Todos setores entram no mercado de carbono, diz secretária de Mudança do Clima

Segundo Ana Toni, a lógica da regulação de emissões será por volume de gases lançados na atmosfera; agro está contemplado

Ana Toni, secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente
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A maioria dos mercados regulados de carbono mundo afora opera com uma lógica setorial. Ou seja, os setores intensivos em carbono que precisam ter suas emissões limitadas fazem parte do mercado regulado. 

Segundo Ana Toni, secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, no Brasil o princípio será outro. “A proposta de mercado regulado que está no Senado não tem um olhar setorial, mas sim em termos de limites de emissões”, disse ela ao Reset, por telefone, a partir de Nova York, onde integra a comitiva do governo brasileiro que participa da Semana do Clima. 

Ou seja, independentemente do setor de atividade, os maiores emissores terão um teto a respeitar. 

Segundo Toni, isso contempla inclusive a agropecuária, uma das grandes dúvidas que pairam hoje no mercado sobre o esquema de redução de emissões proposto.

Na avaliação do governo, que elaborou o substitutivo ao projeto de lei apresentado e relatado pela senadora Leila Barros (PDT-DF), “não importa qual o setor de atividade, é melhor olhar para valores emitidos. Dentro de todos os setores há quem emite pouco e quem emite muito”.

O texto prevê que limites serão impostos a negócios que lancem mais de 25 mil toneladas de CO2 equivalente por ano.

O entendimento entre especialistas é que a definição dos setores integrantes do mercado brasileiro seria feita numa etapa posterior de regulamentação. A abordagem seria progressiva, começando pelos setores de maior intensidade de carbono e aqueles em que há mais ferramentas de medição e controle – indústrias pesadas, como siderurgia e energia, por exemplo.

Nenhuma outra jurisdição impõe limites de carbono ao agronegócio. Mas o perfil das emissões brasileiras é distinto do de outros mercados, com uma forte participação das atividades agropecuárias no volume de gases lançados na atmosfera. 

Encontrar o equilíbrio entre a pressão dos ambientalistas, que querem regular o carbono emitido pelo agro, e os produtores, uma grande força exportadora representada pela poderosa bancada ruralista no Congresso, é um dos pontos que podem selar o destino do PL. 

O senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) apresentou emendas ao texto sugerindo a criação de um terceiro tipo de ativo negociado, as remoções líquidas de gases de efeito estufa.

Nos mercados já operantes, e também no projeto em discussão, existem dois ativos: as “permissões para poluir”, concedidas pela autoridade reguladora, e as reduções obtidas pelas empresas que fizeram o dever de casa. 

Um participante do mercado que emite além das permissões concedidas pelo regulador pode “fechar a conta” comprando as sobras de outra empresa que foi além de suas metas.

A emenda sugerida por Marinho abre espaço para que o agronegócio, em vez de ser penalizado, se beneficie da legislação. O setor emite e sequestra carbono ao mesmo tempo. Dependendo da como for contado o saldo de carbono, os produtores poderiam se tornar vendedores no mercado regulado.

Ana Toni diz que “as metodologias que fazem a contagem de gases estão mais atrasadas no agro do que, por exemplo, no setor de energia” e que é preciso que tudo isso esteja bem estabelecido para que o sistema seja equilibrado.

“Existem alguns parâmetros para definir quais os emissores que entrarão no mercado regulado, um deles é o volume de emissões, outro é das metodologias e métricas existentes.”

Governança

Sobre críticas que têm sido feitas ao papel do Comitê Interministerial de Mudanças Climáticas como órgão máximo na governança do mercado regulado brasileiro, Ana Toni diz que não faria sentido ser de outra forma. “O mercado regulado de carbono é um dos instrumentos da política climática, logo faz sentido que esteja dentro do CIM”, diz ela.

O CIM, diz ela, terá o papel na alocação das cotas de emissão. “Se a lei for aprovada como está, toda a regulamentação vai se dar por meio do grupo de trabalho de carbono dentro do CIM, o mesmo grupo informal dentro do governo que elaborou a proposta de mercado regulado, agora será formalizado dentro do comitê.”

O CIM é um órgão que já existia, mas estava inoperante. Agora no governo Lula, fez sua primeira reunião na última quinta-feira. Como o nome sugere, reúne representantes de vários ministérios, com a intenção de que a política climática seja transversal dentro do governo.

Uma das decisões tomadas pelo órgão na reunião da semana passada foi revisar a chamada pedalada climática que havia sido dada no governo Bolsonaro, que afrouxou a meta de emissão de gases brasileira, a chamada NDC. 

Na prática, o Brasil reassume o compromisso perante a Convenção do Clima da ONU de limitar suas emissões de gases de efeito estufa a 1,32 bilhão de toneladas de CO2 equivalente em 2025 e 1,2 bilhão de toneladas em 2030. Atualmente, o Brasil emite cerca de 1,7 bilhão de toneladas por ano – ou seja, a descarbonização ou aumento da captura de gases terá que ser da ordem de 500 milhões de toneladas/ano até 2030.

Uma vez redefinido o orçamento de carbono do país, diz Toni, o grupo de trabalho sobre o Plano Clima, dentro do CIM, terá a atribuição de definir os cenários de emissões para setores da economia e também desenhar planos e acordos para se chegar lá.

Desse GT sairão 8 planos setoriais para mitigação da emissão de gases e 14 planos de adaptação à mudança climática.

Em mitigação, os planos serão dos setores de mudança do uso da terra, agricultura e pecuária; cidades, energia, indústria, mineração, resíduos e transportes. Em adaptação estão contemplados agricultura, pecuária, biodiversidade, cidades, gestão de risco e desastres, indústria, energia, povos e comunidades tradicionais, população negra e povos indígenas, recursos hídricos, saúde, segurança alimentar, oceano e zonas costeiras e transportes.

A ideia é que os planos sejam apresentados até, no máximo, janeiro de 2025. Na sua visão, com cinco anos a partir disso para começar a entregar reduções, o prazo não é apertado.

“Claro que perdemos tempo nos últimos quatro anos. Mas o Brasil não está saindo do zero na corrida para descarbonizar. Já tem planos como o PPCDAm e o PPCerrado, além de planos para o setor de energia que estão sendo implementados. Mas queremos saber se podemos ser mais ambiciosos e detalhistas, qual a curva de descarbonização e quão acentuada ela pode ser.”

A ideia, diz ela, é começar olhando para intervalos de orçamentos de emissão para cada setor, trabalhar nos planos setoriais e ver se a conta do orçamento geral fecha ou se podem ser mais ambiciosos.

Segundo Toni, esse processo de construção dos planos será bastante participativo. “Todos os planos irão para consulta pública. E os ministérios que estão a cargo dos planos setoriais farão uma construção junto ao setor privado, academia e organizações da sociedade civil. A inteligência coletiva é sempre melhor do que uma única.”

A próxima reunião do CIM está marcada para novembro, para que o governo chegue alinhado à cúpula do clima em Dubai, a COP28.