EXCLUSIVO: Nove bancos são contemplados no 1º leilão do Eco Invest

Itaú, HSBC e Santander lideram maiores alocações; HSBC, Bradesco e Citi ofertaram as maiores alavancagens

Mario Gouvêa, coordenador do programa Eco Invest, do Tesouro Nacional, detalha resultados do leilão
A A
A A

O Tesouro Nacional contemplou nove bancos no leilão de linha de crédito subsidiado para financiar projetos da economia verde como parte do Eco Invest, programa do governo federal para atrair capital estrangeiro privado para a descarbonização da economia.

A linha de crédito leiloada foi na modalidade conhecida como blended finance, em que o capital catalítico (filantrópico ou subsidiado) entra para reduzir custos ou mitigar riscos, atraindo recursos privados em maior escala.

O Tesouro vai entrar com capital público catalítico de R$ 6,8 bilhões e os bancos vão buscar outros R$ 37,6 bilhões em capital privado para os projetos, num potencial de investimentos total de R$ 44,3 bilhões. Ou seja, uma alavancagem média de 6,5 vezes o capital catalítico. 

Itaú, HSBC e Santander ficaram com as maiores alocações de recursos, refletindo o volume de ofertas que fizeram. Já os bancos mais agressivos em termos da alavancagem oferecida foram o HSBC, que propôs, na média, multiplicar o capital em 8 vezes, Bradesco, com alavancagem média de 7,2 vezes, e Citi, com 6,6 vezes. 

O primeiro critério de seleção dos bancos era a capacidade de alavancagem. Mas o Tesouro acabou optando por contemplar todas as propostas, uma vez que havia orçamento disponível para isso. No entanto, vai dar prioridade àqueles que ofereceram maior alavancagem na hora de desembolsar o dinheiro. 

Confira abaixo o resultado por instituição:

Instituição Capital catalítico (R$ milhões)Alavancagem (R$ milhões)Investimento total (R$ milhões)
Itaú1.3506.8008.150
HSBC9006.3507.250
Santander1.1105.7006.800
Caixa9505.1506.100
Banco do Brasil8004.0004.800
Citi6123.4454.057
Bradesco5003.1003.600
BNDES5002.5003.000
Safra100500600
Total6.81137.54544.357
Fonte: Tesouro Nacional

As informações foram divulgadas pelo Tesouro em primeira mão no evento “Finanças Climáticas no Brasil: dos milhões aos bilhões”, realizado pelo Reset em parceria com a ERM, nesta segunda-feira (25), em São Paulo. 

“Vamos liberar os recursos, 25% dos R$ 6,8 bilhões, nos próximos meses, para os bancos começarem a mobilizar o capital externo e investir em projetos. Quem deu alavancagem mais alta recebe primeiro e vamos liberando o restante em tranches”, diz Mario Gouvêa (à esquerda na foto), coordenador do programa Eco Invest Brasil, no Tesouro Nacional. 

“É esperado que em 24 meses as instituições financeiras apresentem toda a mobilização de capital e investimento nos projetos.”

O leilão tem 19 setores elegíveis para investimentos, de biocombustíveis a produtos florestais, passando por indústria de baixo carbono, agropecuária sustentável, edifícios resilientes e captura de carbono. 

Conforme as atividades listadas nos relatórios de pré-alocação apresentados pelos bancos, projetos de transição energética devem responder por 49% dos investimentos totais (R$ 21,8 bilhões), economia circular por 29% (R$ 12,9 bilhões), bioeconomia e sistemas agroalimentares por 12% (R$ 5,3 bilhões) e infraestrutura e adaptação à mudança do clima por 10% (R$ 4,3 bilhões). 

“O programa foi lançado há um ano e já tem resultados tangíveis, que superam muito as expectativas iniciais, tanto em participantes quanto em diversificação”, diz Eduardo Sierra (ao centro na foto), especialista sênior em mercados financeiros do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que é parceiro do Tesouro no programa para a oferta de instrumentos de proteção contra a variação cambial.

Próximos leilões

Os próximos leilões do programa devem ser temáticos, direcionando recursos para demandas prioritárias. O segundo já tem tema definido: recuperação de pastagens degradadas

“Faz muito sentido para o Brasil, pois temos muita terra não utilizada e existe uma pressão sobre floresta muito grande, então podemos tirar um pouco essa pressão com a recuperação de pastagens e puxar setores que possam trazer maior valor agregado”, diz Gouvêa, do Tesouro.

O órgão está trabalhando com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e o Ministério do Meio Ambiente para definir as regras do leilão e abrir o processo para recebimento de propostas dos bancos por volta de março de 2025. 

O Itaú já está de olho na próxima concorrência. A ideia do banco é direcionar os recursos para o Reverte, programa de recuperação de solos degradados da Syngenta e da The Nature Conservancy (TNC), em que é parceiro financeiro. 

