A JBS anunciou sua entrada no setor de peixes na última sexta-feira, com uma oferta pela australiana Huon Aquaculture, por cerca de US$ 315 milhões.
Agora, o movimento está sob ameaça de um adversário de peso: Andrew Forrest, o homem mais rico da Austrália e maior acionista da Fortescue Metals, a quarta maior exportadora de minério de ferro do mundo.
No centro da disputa, questões ESG.
Por meio de seu family office, Forrest aumentou sua participação na Huon de 7,3% para 18,5%, tornando-se o segundo maior acionista da companhia. Ainda não está claro se o australiano vai tentar barrar a aquisição pela companhia brasileira ou lançar uma oferta concorrente.
Mas ele já deixou claro que vai dar canseira e colocou sobre a mesa a exigência de que a JBS se comprometa com práticas sustentáveis.
“Eu pergunto para a JBS: você vai se comprometer para que a Huon seja ambientalmente neutra?”, questiona o bilionário em um vídeo divulgado na madrugada desta quarta-feira ao mercado. “Vai se comprometer a remover as externalidades negativas ao ambiente que hoje existem na criação de salmão para continuar a jornada de seus fundadores?”
Uma de suas principais críticas à criação de salmão tradicional é a utilização de outros peixes na ração, o que faz com que a atividade consuma mais peixes do que gera e tenha uma ação negativa sobre a vida marinha — e uma prática que a Huon, que vende 40% do salmão consumido na Austrália, vinha tentando abandonar.
A JBS deixou claro ao mercado que a ambição com a aquisição vai além da Austrália. A ideia é criar uma plataforma para crescer no setor de peixes, a exemplo do que fez em frango com a americana Pilgrim’s Pride, comprada em 2009 por US$ 2,8 bilhões e que faturou US$ 17 bilhões só no começo deste ano.
Próximos passos
Com o novo investimento, Forrest ficou atrás apenas dos fundadores Peter e Frances Bender, que têm 53% dos papéis e já concordaram em vender para a JBS.
A gigante brasileira das proteínas precisa da aprovação dos demais acionistas para completar a aquisição da Huon, que é listada na bolsa de Sydney. Segundo jornais australianos, se obtiver o apoio do Australian Super, maior fundo de pensão do país, que tem 12% do capital, Forrest pode bloquear a operação.
Outra possibilidade é que o bilionário — que já tem duas outras operações de aquacultura na Austrália — faça uma oferta concorrente pela companhia.
Forrest não descartou a possibilidade ao site australiano ABC e disse que o próximo movimento “vai depender da resposta da JBS e da Huon” aos questionamentos feitos por seu family office. (O prêmio oferecido pela JBS em relação ao valor de tela da companhia foi salgado, na casa dos 35% no dia do anúncio da transação.)
À Bloomberg, o CEO da JBS Australia, Brent Eastwood, disse que a empresa compartilha da visão de que “bons negócios também devem ser bons para o meio ambiente” e que a empresa fornecerá detalhes sobre seu compromisso com o bem-estar animal e a sustentabilidade ambiental aos acionistas da Huon quando os documentos da transação forem liberados.
Do mar ao pasto
Apesar de ser mais conhecido no setor de mineração, onde fez fortuna, nos últimos anos Forrest tem se tornado cada vez mais ativo no terreno dos irmãos Batista, o agronegócio — e vem levantando a bandeira da sustentabilidade, especialmente no setor de proteínas.
Em 2014, ele comprou a Harvey Beef, uma das maiores processadoras de carne da Austrália, que passou a ficar embaixo do guarda-chuva da Harvest Road, sua holding para o setor.
Lá, ele aplica o que chama de criação “sem dor, sem medo” — com processos para garantir o bem-estar animal em todo ciclo de vida, do bezerro ao abate.
“Conhecemos a JBS porque estamos no setor de gado”, disse Forrest à Bloomberg. Ele quer que a companhia se comprometa com melhorias nos padrões ambientais também na sua operação de pecuária.
“JBS, você vai se comprometer a remover a dor e o medo de todas as suas operações de carne bovina? Nós todos precisamos aumentar a barra. Para ser completamente humanos com todo animal sob seu cuidado, assegurar que os direitos humanos estão sendo protegidos e assegurar que o ambiente não é ameaçado pelos seus lucros e atividades?”, questionou o empresário no vídeo divulgado hoje.
Ainda que haja um ceticismo quanto às credenciais ambientais de quem fez fortuna na mineração, Forrest vem dedicando boa parte do seu tempo a ações de filantropia — e, com um PhD em biologia marítima, tem um apreço especial pela conservação dos oceanos.
A própria Fortescue vem liderando uma forte agenda de migração para a energia limpa, com cerca de 10% do lucro anual sendo destinado a projetos que envolvem desde hidrelétricas até energia geotérmica, passando por tecnologias de hidrogênio verde. A companhia se comprometeu a se tornar neutra em carbono nas suas operações próprias até 2030.