outorgas poderia justamente gerar recursos para se investir nessa conservação.
Mas aí talvez resida uma das principais falhas do modelo de concessão dos parques: os recursos não são carimbados. Ou seja, entram no caixa geral e podem ser usados para qualquer coisa por governos que, como se sabe, estão longe de exibir boa forma fiscal.
No caso de Aparados da Serra, até houve uma tentativa do Ministério do Meio-Ambiente de vincular os recursos à conservação da área. Mas a ideia foi barrada pelo Tribunal de Contas da União.