O nanoinsumo brasileiro que promete uma macrorrevolução no campo

Resultado de quase uma década de pesquisas, nanopartícula da Krilltech reduz consumo de fertilizantes e melhora a fotossíntese

O nanoinsumo brasileiro que promete uma macrorrevolução no campo
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Num laboratório de apenas 200 m2 no bairro de Piatã, em Salvador, a Krilltech produz um novo tipo de insumo considerado uma das grandes apostas da agricultura brasileira para reduzir a dependência de fertilizantes – importados ou não.

O produto da startup não é um adubo. Nas palavras de Diego Stone, CEO da Krilltech, a empresa criou um “Biotônico Fontoura para as plantas”.

A referência tem mais de cem anos, mas a Krilltech está convencida de que tem nas mãos uma inovação que pode revolucionar a agricultura do século 21.

O produto se chama arbolina, uma nanopartícula que mede 3 nanômetros, ou três bilionésimos de um metro. Tecnicamente, não se trata de um nutriente, mas de uma substância que melhora o metabolismo das plantas – e que leva o nome de biorregulador vegetal.

No milho, por exemplo, a arbolina aumenta em 15% a absorção dos três principais macronutrientes usados na agricultura: nitrogênio, potássio e fósforo. A molécula já foi testada com sucesso em mais de 20 culturas, incluindo soja, milho, tomate e cacau.

O produto é tão novo e diferente, que teve de ser encaixado na categoria de fertilizantes organominerais do Ministério da Agricultura. Se os sistemas oficiais ainda não estão prontos para acomodar essa inovação, a importância dela para o setor é clara.

Eis o que diz o Plano Nacional de Fertilizantes, apresentado pelo governo federal há pouco mais de um mês, sobre a tecnologia da Krilltech (e que cita nominalmente a empresa): “A nanotecnologia emerge como uma alternativa promissora para impulsionar uma nova revolução agrotecnológica brasileira”.

Abrindo a porteira  

A história da Krilltech começou há dez anos nos laboratórios da Universidade de Brasília. Marcelo Rodrigues, professor do Instituto de Química da UnB, estudava nanopartículas que pudessem ser usadas para combater doenças de difícil tratamento.

A reorientação para o agronegócio aconteceu em 2014, quando a equipe participou de um evento na Embrapa. Os pesquisadores da agência enxergaram o potencial da tecnologia na lavoura e passaram a colaborar com os estudos.

(As patentes da Krilltech são divididas com a Embrapa e a UnB.)

Foram necessários mais quatro anos de tentativas e 31 protótipos até que Rodrigues e sua equipe chegassem à Krill A32 – depois batizada de arbolina.

Se pudesse ser vista a olho nu, a molécula seria uma semiesfera com diversos grupos funcionais em sua superfície, que agem principalmente em duas funções vitais da planta.

Uma delas é a regulagem da entrada de nutrientes através da membrana celular. “A arbolina age sobre uma proteína que ‘abre a porteira’ e deixa passar mais alimentos”, afirma Stone.

Outra é no ciclo de Calvin, uma das reações químicas da fotossíntese responsáveis pela conversão de CO2 em energia. Stone afirma que a eficiência desse processo pode aumentar em até 50% com a nanopartícula da empresa.

Além disso, a arbolina também age como antioxidante: a planta fica mais resistente a estresses hídricos e de temperatura.

Numa atividade econômica conhecida pela busca de ganhos marginais, Stone descreve resultados potenciais espetaculares em economia de insumos e ganhos de produtividade.

“Temos clientes que plantam café usando 25% menos fertilizantes e 33% menos pesticidas, sem afetar a produção”, afirma ele.

Durval Libânio Netto Mello, agrônomo e produtor de cacau em Gandu, no Sul da Bahia, diz que, com o uso da arbolina, sua produção foi a mesma ­– mas a quantidade de fertilizantes caiu pela metade.

Mello, que auxilia a Krilltech com testes mas não tem participação na companhia, aplicou o produto em cerca de 10% da sua área de cultivo. “O plano é aumentar [a área] aos poucos, mas acredito que chegue a 100%.”

Primeiro, a rentabilidade

O Arbolin Biogenesis e o Arbolin HFort foram liberados para comercialização há um ano. Desde então, Stone afirma que a Krilltech faturou R$ 2 milhões. No próximo ano, a receita pode até quintuplicar.

O foco inicial da companhia são culturas como tomate, feijão, alho e hortaliças. Os grandes clientes em potencial são as monoculturas, mas por enquanto essa não é a prioridade da empresa.

“É claro que se [os produtores de] cana ou soja nos procurarem não vamos dispensar”, afirma ele. “Mas agora estamos concentrados em culturas de margens melhores.”

A companhia ainda não identificou um aumento da procura relacionado à crise global de fertilizantes causada pela guerra na Ucrânia, mas o tema está no radar.

Até aqui, o negócio foi inteiramente financiado pelos fundadores. O investimento total foi de cerca de R$ 4 milhões. Em abril, começa o processo formal de levantar uma rodada de capital de risco.

O plano é aumentar a equipe no Brasil e também começar a sondar o mercado exterior. A startup já chama a atenção internacionalmente.

No ano passado, a Krilltech foi a grande vencedora de uma competição mundial de startups realizada pela KPMG. Em fins de março, foi uma das oito empresas novatas escolhidas – e a única do Hemisfério Sul –para fazer uma apresentação no World Agritech Innovation Summit, em São Francisco.

O uso da nanotecnologia no campo é aventado há muitos anos, mas só recentemente está se tornando realidade.

Uma das questões levantadas diz respeito à segurança tanto para o consumo humano como para o ambiente (como possíveis contaminações do solo ou do lençol freático pelas nanopartículas).

Stone afirma que a arbolina é completamente digerida pela planta em cerca de duas semanas e, mesmo que ingerida, não oferece risco nenhum de saúde.

A arbolina é composta por átomos de carbono, nitrogênio, oxigênio e hidrogênio, e as matérias-primas são resultado da fermentação de compostos orgânicos.

Algumas companhias usam nanopartículas parecidas com a desenvolvida pela startup brasileira para, por exemplo, entregar nutrientes de forma mais eficiente para a planta.

Mas o executivo diz que não há concorrentes que atuem no metabolismo vegetal e que já estejam produzindo industrialmente.

A Krilltech está prestes a lançar quatro outras nanopartículas, com funções mais específicas. Uma delas, por exemplo, pretende aumentar a absorção de fósforo.

A companhia já tem planos para dobrar a unidade de produção de Salvador – os 200 metros quadrados podem ser grandes em nanoescala, mas devem ficar pequenos para as ambições da Krilltech.