“O programa já destinou R$ 1 bilhão e acreditamos que facilmente conseguimos chegar a R$ 10 bilhões, porque existe muito espaço”, diz Luciana Nicola, diretora de relações institucionais e sustentabilidade do Itaú Unibanco. 

Os temas das outras edições do leilão ainda não estão definidos, mas o coordenador do programa diz que tem recebido “provocações” sobre uma versão voltada para a transição energética de data centers. O crescente uso de inteligência artificial demanda uma quantidade descomunal de eletricidade. 

O Tesouro tem R$ 10 bilhões em orçamento para leilões do Eco Invest para o ano que vem. 

“O primeiro leilão é um demonstrativo de que desenvolver instrumentos inovadores para alavancar recursos para investimentos sustentáveis é algo possível”, diz Sierra, do BID. 

Mario Gouvêa, do Tesouro (esquerda), e Eduardo Sierra, do BID (centro), falam sobre os resultados do Eco Invest com Vanessa Adachi (Reset)
Mario Gouvêa, do Tesouro (esquerda), e Eduardo Sierra, do BID (centro), falam sobre os resultados do Eco Invest com Vanessa Adachi (Reset)

Proteção cambial

O risco cambial e de liquidez são fatores que dificultam investimentos em mercados emergentes como o Brasil, contribuindo para o déficit em investimentos sustentáveis. 

Atrair capital estrangeiro em escala para financiar a transição da economia esbarra no risco cambial, uma vez que os projetos têm receita em reais e um investimento em moeda estrangeira. Para oferecer uma solução para a questão, o Eco Invest prevê duas linhas de crédito. 

“Nas linhas cambiais, a gente trabalha com camadas de risco. A primeira camada é de retenção de risco no projeto com um empréstimo de liquidez. Estou transformando risco cambial em risco de crédito com aumento de dívida. É isso, não tem mágica”, diz Gouvêa. 

A segunda linha é de proteção contra a variação do câmbio. A ideia é aproveitar o risco “triplo A” do BID para trazer para o Brasil diversas opções de produtos a um custo mais acessível. Esses instrumentos, contratados pelo BID junto a bancos estrangeiros, serão repassados ao Banco Central, que os repassará a instituições financeiras locais.

O BID disponibilizou US$ 3,4 bilhões para hedge cambial e US$ 1,9 bi para linhas de liquidez. 

Segundo o coordenador do programa, a primeira linha já está com os estudos finalizados e estruturada e a segunda deve estar pronta até o início do próximo ano. 

“O Eco Invest traz competitividade para o Brasil, mais do que simplesmente uma forma de indução da transição [para uma economia de baixo carbono]”, diz Daniel O’Czerny, head de infraestrutura e project finance do Citi na América Latina. 

“Faz com que os investidores, tanto de dívida quanto de equity, olhem para o Brasil e vejam aqui uma oportunidade interessante de desenvolver projetos.”

Proposta dos bancos

Para fazer propostas, os bancos foram buscar dentro de suas carteiras projetos que se encaixassem nos setores elegíveis para investimentos, avaliando seu nível de maturidade. 

“Quando montamos o nosso pipeline para o Eco Invest, olhamos de uma forma matricial. Fomos de setor a setor, buscando os clientes, as oportunidades, o que a gente via no curto, médio e longo prazo”, diz O’Czerny.

Ele conta que o banco classificou as oportunidades em três categorias. A primeira é de investimentos dentro de uma planta fabril, de uma operação que já está rodando. “São projetos mais fáceis de desenvolver, geralmente de uma grande empresa, de otimização ou mudança de matriz energética. São volumes menores, mas com grande probabilidade de acontecer”, diz. 

A segunda é de projetos com tecnologias ou mercados maduros, em que o banco entende que está pronto para ir a mercado e com um modelo econômico capaz de pagar o financiamento. A terceira categoria éde projetos na fase de pesquisa e desenvolvimento, caso de alguns tipos de combustíveis sustentáveis como o hidrogênio verde, exemplifica o head do Citi.  

Com um exemplo dentro de casa, ele mostra que é possível buscar recursos para os projetos na alavancagem que o banco apresentou no leilão. Neste ano, o Citi liderou a emissão de quase US$ 6 bilhões de títulos com selo verde de empresas brasileiras no mercado de capitais internacional neste ano. O valor é superior ao que o banco terá que buscar em investimentos estrangeiros para os projetos do programa, que poderão contar ainda com empréstimos bancários, além do mercado de capitais.  

“O Eco Invest é um programa super inovador para ajudar o sistema financeiro a se arriscar em coisas que são necessárias e que precisam ser alavancadas, soluções que precisamos desenvolver, principalmente trazendo capital catalítico e paciente”, diz Nicola, do Itaú.