Na Gaivota, ferramenta une gestão e ESG para quem compra da fazenda

Na Gaivota, ferramenta une gestão e ESG para quem compra da fazenda
A A
A A

Cedo ou tarde, será difícil, para não dizer impossível, vender produtos associados ao desmatamento. É uma nova dimensão do risco do agronegócio – um risco difícil de identificar, acompanhar e administrar.

Esse foi o diagnóstico feito por três brasileiros que se conheceram na Universidade Stanford, no coração do Vale do Silício. Nos últimos cinco anos, Alexandre Spitz, Mateus Neves e o professor Ram Rajagopal trabalharam para desenvolver um software de gestão do agronegócio que tivesse o componente socioambiental como elemento central.

O fruto desse trabalho se converteu na startup Gaivota. Spitz, o CEO, descreve o produto da empresa como uma ferramenta de negócios para “quem vende para a fazenda, compra da fazenda ou financia a fazenda”, diz Spitz.

O coração do Larus, nome do sistema criado pela startup, é um sofisticado sistema de monitoramento socioambiental que permite, por exemplo, a uma processadora de alimentos verificar se está comprando soja de um produtor que seja alvo de denúncias de trabalho escravo ou que plante em áreas indígenas.

Já existem empresas que monitoram o que acontece no campo usando imagens de satélite e bases de dados públicas. É o caso da Agrotools, uma das pioneiras entre os ‘Big Brothers’ da lavoura brasileira. Mas o produto da Gaivota, diz Spitz, é o primeiro a unir monitoramento e gestão.

É como se um software da SAP ou da Salesforce tivesse sido cruzado com uma ferramenta de monitoramento: os parâmetros socioambientais são parte integral dos negócios fechados usando a ferramenta.

A empresa já tem clientes como a gigante química alemã Bayer e a distribuidora brasileira Elo Agrícola. Spitz diz que está em conversas avançadas com o setor financeiro e também com companhias do setor de processamento de alimentos conhecidas globalmente, outros dois potenciais mercados para a empresa.

Por enquanto, a Gaivota cobre apenas soja, algodão e milho plantados no território brasileiro, mas a intenção é ampliar o mapa para a América do Sul e também incluir outras culturas.

ERP + ESG

A ideia central do software é incluir os temas ESG no fluxo digital do agronegócio. Considere o hipotético agricultor João da Silva, cliente da Sementes Agrícolas Ltda.

Hoje, quando ele pede para comprar uma saca de sementes a crédito, as consultas e análises são feitas manualmente. “É uma mistura de planilha de Excel com PDFs anexados em e-mails”, afirma Spitz.

No sistema da Gaivota, o agricultor e sua propriedade são monitorados continuamente. Se ele quiser comprar agora e pagar depois, o sistema automaticamente avisa ao gestor que está tudo certo naquela fazenda, e o pedido de crédito segue adiante.

Os primeiros sistemas de gestão corporativos, conhecidos pela sigla ERPs, foram criados como um mecanismo de controle, para cristalizar os processos corretos via software. A Gaivota quer fazer o mesmo com os critérios ESG.  

Como outras companhias empresas de monitoramento, a Gaivota usa imagens de satélite e uma infinidade de dados públicos (como dados de infrações registradas pelo Ibama ou áreas de conservação) e privados, que são analisados por machine learning, determinando a fotografia completa de onde estão todas as plantações.

As informações são atualizadas a cada cinco dias e têm precisão de 10 metros. Isso significa uma granularidade no nível das propriedades individuais. O modelo computacional foi verificado no campo e tem um índice de acerto de mais de 99%, segundo a empresa.

Os dados são apresentados de forma simples e conveniente, como num app moderno e a ideia é que a ferramenta possa ser usada em diversos níveis do negócio, dos altos executivos a quem está na operação. 

Pressão de todos os lados

Dizer que é verde já não basta. Cada vez mais, as empresas terão de apresentar provas. A União Europeia estuda uma lei que pode tornar ilegal a importação de produtos agrícolas associados ao desmatamento, e a comprovação da “ficha limpa” ambiental dos exportadores será feita por imagens de satélite.

A gigantes do agronegócio brasileiro já desenvolvem sistemas próprios para garantir as credenciais verdes de seus produtos. Recentemente, a Amaggi, por exemplo, apresentou a versão 2.0 de seu sistema, chamado Originar.

“Isso que estamos fazendo já não existe?’ Sim, existe”, diz Spitz. “Mas software não é algo trivial, muito menos para quem não é do ramo.”

Junto com a JBS, a Amaggi assinou durante a COP26 um compromisso com oito outras multinacionais de commodities agrícolas prometendo medir e mitigar o impacto ambiental e social de suas atividades. 

O software da Gaivota também pode ser usado por empresas de pequeno e médio porte, que não têm capacidade para gerir projetos tecnológicos complexos ou que simplesmente queiram resolver um problema pontual.

Produto do Vale do Silício

A Gaivota nasceu no Laboratório de Sistemas Sustentáveis de Stanford, coordenado por Rajagopal. Spitz fazia MBA em recursos ambientais e Neves, doutorado em ciência da computação.

“Percebemos que a tecnologia avançou muito do lado do consumidor, mas ainda havia muito a fazer nos setores de base”, afirma Spitz. “Nossa intenção sempre foi resolver esses grandes problemas usando dados e inteligência.” 

“Olhamos para óleo e gás, mineração, energia. Mas, como somos brasileiros, a agricultura fazia todo o sentido.”

Depois de um ano na Califórnia, Spitz e Neves voltaram para desenvolver a startup no Brasil (Rajagopal continua em Stanford e atua como advisor). A sede da empresa fica em São Paulo. 

Até aqui, a Gaivota voou “fora do radar”, como se diz no jargão do mundo da tecnologia, trabalhando com poucos clientes no desenvolvimento do software. Agora a empresa vai abrir o sistema para cem outras companhias brasileiras.

A startup fez duas rodadas de captação. A primeira foi com o fundo brasileiro Canary, em outubro de 2018, e a segunda foi liderada pelo Valor Capital Group, em abril do ano passado.

Os valores não foram revelados. Spitz diz que o capital é suficiente para manter uma equipe que já chega a cem funcionários. “Estamos crescendo. Nosso produto é importante hoje, mas será crítico no futuro.”