Quem veio primeiro? O ovo ou a galinha?
Na foodtech N.ovo, o ovo nasceu em 2019 e a galinha, dois anos depois.
Criada como um braço de inovação do grupo Mantiqueira, uma das maiores granjas do Brasil, a startup logo ganhou vida independente para desenvolver seu portfólio de produtos à base de plantas.
Hoje estão na prateleira o ovo em pó para ser usado em receitas, uma linha de maioneses criada em 2020, o preparado para ovos mexidos lançado no ano passado e, desde dezembro, o peito de frango empanado, os nuggets, as coxinhas e os cubinhos para grelhar.
E a ideia é que a família cresça e ultrapasse os limites do galinheiro.
“Existem startups focadas em um só produto. Mas nós queremos ocupar todas as categorias. Indo de ovos a carnes e seguindo adiante com toda substituição vegetal possível”, diz Amanda Pinto, herdeira do Mantiqueira e fundadora da N.ovo.
Isso quer dizer que os substitutos lácteos são uma nova fronteira, que já vem sendo objeto de pesquisa da área de P&D da N.ovo, comandada pela engenheira química Anna Paula Viana, ex-Coca-Cola e Ingredion.
Em 2022, a ideia é lançar dez novos produtos, de categorias variadas.
Lá fora e também no Brasil, o mais comum no segmento plant-based tem sido a aposta em uma categoria única, dada a complexidade tecnológica para obter textura, sabor e aparência convincentes para cada um dos produtos.
Com isso, em cada um dos segmentos em que resolver atuar, a N.ovo enfrentará concorrentes especializados – e alguns já de peso. Só no segmento de carnes vegetais, a Fazenda Futuro já está bem posicionada, além da presença dos maiores frigoríficos.
Uma das poucas exceções a essa especialização é a chilena NotCo, com linha de hambúrgueres, leite, maionese e até sorvetes à base de plantas. A fórmula vem dando certo. Em seis anos de vida, a startup já captou cerca de US$ 350 milhões e se tornou um unicórnio em meados do ano passado.
Pinto não parece se intimidar e diz que tem sido grande a dedicação no desenvolvimento produto a produto.
No caso da nova linha de frango, por exemplo, o objetivo era chegar à textura das fibras da carne. “O ovo mexido foi até hoje o produto de maior desafio para nós. Porque era preciso mimetizar não só a textura, a aparência e o cheiro, mas também a forma de preparo. É um produto que tem que cair líquido na panela e gelificar chegando na textura de um ovo”, diz.
Fórmula secreta
Como a maioria das foodtechs plant-based, a N.ovo começou com a produção e embalagem em terceirizadas (a logística é realizada pelo grupo Mantiqueira, na base de prestação de serviço.)
Se permite o crescimento acelerado com baixo investimento, nesse modelo o segredo é, mais que nunca, a alma do negócio. “As nossas formulações são o coração da empresa. Então a gente blinda isso da melhor forma possível”, diz Pinto.
As matérias-primas vão para uma planta própria de concentrados e saem dali para os terceirizados codificadas. Os parceiros sabem que têm que misturar ingrediente ‘x’ com ‘y’, mas desconhecem as fórmulas e os fornecedores.
Ao longo de 2021, a empresa chegou a explorar a possibilidade de fazer uma rodada de captação no mercado, mas acabou desistindo. Os investimentos, por ora, continuarão sendo feitos pelos sócios do grupo Mantiqueira, Leandro Pinto (pai de Amanda) e Carlos Cunha.
“Por conta do cenário macroeconômico, a decisão foi se manter mais enxuto, contando com serviços compartilhados do grupo e com investimentos um pouco menores, até o momento em que a gente alcance um valor maior e retome a ideia de ir a mercado.”
A empreendedora diz que enxerga a empresa como uma marca global. “O Brasil é um grande exportador de proteínas animais e acredito que também se tornará um exportador de proteínas alternativas”, diz ela.
Mas a ida ao mercado externo, tirando uma ou outra exportação pontual que tem acontecido, deve ficar para daqui a dois anos.
No médio prazo, a empresa quer aumentar sua cobertura nacional. “Falta entrar em novas praças. Hoje estamos em doze Estados, mas não com a capilaridade que gostaríamos.”
Outro objetivo é entrar com força no segmento de food service. Pelo perfil do grupo Mantiqueira, a orientação inicial foi para o consumidor final.
“Agora contratamos um profissional de food service, que deve ser uma poderosa alavanca de crescimento. Existe um estudo que mostra que a primeira coisa que te faz comprar no supermercado é ‘a minha mãe me indicou’. E a segunda é provar no restaurante e querer fazer em casa.”
Em São Paulo, já é possível encontrar o frango da N.ovo no restaurante Miado e seu omelete na rede de cafeterias Le Pain Quotidien.
Novas plantas
Se o Brasil pode se tornar um exportador de plant-based para o mundo, o caminho ainda é longo. Isso porque, embora pareça uma contradição quando se pensa no ‘celeiro do mundo’, grande parte da matéria-prima tem que ser importada.
No caso da N.ovo, pelo menos 50% dos ingredientes vêm de fora.
Uma das barreiras, diz Pinto, é que o Brasil não tem plantas de processamento dos ingredientes. Então, a soja é plantada aqui, exportada, e retorna processada para servir de matéria-prima para a indústria de alimentos. “É uma grande perda de energia e de recursos”, diz.
A empresa também tem investido, em parceria com institutos e universidades, na pesquisa de novas plantas brasileiras que possam se tornar ingredientes para a indústria do plant-based. “Nossa ideia é realmente encontrar matérias-primas, testar a aplicação, e entender como processar isso dentro de casa.”