OPINIÃO

A Petrobras, o Brasil e a maldição de chegar atrasado

Não basta o governo declarar que vai combater a mudança climática se a política energética continua privilegiando a exploração de petróleo e gás

Plataforma de petróleo no Rio de Janeiro
A A
A A

O G7, grupo das nações mais desenvolvidas do planeta, composto por Estados Unidos, Alemanha, França, Japão, Itália, Reino Unido, Canadá e mais a União Europeia, que também são altamente dependentes de petróleo e gás, divulgou recentemente o objetivo compartilhado de acelerar a redução dos subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis e triplicar o investimento em fontes energéticas renováveis.

Os impactos da mudança climática tornam cada vez mais urgente uma rápida transição da economia para o baixo carbono, como nos lembra a tragédia em curso no Rio Grande do Sul desde o final do mês passado.

O Brasil está numa contradição. Por um lado, tem uma oportunidade única de redefinir seu futuro energético e posicionar-se como líder em desenvolvimento sustentável, ostentando a matriz energética mais limpa entre as grandes economias.

Por outro, a estratégia energética nacional planeja não apenas manter, mas expandir a exploração e produção de petróleo e gás. A intenção do governo de aumentar a dependência de combustíveis fósseis, aspirando a tornar-se o quarto maior exportador de petróleo do mundo até 2030, compromete a descarbonização da economia brasileira.

Não basta um Ministro da Fazenda ou um presidente do Banco Central anunciar que vai combater a inflação sem alinhar as políticas fiscal e monetária. Também não basta um governo declarar que vai combater a mudança climática sem alinhar as políticas públicas, incluindo a política energética, para efetivar a transição para o net zero.

Discurso x prática

A atual falta de alinhamento nas políticas brasileiras reflete uma profunda desconexão entre o discurso e a prática, o que pode atrasar significativamente o país nesta corrida global.

Os planos do Ministério de Minas e Energia, expressos na consulta pública sobre como a indústria de óleo e gás pode contribuir na transição energética, enviaram sinais relevantes para o mercado de capitais, revelando mitos que podem atrasar a transição energética brasileira.

A queda de braço que levou à derrubada do presidente da Petrobras foi outra indicação clara de que o MME e setores do governo estão decididos a dobrar a aposta nas fontes de energia que o mundo quer deixar para trás.

Enquanto isso, a sociedade recorre à justiça em múltiplas jurisdições para retirar a licença social do setor, como último recurso para garantir o direito universal a um clima equilibrado. Para os 540 mil gaúchos desabrigados, isso representa o direito à moradia segura; para os 150 mortos, a segurança climática teria significado o direito à vida.

Persiste a mística de que petróleo e gás são indispensáveis para a segurança energética e estabilidade econômica, e emerge na narrativa do setor, com uma década de atraso, o mito do gás como combustível de transição.

No entanto, o fato é que essas duas fontes estão entre as mais caras da matriz energética brasileira e só se viabilizam com centenas de bilhões de reais por ano em subsídios.

Dinheiro do contribuinte que, ao deixar de ser arrecadado, amplia os lucros das empresas de petróleo e gás e ao mesmo tempo reduz o espaço fiscal para investimento público em saúde e educação – sem contar os potenciais efeitos negativos na expansão das fontes renováveis, na inovação e na implementação do plano de transformação ecológica.

A oportunidade do século

A política energética atual do Brasil pode impedir que aproveitemos a maior oportunidade do século. Resta a pergunta: estamos perdendo a chance de emergir como a primeira superpotência sustentável do mundo?

O potencial é imenso: reduzir a dependência de combustíveis fósseis importados, como o óleo diesel, tornar-se um centro de tecnologia e produção verde, exportar energia renovável na forma de hidrogênio verde, amônia verde e combustível sustentável para aviação (SAF) até a metade deste século.

Superar os mitos propagandeados pelo setor de óleo e gás aceleraria o crescimento econômico, geraria mais empregos, aumentaria o poder de compra do brasileiro, fomentaria a inovação tecnológica e alavancaria trilhões em investimentos.

Quanto custará em competitividade negligenciar a corrida tecnológica em curso ao não abraçarmos a transição energética nesta década?

Apesar de a tecnologia estar disponível, falta o alinhamento do capital e a vontade política para implementar rapidamente a transição em larga escala. Quais serão os resultados desta falta de alinhamento na atração de investidores que buscam se posicionar de acordo com os cenários de transição para o net zero até a metade do século?

Para sermos líderes de fato, precisamos repensar a política energética, investir pesadamente em energia renovável e em infraestrutura resiliente, além de fomentar parcerias público-privadas que priorizem a sustentabilidade a longo prazo em vez de ganhos de curto prazo.

A jornada do Brasil em direção a um futuro sustentável não é apenas sobre aprimorar sua matriz energética; é sobre estabelecer um padrão de desenvolvimento econômico que incorpore melhores práticas de governança corporativa, inclusive nas empresas sob controle estatal, e leve em conta os fatores de riscos relacionados à mudança do clima, para que as decisões sejam baseada em evidências científicas.

Cenários climáticos precisam guiar governantes, empresários e cidadãos em suas decisões para o Brasil superar a maldição de chegar atrasado.

* Gustavo Pinheiro é associado-sênior no think tank internacional E3G, sócio-fundador do Grupo Triê, cofundador do Instituto Triê, Instituto Cerrado do Brasil, Convergência pelo Brasil e Investidores pelo Clima. Conselheiro na Climate Ventures.