COLUNA - JULIEDA PUIG

Sustentabilidade competitiva: Europa está correndo atrás, e o Brasil?

União Europeia vê o tema como um desafio urgente e podemos nos beneficiar não só das lições, mas também dos planos de sustentabilidade do bloco 

Sustentabilidade competitiva: Europa está correndo atrás, e o Brasil?

“Se a Europa não conseguir se tornar mais produtiva, seremos forçados a fazer uma escolha. Não poderemos, ao mesmo tempo, ser líderes em novas tecnologias, um farol de responsabilidade climática, e um ator independente no cenário mundial. Não conseguiremos financiar nosso modelo social. Teremos que reduzir algumas, se não todas, nossas ambições. Este é um desafio existencial”, disse Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, na apresentação do relatório “O Futuro da Competitividade Europeia”. 

No artigo anterior abordei o conceito de sustentabilidade competitiva do ponto de vista de empresas. Neste, mostro que ele vale também para países. Mais que um conceito, é talvez a única forma de enfrentar esse desafio existencial, como alerta Draghi, num tom quase dramático. Ou mudamos ou ficamos irrelevantes.

A Europa entendeu isso e está se movimentando. Muito se falou sobre os aspectos negativos do Omnibus ESG, um pacote de propostas para simplificar as regras ESG na Europa. É verdade que houve redução de escopo, alguns retrocessos e que os desafios informacionais permanecerão por um tempo. Mas também há muitos aspectos positivos. Quem compreender o conceito de sustentabilidade competitiva enxergará o porquê e as oportunidades nessas mudanças.

Neste artigo, discutiremos: (1) o contexto das mudanças na Europa; (2) as conclusões do Relatório Draghi, que embasou o Omnibus ESG; (3) os aspectos positivos para o Brasil com essa mudança na regulamentação europeia; e (4) as lições de competitividade para o Brasil.

O contexto das mudanças

É importante deixar claro que essas mudanças não são reações à volta de Donald Trump à Casa Branca e não têm relação alguma com a guerra ideológica recente contra o ESG. 

O Relatório Draghi, encomendado há anos pela Comissão Europeia ao economista Mario Draghi, identificou os principais desafios europeus e propôs soluções para a competitividade do continente. 

Europe Compass, lançado em janeiro de 2025, aceitou as conclusões e traduziu as recomendações do relatório em ações concretas, sendo o Omnibus ESG uma delas, publicado em fevereiro passado. 

As conclusões do Relatório Draghi

A Europa representa 17% do PIB mundial e possui 400 milhões de consumidores, com os mais altos índices de desenvolvimento humano e governança entre as grandes economias. No entanto, enfrenta desafios críticos. Num contexto onde o comércio mundial está se contraindo, o mundo se fechando, os conflitos geopolíticos se acentuando e as mudanças tecnológicas se acelerando como nunca, essa “encruzilhada histórica” encontra uma Europa com:

  • A economia mais aberta do mundo (50% do PIB vem do comércio exterior, contra 37% da China e 27% dos EUA) e altamente dependente de importações de tecnologia e suprimentos críticos;
  • Baixa capacidade inovativa (apenas 4 das 50 maiores empresas de tecnologia em valor de mercado são europeias);
  • Um custo de energia duas a três vezes maior que nos EUA e China;
  • 70% do crescente gap do PIB europeu em relação aos EUA é explicado pela baixa produtividade do trabalho.

A solução? Segundo o Relatório Draghi, crescer e aumentar a produtividade ao redor de três pilares principais: inovação digital, descarbonização (sustentabilidade) e defesa. 

O que isso significa para o Brasil

A principal boa notícia é que, para enfrentar esse desafio, a sustentabilidade permanece como eixo fundamental do novo plano de crescimento e competitividade. Mesmo com a Europa sob literal ataque – militar e comercial –, os compromissos de sustentabilidade não foram praticamente tocados. Isso, por si só, dado o contexto, já é impressionante. 

O Omnibus ESG reafirma o compromisso com as metas climáticas (neutralidade até 2050), com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU até 2030 e mantém o princípio da dupla materialidade, um conceito central se queremos um novo capitalismo.

Os pontos abaixo são as principais implicações do Draghi e da Omnibus para o Brasil:

  • “Europe is open for business”: A Europa busca novos parceiros comerciais e de investimentos, fortalecendo acordos como o EU-Mercosul e investindo diretamente em setores críticos como energia e digitalização. O Brasil, com recursos naturais abundantes e uma matriz energética limpa, tem uma grande oportunidade de se posicionar como parceiro de negócios e rede de suprimento confiável, como fonte de segurança alimentar e como líder em tecnologias sustentáveis, como os biocombustíveis (em tempo: a luta para o etanol entrar na taxonomia verde tem que ser incansável e, o acordo em torno do combustível sustentável de aviação (SAF) feito com o Japão esta semana mostra que estamos bem atentos)
  • “A simpler and faster Europe”: O Omnibus facilita a inserção de empresas brasileiras menores nas cadeias de exportação para a Europa ao simplificar e reduzir exigências burocráticas (cerca de 30%), minimizando um pouco os riscos de protecionismo verde. 
  • Money, money, money: Para atingir seus objetivos, estima-se que a Europa tenha que mobilizar investimentos da ordem de 5% do PIB anual (comparado de 1% a 2% no Plano Marshall). Um caminhão de dinheiro bem ali para quem ganhar a confiança de investidores, governos e empresários.

