Agrotools, o ‘Big Brother’ que rastreia o agro brasileiro

Agrotools, o ‘Big Brother’ que rastreia o agro brasileiro
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Sempre que o Rabobank tem que monitorar o risco climático de suas operações de crédito agrícola, a John Deere quer descobrir qual modelo de trator será mais demandado numa região ou o McDonald’s precisa rastrear a origem do frango do nugget vendido em suas lojas, 150 terabytes — algo como 2 milhões de horas de música em formato mp3 — entram em ação.

Trata-se da montanha de informações armazenadas e processadas pela Agrotools, agtech que nos últimos 13 anos construiu um dos maiores bancos de dados do agronegócio brasileiro e, a partir dele, criou um modelo de one stop shop para várias agendas de monitoramento.

Hoje a empresa tem cinco produtos, que atendem de frigoríficos a seguradoras, passando por varejistas, bancos e vendedores de insumos agrícolas, num total de 200 clientes. Seu faturamento tem mais que dobrado ano a ano.

“O crescimento mal começou. O plano nos próximos anos é chegar a quase 2 mil clientes só no Brasil”, diz Renato Ramalho, CEO da gestora de venture capital KPTL (lê-se capital, em inglês), que fez o primeiro aporte institucional na empresa, de valor não revelado, há um ano. 

O aporte serviu para expandir a atuação para além das fronteiras brasileiras, diz Breno Felix, cofundador e diretor de inovação da Agrotools. Hoje, cerca de um terço da receita da empresa já vem de seus negócios no Paraguai, na Argentina, Bolívia e Austrália. O número de funcionários saiu de 80 para mais de 110 no período, sendo mais de 70% profissionais de tecnologia.

Com a disseminação das práticas ESG entre bancos e investidores, o setor financeiro se tornou a mais recente alavanca de crescimento da empresa, retroalimentando outros segmentos, segundo Felix.

A Agrotools é, por exemplo, uma das provedoras consideradas por Itaú, Bradesco e Santander para colocar em marcha o plano para financiar o desenvolvimento sustentável na Amazônia. No caso, cada banco selecionará seus fornecedores.

“Existe um mercado enorme de fundos e bancos que podem se relacionar com o agronegócio, além de seguros, que têm uma penetração baixa no setor. É onde há mais espaço para crescer”, diz Ramalho.  

Camadas e mais camadas de dados

No começo das suas atividades, em 2007, a empresa se limitava a oferecer serviços de localização e monitoramento geográfico das propriedades rurais. Numa época em que satélites não eram tão disponíveis quanto hoje, a intenção inicial era identificar com maior precisão os limites territoriais de cada fazenda e dar a elas uma espécie de “geo ID”. 

Com o tempo, sobre esse grande mapa digitalizado, a empresa foi adicionando novos dados, a maior parte deles extraída de bases públicas de informação, como clima, relevo, registro de trabalho escravo, existência de territórios indígenas ou quilombolas, infraestrutura de transporte e armazenamento, histórico de produtividade e por aí vai. 

Hoje, são 1300 camadas de informação, todas georreferenciadas.

Esse enorme banco de dados, batizado de Terra Matrix, é o coração da Agrotools e é operado em São José dos Campos (SP), onde está a base tecnológica da empresa.

É a partir dele que a agtech consegue extrair uma enorme gama de insights e atender às diversas agendas de monitoramento, selecionando as informações que compõem cada pacote que comercializa.

O carro-chefe da casa é o Safe, que faz o chamado compliance socioambiental da cadeia de suprimentos da indústria, como frigoríficos e processadoras de grãos. 

Todos os demais serviços da Agrotools giram em torno da mesma ideia. 

O Brand, por exemplo, é uma ferramenta para que os varejistas possam conhecer os processos de produção dos fornecedores parceiros e fazer com que atendam às políticas socioambientais requeridas, num esforço para blindar as marcas de crises reputacionais. Além do McDonald’s, o Carrefour é outro grande cliente do produto.

Alguns dos produtos podem atingir alto grau de sofisticação.

Com o Credit, por exemplo, os bancos conseguem saber se a fazenda para a qual emprestaram dinheiro fez o plantio na janela de clima adequada e se a biomassa está crescendo de acordo com o esperado. Se um evento climático numa determinada região pode se converter em um problema de crédito, o sistema da Agrotools avisa o banco.

Para nada disso há uma verificação in loco, o que seria financeiramente inviável, segundo a empresa.

Mirando a base

Com um modelo de pacotes mensais voltado a grandes empresas, que no ano passado gerou mais de R$ 115 milhões em receita recorrente, a Agrotools resolveu se voltar também para os pequenos produtores rurais, com a abertura de um marketplace, que oferece versões simplificadas das suas ferramentas. 

“Enquanto a Agrotools oferece todas as soluções numa suíte única, algumas startups concorrentes são comparáveis a algumas das features que agora estão no marketplace”, diz Ramalho, da KPTL. “Com isso, a empresa consegue cobrir a base da pirâmide.”

Os pacotes corporativos custam de R$ 5 mil a R$ 500 mil por mês, a depender do grau de sofisticação demandado pelo cliente. Mas no marketplace é possível contratar uma ferramenta de análise socioambiental por R$ 283 mensais.

A expectativa é que em cinco anos o marketplace atinja receita de R$ 200 milhões, entre Brasil e exterior. 

Para financiar a empreitada, que entrou no ar em fevereiro, a Agrotools fez uma nova rodada de captação em dezembro, desta vez com pessoas físicas de variadas áreas de negócios, como o advogado Daltro Borges, o sócio da Arsenal Investimentos, Pedro Paulo Campos, e o empresário Paulo Eric Haegler, dono da Balanças Toledo.

E tudo indica que novas rodadas de capital para atender o tamanho da oportunidade de crescimento estão no radar.

“Se vai existir um Google ou uma Tencent do agronegócio, essa empresa será brasileira. Essa é a nossa ambição”, diz Ramalho.

(Colaborou Ana Paula Ribeiro)