REFLORESTAMENTO

São Paulo quer atrair recursos privados para restaurar a natureza – mas não com concessões

Com programa de pagamento por serviços ambientais, Estado pretende reduzir a complexidade dos modelos adotados pelo Pará e pela União

São Paulo quer atrair recursos privados para restaurar a natureza – mas não com concessões

Reflorestar é uma atividade cara e complexa. Alguns Estados e a União buscam parcerias com a iniciativa privada para viabilizar esse tipo de iniciativa. O Pará fez o primeiro leilão de concessão de áreas públicas para restauração florestal, com remuneração baseada em créditos de carbono

São Paulo quer testar um caminho um pouco diferente. 

O governo paulista está preparando um contrato administrativo de Pagamento por Serviços Ambientais, o chamado PSA. Esse modelo, mais “flexível” e menos complexo que uma concessão típica, envolve a contratação de serviço ambiental por uma empresa privada, que não assume responsabilidade de longo prazo pela área.

O processo licitatório é mais simples e alguns dos riscos são compartilhados com o poder público. 

Esse instrumento está previsto na Lei de PSA, de 2021, que abriu caminho para remunerar atividades que promovam a conservação ou a restauração da natureza, permitindo que ela siga “prestando serviços”: água limpa nos rios, ecossistemas saudáveis e carbono sequestrado da atmosfera. 

“A legislação tornou possível projetos de restauração e conservação com menos burocracia e mais incentivos financeiros, o que ajuda a atrair capital privado”, diz Rodrigo Levkovicz, Diretor Executivo da Fundação Florestal, braço da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil) do Estado de São Paulo, responsável pelo projeto.

A iniciativa foi anunciada em setembro e está em consulta pública. A ideia é receber contribuições dos eventuais interessados sobre vários pontos, como as áreas que geram mais interesse, a duração e detalhes jurídicos dos contratos propostos.

“Esse é o momento de ouvir as empresas e ajustar as métricas, se necessário, para garantir que sejam viáveis e eficazes. Temos que encontrar um equilíbrio para que os projetos não fiquem travados”, diz Levkovicz

Na etapa seguinte, será lançado um edital de concorrência com as áreas com mais atratividade para que as empresas enviem seus projetos de restauração. Ainda não há prazos definidos para essa fase. 

Parceria em campo

São Paulo soma 44 mil hectares de áreas para restauração, disponíveis para consulta na plataforma da Fundação Florestal. Elas são unidades de conservação, florestas estaduais e outras terras públicas.

Como no caso paraense e nos editais do governo federal (ainda não publicados), a principal fonte de receita para os vencedores dos leilões é a geração de créditos de carbono. Mas o modelo adotado por São Paulo tem diferenças importantes.

A responsabilidade sobre as terras segue sendo da Fundação Florestal. Também ficam a cargo do Estado a segurança e a resposta a incidentes, como incêndios. Às empresas vencedores caberão monitoramento e ações preventivas.  

“Quem vai fazer o reflorestamento nem sempre tem expertise para lidar com ocupação ilegal, queimadas ou ações do crime organizado. O PSA ajuda a mitigar esses riscos”, afirma Tatiana Cymbalista, advogada do escritório Manesco, que apoiou o desenho do projeto paulista. 

Essa alocação de riscos, diz Cymbalista, é um incentivo extra para eventuais interessados. “Se as empresas podem se concentrar no serviço ambiental, o projeto fica mais simples e atraente”, explica Marina Monné, sócia e gerente de carbono da Eccon, consultoria que auxiliou na formulação do projeto. 

A “entrega” dos vencedores dos editais está estabelecida. “Definimos métricas claras: queremos 80% de cobertura florestal ao final de 40 anos, com pelo menos 3 mil indivíduos por hectare e 30 espécies nativas”, afirma Levkovicz. 

As empresas deverão apresentar estudos técnicos para avaliar o potencial de geração de créditos e definir o tipo de atividade a ser realizada, o que depende do grau de degradação de cada área.

Em busca de escala

Diante dos 7,5 milhões de hectares de áreas degradadas, as iniciativas em andamento ainda são uma gota no oceano.  A esperança é que esses novos modelos de parceria público-privada possam comprovar sua viabilidade e se multiplicar.

Isso vai depender em parte dos rumos do mercado de carbono. Os ativos gerados nesse tipo de projeto são vendidos no chamado mercado voluntário, para empresas que querem compensar suas emissões mesmo sem estarem sujeitas a obrigações regulatórias.

Créditos de atividades de reflorestamento, que efetivamente removem CO2 da atmosfera, têm tido bom desempenho em comparação com os de conservação, que representam carbono que deixou de ser emitido.

Tipicamente, os compradores são grandes empresas estrangeiras. Mombak, Re.green e Symbiosis, startups desse negócio nascente, têm fechado contratos de venda com Big Techs como Google, Microsoft e Apple

Mas a demanda pode vir de bem mais perto, diz Yuri Rugai Marinho, CEO da Eccon. “Muitas empresas preferem créditos gerados no mesmo bioma onde emitem carbono”, afirma ele. “Como São Paulo concentra muitas indústrias, créditos ‘locais’ pode aumentar a atratividade [desses ativos].”

Ele acredita que os volumes não serão muito grandes, mas o Estado como parceiro pode representar uma credibilidade adicional. E, como as áreas são públicas, não há riscos relacionados à propriedade da terra, um dos grandes desafios no país e particularmente na Amazônia.

Em termos de impacto, a restauração em São Paulo não se compara ao que pode ser alcançado em outras regiões do país. Mas Marinho afirma que o programa tem importância simbólica.

O Estado costuma ser visto como “área de produção e indústria”, diz ele. “Fazer um programa de restauração na Mata Atlântica, um dos biomas mais degradados, tem um peso enorme. É fazer a lição de casa”.