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A 'dieta fitness' dos bois para combater o aquecimento global

O metano lançado na atmosfera pelo arroto do boi acelera o aquecimento global. Algas marinhas, spas e impostos aparecem como soluções

A 'dieta fitness' dos bois para combater o aquecimento global

O consumo de carne é um problema para o planeta. Cerca de 10% dos gases de efeito estufa são provenientes dos arrotos dos bois. No Brasil, o número chega a 17%. É um sinal de alerta de que a produção de leite e de carne no mundo precisa mudar.

A digestão dos bovinos gera metano, que tem um potencial de aquecimento 80 vezes maior que o CO2. Com um dos maiores rebanhos do mundo, o Brasil tem mais bois e vacas do que humanos: são 240 milhões de cabeças de gado espalhadas pelo país emitindo gases de efeito estufa.

O rebanho brasileiro lançou o equivalente a 400 milhões de toneladas de carbono na atmosfera em 2022. O planeta possui, aproximadamente, um bilhão e meio de cabeças de gado no mundo, segundo Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura.

As emissões do gado brasileiro são praticamente iguais a todas as emissões do Reino Unido, a sexta maior economia do mundo. Quase um quinto da contribuição brasileira ao efeito estufa nasce no aparelho digestivo dos bois e vacas. Se fosse um país, o rebanho brasileiro seria o 24º maior emissor do mundo, logo à frente da Argentina.

Pastagens degradadas

A maior parte do pasto brasileiro é muito mal cuidada. São 40 milhões de hectares de pastagens degradadas, um território equivalente à Alemanha e Áustria. São áreas de baixa produtividade, quase sempre sem vegetação, proliferação de plantas daninhas e com uso frequente e inadequado de fogo. O Brasil, portanto, produz menos carne do que poderia no espaço já utilizado pela pecuária, o que motiva a abertura de novas áreas.

A má qualidade da dieta agrava o problema da fermentação entérica. Esse é o nome técnico do que acontece no rumen, a parte do aparelho digestivo dos bovinos de onde vem o termo ruminante. 

Para mitigar o problema, é preciso cuidar melhor da alimentação dos bois e vacas do Brasil. Ricardo Andrade Reis é professor titular do Departamento de Zootecnia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e aponta que dietas de rações à base de grãos geram menos metano. Mas a pecuária brasileira é, predominantemente, alimentada por pasto.

“As folhas são as fábricas de nutrientes da planta. Se eu corto um capim com alta proporção de folhas jovens, eu forneço para o animal uma grande quantidade de folhas com alta proporção de açúcares solúveis e fibra digestível, com pouca lignina [parte fibrosa que bois não digerem completamente]”, afirma.

Soluções

Engordar boi é prioridade para os produtores. Se o animal cresce rápido, ele pode ir para o abate mais jovem. O Luiz Fernando Laranja é pecuarista e empreendedor e está focado na pecuária de baixo carbono em sua empresa, a Caaporã. Ele quer produzir o que chama de Planet Based Diet, em alusão aos produtos plant-based, como os hambúrgueres feitos apenas com vegetais.

A ideia é que com o pasto bem cuidado, os animais vão desperdiçar menos energia e vão engordar mais rápido. O plano também envolve colocar mais cabeças de gado numa mesma área. A média brasileira é de mais ou menos um boi por hectare – Laranja quer aumentar este número para três ou quatro. E onde não tiver boi, a aposta será no reflorestamento.

“Hoje nós estamos com cerca de 3.500 cabeças, mas o potencial de alojamento de animais vai ser de cerca de 10 a 11 mil cabeças. A nossa ideia é chegar em 2030 com cerca de 50 mil hectares de área total, cerca de 25 mil hectares de pastagens”, estima Laranja.

Criar gado assim custa bem mais caro. Ele espera que uma parte da conta seja paga vendendo créditos de carbono, pois o rebanho irá emitir menos metano. A Caaporã está participando de um projeto piloto para isso. Renata Potenza, coordenadora de projetos climáticos do Imaflora, avalia que a conta do carbono da pecuária brasileira tem que ser feita em termos de produtividade. Ou seja, produzir mais em menos espaço e em menos tempo.

“Eu reduzo meu metano e consigo manter ou aumentar a quantidade produtiva, além de reduzir a pressão por abertura de novas áreas. Então eu estou otimizando o uso da terra e mensurando as toneladas de emissões de gases por quilo”, diz. O Imaflora está na fase final de desenvolvimento de uma nova metodologia, que precisará receber o carimbo da Verra, maior certificadora de carbono do mundo.

Já a australiana Ruminate quer descarbonizar 100 milhões de cabeças de gado até 2030. E utilizando algas marinhas. Pesquisas mostram que o composto bromofórmio, presente em um tipo de alga vermelha, reduz a produção de metano na digestão bovina. A Ruminate descobriu como sintetizar o bromofórmio em laboratório. 

