Este frango é um fungo. Servido?

A startup Typcal é pioneira no país na produção de substitutos de carne à base de micoproteína, obtida com a fermentação de fungos

Prato com micoproteínas que emulam carne de frango
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A receita da Typcal, uma empresa de proteínas alternativas, vai chegar a R$ 1,5 milhão este ano, um crescimento de 50% em relação a 2022.

Mas os nuggets e hambúrgueres à base de ervilha e molhos veganos que geram esse faturamento são o passado, diz Eduardo Sydney, diretor de tecnologia e sócio da companhia. “O futuro da alimentação está no micélio.”

A Typcal faz parte de uma onda de inovadores que buscam no Reino Fungi a próxima geração das alternativas à carne animal. A base é a micoproteína, obtida por meio da fermentação de fungos – mais especificamente do micélio, conjunto de filamentos microscópicos que dão estrutura a estes organismos.

Como os produtos plant-based, esses novos substitutos da carne querem oferecer uma alternativa mais sustentável ao setor agropecuário, responsável por 15% das emissões globais dos gases que causam o efeito estufa.

Mas a proteína do fungo tem diferenças importantes em relação aos hambúrgueres e empanados que colocaram no mapa a categoria plant-based.

A primeira delas é a composição. Alguns produtos à base de ervilha ou de soja, por exemplo, incluem outras dezenas de ingredientes em sua composição, a fim de tornar-se mais palatáveis.

Já a biomassa obtida a partir da fermentação do micélio é fibrosa e assemelha-se naturalmente bastante às carnes em textura e sabor.

Outro vantagem potencial é o custo. Como o produto é menos complexo e tem menos dependência de uma variedade de ingredientes básicos, a expectativa é que essa “carne de fungo” chegue ao consumidor por preços mais baixos que os produtos de base vegetal.

Laboratório de fermentação

Mas isso vai demorar algum tempo. Sydney diz que a biomassa de micélio da Typcal será lançada por R$ 120 o quilo, mas  “o preço pode cair para patamares iguais ou até 15% mais baixos aos da proteína animal em cinco anos”.

A estimativa certamente inclui o otimismo do empreendedor.  O uso da proteína à base de fungos ainda está engatinhando no Brasil e no mundo.

A Typcal é a primeira no país a investir na tecnologia e prepara para novembro, em parceria com um restaurante do Rio de Janeiro, um “peito de frango” à base do ingrediente.  

As pesquisas e o desenvolvimento da tecnologia da startup são realizados em uma planta piloto, em Curitiba. O fungo – a marca não revela de qual espécie – é cultivado em um laboratório de microbiologia e então inserido em um biorreator para o processo de fermentação.

O processo é uma fermentação líquida semelhante à da cerveja, diz Sydney. Em apenas 24 horas, cerca de 8 litros viram 200, capacidade máxima atual do biorreator da Typcal.

Após a fermentação, a biomassa de micélio, que tem uma textura parecida ao do algodão molhado, é separada da fração líquida e está pronta para ser transformada em ingrediente.

“O próximo passo será investir em outro de 5 mil litros, o que, a curto prazo, aumentaria muito a produção e baratearia o ingrediente”, explica Sydney. Em 2022, a companhia captou R$ 4 milhões em uma rodada seed liderada pela Futurum Capital.

Fungos no biscoito 

A biomassa fresca é usada para produzir análogos de carne, como o peito de frango que a empresa desenvolveu apenas para degustação. O plano é vender a proteína somente para indústrias e restaurantes.

O mesmo ingrediente pode ser adicionado a produtos já comercializados, inclusive os plant-based e de origem animal, para melhorar a textura e aumentar o teor de proteína. “O micélio torna itens à base de soja e ervilha, por exemplo, mais suculentos.”

Na versão desidratada, ou em pó, a quantidade de proteína é altamente concentrada e chega a 48% da composição. “Ela vem sendo testada em snacks e em alguns produtos ultraprocessados. Nosso grande sonho é que, no futuro, haja micélio até mesmo em bolachas recheadas, o que as tornaria muito mais saudáveis”, explica Sydney.

A startup já entrou com o pedido de aprovação junto à Anvisa, uma etapa necessária antes da comercialização.

Hoje, o faturamento ainda vem da linha de produtos de base vegetal. Foi assim que a startup nasceu, em 2019, com o nome de 100 Foods. Paulo Ibri, cofundador e CEO da empresa, já havia passado pelas áreas de vendas e marketing do setor de bebidas.

A companhia conseguiu levar suas criações a grandes redes varejistas, como o Carrefour. Ibri, no entanto, em pouco tempo identificou algumas limitações importantes do segmento plant-based, como sua restrição a produtos de indulgência e ultraprocessados.

Ele queria uma alternativa mais saudável e próxima à textura e ao sabor da proteína animal, e mais sustentável. Na busca, conheceu Sydney, um engenheiro de bioprocessos e biotecnologia e ex-professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná que pesquisava o micélio havia uma década.

Em 2021 virou sócio e redirecionou a Typcal para o mush-based, como é conhecido o segmento.

Fungos pelo mundo

Uma das principais marcas do segmento, e uma das pioneiras, a britânica Quorn, responsável por registrar o uso do fungo Fusarium venenatum para a produção de micoproteínas, hoje tem mais de 25 produtos com o ingrediente e está presente em 14 países.

Em agosto passado, a escocesa Enough Food levantou 40 milhões de euros em rodada liderada pelos fundos World Fund e CPT Capital. E pretende investir o valor para escalar a produção da Abunda, nome com o qual patenteou sua micoproteína, obtida por meio da fermentação do mesmo Fusarium venenatum.

A Enough abriu no ano passado uma fábrica de 150 mil metros quadrados ao lado das instalações da multinacional alimentícia Cargill, na cidade de Sas van Gent, na Holanda, onde utiliza um processo que promete desperdício zero e mínimo impacto ambiental.

A empresa quer ampliar sua produção, hoje de 10 mil toneladas ao ano, para 60 mil toneladas, até 2027 – um número equivalente a fabricar, a cada dois minutos, a mesma quantidade de proteína de uma vaca.

Até 2032, pretende chegar em um milhão de toneladas, proteína equivalente à fornecida, segundo a foodtech, por 5 milhões de cabeças de gado ou 1,25 bilhão de frangos.