Em crise, Beyond Meat acende sinal amarelo para a carne plant-based

Consumo de proteína de base vegetal estagnou nos Estados Unidos, levantando dúvidas sobre o real apetite dos investidores por esse novo mercado

Embalagens de hambúrgueres e salsichas vegetais da Beyond Meat
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Símbolo da euforia de Wall Street com o mercado de plant-based, a Beyond Meat está em pleno inferno astral: suas ações caem mais de 80% desde o começo do ano e valem metade do que saíram no IPO, em maio de 2019 – uma das ofertas iniciais mais bem sucedidas desde a crise de 2008. 

Foi um ano difícil para o mercado como um todo, com a disparada dos juros trazendo um choque de realidade às startups e penalizando especialmente as empresas que precisam investir muito na frente antes de começar a efetivamente dar lucro. 

Mas o caso da Beyond Meat vai além, levantando a dúvida sobre qual o real apetite dos consumidores por carnes veganas que imitam o produto de origem animal.

Nos Estados Unidos, há cada vez mais sinais de que a demanda estagnou. Conquistar o paladar e o bolso de novos consumidores pode ser mais difícil que o esperado.

A Beyond Meat disse na semana passada que estima que seu faturamento este ano caia entre 9% e 14% frente a 2021. O anúncio vem após uma sequência de resultados decepcionantes: em sete dos últimos oito trimestres, eles ficaram abaixo do esperado pelo mercado. Para conter a sangria, a empresa está dispensando 200 funcionários, equivalentes a 20% da sua força de trabalho. 

Parte do problema é conjuntural. A maior inflação em décadas leva os consumidores a privilegiar o preço na hora de fazer as compras. 

“No segundo trimestre houve uma queda na penetração de carne plant-based nas residências americanas pela primeira vez em quatro anos”, disse o CEO da Beyond Meat, Ethan Brown, na última teleconferência sobre os resultados, em agosto. “A inflação e o preço premium do setor em relação à proteína animal é altamente – se não completamente – determinante para esse cenário.”

Segundo ele, na época, enquanto o preço da carne moída no varejo estava em US$ 4,90 por libra (450g) naquela época, o mesmo produto da Beyond Meat saía por quase o dobro: US$ 8,35. 

Dados da IRI, especializada em inteligência de mercado para o varejo, mostram que as vendas de carnes à base de planta caíram 10,5% em volume nos Estados Unidos nas 52 semanas encerradas em 4 de setembro. 

A Deloitte acredita que a indústria está sofrendo principalmente com um problema de percepção. 

Em julho, a consultoria fez uma pesquisa com 2 mil consumidores e descobriu que caiu a crença de que a carne plant-based é mais saudável que a original: 60% dos entrevistados acreditam na premissa, contra 68% no ano anterior.

A parcela dos consumidores que compra as carnes plant-based pelo menos de maneira ocasional ficou estável em relação a um ano antes: 47%. 

“O mercado endereçável pode ser mais limitado do que muitos pensavam”, disse a firma de consultoria num relatório. “A melhora dramática de sabor nos últimos anos (atestada por 7 em cada 10 consumidores) destravou novo interesse, mas a parcela da população disposta a experimentar e comprar novamente pode ter atingido um ponto de saturação.”

Sinal de alerta

A crise do setor nos Estados Unidos ainda não parece encontrar eco no mercado internacional. 

A JBS anunciou no começo do mês que estava fechando sua unidade Planterra, focada em plant-based nos Estados Unidos, para botar foco nesse segmento no Brasil e na Europa, onde a alternativa vem ganhando market share. 

Na própria Beyond Meat, o mercado externo, que representa 20% das vendas, segue em alta. 

Mas a estagnação no mercado onde nasceu essa indústria dá um sinal importante para outras geografias. 

As expectativas já estão sendo revistas. O UBS projeta uma taxa de crescimento anual de 16% para a indústria de carnes à base de planta em todo o mundo até 2027, para US$ 14,3 bilhões, contra US$ 6 bilhões no ano passado. É a metade da expansão de 30% ao ano até 2025 que o banco tinha apresentado em 2019. 

Dentro de casa

Para além dos problemas gerais do setor, a Beyond Meat lida também com problemas na sua própria cozinha. 

Desde o IPO, muitas empresas, de startups às mais tradicionais, entraram no mercado da Beyond Meat, aumentando a competição na gôndola de plant-based. Isso levou a companhia a diminuir preços e fazer promoções, mesmo num cenário de pressão de custos. 

Uma análise feita pelo banco Oppenheimer mostra que, enquanto os preços de carne e frango estão subindo nos Estados Unidos, os de carnes artificiais estão caindo. Pode parecer uma boa notícia – se essa queda realmente estivesse acontecendo por conta do aumento de escala e não à custa de margens.  

“Esse pricing action e essa agressividade contínua de descontos sugerem os desafios atuais da categoria”, escreveram os analistas do banco de investimento. “Continuamos a ver dificuldade na capacidade da Beyond de voltar às margens brutas pré-pandemia.”

Outro ponto é que a empresa vem sofrendo para conseguir emplacar parcerias de peso com as grandes redes de restaurantes. Elas representam apenas um quarto das receitas, que ainda dependem muito das vendas em supermercados.  

Da Taco Bell à Pizza Hut, a Beyond Meat tem itens como substitutos de carne, salsichas e linguiças em diversos restaurantes. Mas boa parte de suas parcerias acabou se provando edições limitadas, que não ganharam muita tração no mercado americano. 

Uma das maiores decepções foi o McPlant. A companhia fez uma parceria com o McDonald’s para colocar um hambúrguer à base de plantas no cardápio da maior rede de fast food do mundo.

A novidade foi lançada em modo de teste em 600 lojas nos Estados Unidos – mas acabou não sendo oferecida em território nacional por conta da recepção morna. 

Alardeado com pompa, um pepperoni plant-based para a Pizza Hut nunca ganhou escala. Uma reportagem da Bloomberg que ouviu diversos ex-funcionários e executivos da Beyond Meat afirmou que a empresa tem um histórico de mostrar os produtos para os potenciais clientes sem ter muita ideia de como tirá-los do papel de forma eficiente. 

O pepperoni, por exemplo, era produzido em parte nos Estados Unidos, voava para a Europa, onde era fatiado, e depois levado de volta para território americano. 

“Realmente não entendo a estratégia deles atualmente”, disse Arun Sundaram, analista da firma de pesquisa independente CFRA à Bloomberg. “Eles dizem ter uma visão de lançar todo tipo de carnes plant-based, mas não têm a experiência de escalar qualquer produto individualmente com o objetivo de sustentar os lucros e o fluxo de caixa.”

Além da visão

No mercado, muitos questionam o atual papel do CEO e fundador da Beyond Meat, Ethan Brown. 

Por um lado, ele é visto como um visionário. Quando a empresa foi fundada, em 2009, um produto de base vegetal que imitasse – e sangrasse – como carne de verdade parecia coisa de ficção científica.

Mas há quem diga que Brown não tem as habilidades necessárias para tocar o dia a dia de uma companhia grande, com inúmeros desafios de produção e comercialização. 

A Impossible Foods, outra pioneira no setor, que chegou a cogitar um IPO no ano mas acabou desistindo, afirma que suas vendas no varejo estão crescendo 70% neste ano, em grande parte por causa da maior capilaridade da distribuição. Os números não são públicos. 

Mas também neste mês, a companhia anunciou o corte de 6% de seus postos de trabalho nos Estados Unidos, alegando “sobreposições de funções”.