A Nestlé desenvolveu um novo café no Brasil – pensando no clima

Variedade promete mais produtividade e menos uso de insumos químicos – passos essenciais para que a empresa atinja suas metas climáticas  

Peneira cheia de café
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A Nestlé apresentou em julho a Star 4, uma nova variedade de café desenvolvida no Brasil durante dez anos com dois objetivos principais: oferecer aos cafeicultores mais produtividade e resistência a doenças.

Para uma das maiores compradoras de commodities agrícolas do mundo, criar uma rede de fornecedores e mantê-los satisfeitos é parte fundamental do negócio.

Mas investimentos em melhoria genética têm outra dimensão importante para a gigante suíça dos alimentos. Produzir mais grãos em menos hectares plantados é um elemento essencial para que a companhia atinja suas metas de corte de carbono.

A Nestlé se comprometeu a reduzir em 20% suas emissões de gases de efeito estufa até o fim do ano que vem e 50% em 2030, atingindo a neutralidade em 2050. A base de comparação é o ano de 2018.

O café Star 4 faz parte desse esforço, que também envolve iniciativas em outros países grandes produtores do grão. O Nescafé Plan, programa global de relacionamento com produtores, foi lançado em 2010 e agora está em uma nova fase, focada em impacto climático e agricultura regenerativa.

“Comparamos o Star 4 com o catuaí vermelho, o catuaí amarelo, o Bourbon, variedades muito comuns no Brasil”, diz Taissara Martins, gerente de ESG de cafés da companhia. “Houve uma redução de 36% a 41% nas emissões.”

A contabilidade do carbono numa fazenda é complexa, varia conforme a cultura e envolve inúmeros fatores, do diesel queimado por máquinas agrícolas aos CO2 que é liberado do solo dependendo das técnicas de plantio.

No caso do café, diz Martins, a maior parte do impacto climático acontece no campo, particularmente no uso de fertilizantes, com contribuições de herbicidas e inseticidas.

Uma variedade mais produtiva – que vai exigir menos adubação por saca de café – e resistente a pragas oferece um “combo” que é bom para o vendedor e o comprador.

Código aberto

O Star 4, um grão tipo arábica, é resultado de melhoramento genético tradicional. O projeto custou R$ 5,5 milhões e foi realizado em fazendas de São Paulo e Minas Gerais, em parceria com a Fundação Procafé, entidade sem fins lucrativos que apoia o desenvolvimento tecnológico do setor.

O novo cultivar pertence à Nestlé, mas a companhia olha para esse tipo de iniciativa como uma espécie de software de código aberto. Os produtores podem plantar o novo café sem custos.

Daqui em diante, o trabalho vai se dar em duas frentes interconectadas. A primeira é observar os resultados do Star 4 plantado em áreas maiores e em diferentes regiões do país.

A outra envolve o convencimento dos produtores. Martins diz que os cafeicultores brasileiros são menos conservadores que a média. “Ele experimenta bastante, está mais curioso.”

De qualquer modo, a expectativa é que o volume de grãos Star 4 suficiente para atender às enormes compras da companhia só esteja disponível daqui a quatro anos.

Um cafeeiro plantado hoje só vai dar fruto em dois anos, e as plantas podem durar mais de 20 anos. Fazendas que estejam fazendo essa renovação – chamada de reforma do cafezal – são uma porta de entrada importante.

Para o produtor, entretanto, o principal argumento acontece em termos econômicos. Além de despesas potencialmente mais baixas com insumos químicos, o Star 4 tem rendimento maior por área e produz grãos maiores.

Encontrar esse equilíbrio entre um bom negócio para quem está no campo e os ganhos climáticos trazidos pela nova planta será uma “construção”, nas palavras de Martins.

A ameaça climática

O foco principal do projeto Star 4 foi a chamada mitigação da mudança do clima, ou seja, emitir menos CO2 hoje para evitar problemas ainda maiores no futuro.

Mas existe outra preocupação importante: adaptar-se a condições climáticas que já afetam a agricultura.

Enquanto a demanda por café segue aumentando no mundo todo, existem estimativas que apontam uma redução pela metade nas áreas adequadas para o cultivo do café arábica, o mais valorizado e consumido no mundo.

“Existem muitas previsões sobre o futuro, de mudança de temperatura, de quantidade de chuvas. Tudo isso é baseado em ciência, mas não podemos considerar como fatos e sim tendências”, diz Marcelo Burity, responsável pela área de desenvolvimento de cafés verdes na Nestlé global.

“Esse é um risco que consideramos com muita seriedade”, diz o executivo, que fica baseado no Reino Unido.

Burity se ocupa de pensar estrategicamente toda a cadeia de abastecimento do café antes da sua chegada às fábricas.

A Nestlé tem quatro fazendas experimentais – duas no Equador, uma na Costa do Marfim e uma na Tailândia – para estudar variedades mais resistentes às condições climáticas futuras.

Ele descreve esses lugares como parques de variedades. “São variedades esquecidas, no sentido de não terem sido cultivadas porque têm produtividade menor ou [resultam numa] xícara de café de qualidade sensorial inferior.”

Hoje o mercado mundial é concentrado nos cafés arábica e robusta, porque são os que “funcionam melhor”, afirma Burity. Mas em pesquisas próprias e com institutos de governos de vários países, a empresa estuda alternativas.

Talvez surja uma combinação genética ótima que prospere em lugares com pouca disponibilidade de água. 

Outro aspecto menos destacado da mudança do clima é a incidência de doenças – alterações na temperatura podem levar ao aparecimento de pragas em regiões antes consideradas “imunes”.

Embora exista um risco real de um “choque do café”, Burity acredita que o Brasil, responsável por quase 40% do café produzido no mundo, tem a capacidade técnica para se adaptar.

“Se não somos os melhores, estamos entre os melhores em termos de pesquisa agrícola e temos os canais para levar a inovação e a pesquisa para a mão do produtor.”