A ideia recebeu investimentos do fundo de venture capital do fundador da Microsoft, Bill Gates, e da gestora brasileira Good Karma Partners. Um dos sócios do fundo, Rafael Falcione, afirma que dois avanços da Ruminate selaram o investimento: a estabilização do bromofórmio e as diferentes versões do produto, como o óleo e o pó. Apesar disso, ele não vê a pecuária brasileira ganhando mais dinheiro por ser mais sustentável em um futuro próximo.

“O mercado ainda não está maduro o suficiente para precificar esse prêmio verde”, aponta. O suplemento está em fase de testes e precisa de uma autorização do Ministério da Agricultura e da Pecuária. Outro suplemento, o Bovaer, da empresa holandesa DSM, já recebeu autorização para uso.

Spa para vacas

Não dá para falar de pecuária sem falar de leite. O Brasil é o terceiro maior produtor do mundo. São 34 bilhões de litros por ano que empregam 4 milhões de pessoas, a maioria em propriedades pequenas e médias. Uma parte considerável dessa produção é comprada por grandes empresas – que já estão sendo cobradas para diminuir o impacto climático.

Bárbara Solero, gerente executiva de agricultura regenerativa da Nestlé, conta que a empresa tem como meta cortar as emissões globalmente em 20% até o fim de 2025 e reduzir o impacto climático total em 50% até 2030. E alcançar o net zero em 2050.

A Fazenda Retiro, na cidade Gameleira de Goiás (GO) recebe apoio da Nestlé para entregar um produto que ajude a empresa a atingir esses objetivos. A Retiro adota técnicas de agricultura regenerativa, reciclam água e melhoram a qualidade do solo com adubos orgânicos produzidos lá mesmo, o que reduz o uso de fertilizantes tradicionais, que emitem óxido nitroso, um outro gás de efeito estufa. 

As vacas ficam em um galpão que mais parece um spa. O espaço possui dezenas de ventiladores, ligados o tempo todo, e mangueiras que borrifam água. O motivo: o animal que passa calor gasta mais energia para regular a temperatura do corpo. E isso afeta a produção de leite. A dieta também é toda desenhada especificamente para o estágio da lactação. Metade do custo da fazenda é com a alimentação do rebanho. Vacas sossegadas, comendo direito, são mais produtivas.

Mais litros de leite com o mesmo rebanho diminui a intensidade de carbono comprado. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), as vacas no Brasil produzem cerca de 6 litros de leite por dia. Na Fazenda Retiro, são 36. Um fator decisivo para mudança toda que aconteceu na Fazenda Retiro foi a volta do filho Gustavo Dutra da cidade.

Ele se formou em engenharia, mas percebeu que outros produtores vizinhos estavam usando técnicas novas. E ele convenceu o pai, o Valdinei, a mudar. Um extra que a Nestlé paga também ajudou. No mercado, o preço médio de um litro de leite é de aproximadamente R$ 3. A Retiro recebe 15 centavos a mais que isso. A remuneração é pelo pacote completo, a redução da intensidade de carbono do leite e também o uso de práticas regenerativas.

Os frigoríficos, que são os grandes compradores da cadeia produtiva da carne, também têm um papel a cumprir. Hoje, empresas como JBS, Marfrig e Minerva buscam garantir que os animais comprados não tenham passado por nenhuma área desmatada.

Na Amazônia, é muito comum que bois passem por várias fazendas diferentes antes de chegar ao frigorífico, onde ele vai ser abatido. O rastreamento completo da vida do animal, para ter certeza de que os fornecedores não estão derrubando florestas, é  importante, mas complexo.

A Marfrig foi a primeira empresa do setor a receber o selo da SBTi, que avalia se os planos net zero das empresas estão alinhados com a melhor ciência. O plano da Marfrig é reduzir 33% das emissões de carbono de cada animal abatido nos próximos 10 anos.

Na Dinamarca, o plano é mais radical. O país vai ser o primeiro do mundo a cobrar um imposto sobre o arroto do boi. A taxação entra em vigor daqui a 5 anos. A expectativa é que os fazendeiros tenham que pagar alguma coisa como 100 dólares por animal por ano só por causa do metano que eles emitem.

A Dinamarca não tem um grande rebanho de corte como o Brasil, mas eles têm muita vaca leiteira. A ideia é que esse imposto do arroto, além de funcionar como um incentivo para que os fazendeiros adotem práticas mais sustentáveis, gere dinheiro para ajudar a Dinamarca a cumprir as metas climáticas do país.

A Nova Zelândia tentou algo parecido, mas teve que desistir da ideia depois da reclamação dos pecuaristas.