Lições de competitividade

Se a Europa, que está à frente de nós, vê a competitividade como um desafio urgente, como deveria se posicionar o Brasil nessa corrida?

Para tentar responder a essa questão, analisei o Global Sustainable Competitiveness Index (GSCI), um dos indicadores disponíveis no site de sustentabilidade da Comissão Europeia. O índice avalia países em seis dimensões: capital natural, social, intelectual e econômico, governança e eficiência de recursos.

O Brasil ocupa a 65ª posição entre 180 países. A Europa domina o topo, com Alemanha (15ª) e França (18ª). Os EUA aparecem em 32º, a China em 30º, enquanto a Índia está bem atrás, em 121º. Se criássemos um “Brazil Compass”, para onde nossa bússola deveria apontar? O gráfico abaixo dá algumas dicas.

Nota: ‘Sustentabilidade competitiva’ e ‘Competitividade sustentável’ são variações (técnicas) de um conceito similar que não vou abordar aqui.

Principais desafios

Os gaps negativos que precisam ser atacados incluem, nessa ordem (se avaliados pela nossa distância da média europeia):

  • “Reduzir significativamente” em relação à média europeia (cerca de 20 pontos no índice de cada categoria)
    • Capital social – nosso maior calcanhar de Aquiles, como esperado – estamos inclusive abaixo da Índia nesse quesito. Aqui os economistas se encontram com os sociólogos. Não existe progresso econômico e competitividade sem progresso social. Nada novo.  
    • Governança – envolve pontos difíceis de solucionar, como ética e eficiência governamental. Neste último, o Brasil está entre os piores entre as maiores economias, segundo o indicador Government Effectiveness do Banco Mundial. Mas também tem a ver com simplificação de ambiente de negócios, onde, sim, temos mais instrumentos para atuar no médio prazo. 
  • “Reduzir”  em relação à média europeia (cerca de 10 pontos)
    • Capital intelectual e inovação – Áreas centrais na agenda de competitividade – um candidato forte para concentrar recursos públicos nesse contexto de restrição fiscal, principalmente tendo em vista que o gap não é da magnitude dos anteriores. 
    • Capital econômico – O resultado de tantos outros gaps manifesta-se na baixa produtividade do trabalho.
    • Eficiência no uso de recursos naturais – Não tão distante da média, dada a nossa abundância de recursos e matriz limpa,  mas com margem para melhora.

Vantagens Estratégicas 

Por outro lado, o indicador evidencia a grande vantagem comparativa do Brasil em capital natural e dá uma dimensão clara do que significa quando falamos que o Brasil tinha – e ainda tem – o potencial de liderar o que muitos chamam de revolução verde. O desafio é saber se estamos preservando e alavancando ao máximo essa vantagem. 

Incrível o país conhecido como querer levar uma feia “vantagem em tudo” correr o risco de perder essa – literalmente bela –   vantagem “autorizada” por Deus.  

Finalmente, ainda como ponto positivo: em quase todos os quesitos, seguimos à frente de concorrentes estratégicos na disputa por cadeias de suprimentos alternativas, como, por exemplo, a Índia. Outra vantagem que deveria ser um dos pontos centrais da busca brasileira por relevância econômica. 

Conclusão: totalmente obcecados  

Se a Europa, já tão avançada nos rankings de competitividade sustentável, está obcecada em melhorá-la, com que grau de afinco o Brasil deveria perseguir esse mesmo objetivo?

No meu mapeamento das iniciativas do documento“25 prioridades para a agenda econômica do governo até 2026”, identifiquei propostas que poderiam ajudar a enfrentar os desafios de competitividade nas seis áreas prioritárias do The Global Sustainable Competitivenes Index.

Há iniciativas bem-vindas para quase todos os desafios. Tenho menos esperança em uns (capital social e governança) do que em outros (capital natural e econômico). Mas a virtude da proposta do ministro da Fazenda Fernando Haddad em incluir tantos pontos da agenda de sustentabilidade na agenda econômica, como fator de competitividade, tem que ser devidamente reconhecida.

O que resta saber é se teremos a mesma determinação na implementação. Aliás, não seria nem determinação. No mínimo, obsessão como tem a Europa. Qualquer que seja o termo escolhido, uma postura de radical urgência é necessária para nos tornarmos relevantes. Potencial temos. Obsessão? Ainda não sei.