Até os mais escaldados dos observadores acreditavam que a lei que cria um mercado regulado de carbono no Brasil seria finalmente votada nesta semana.
A COP29 começa na próxima segunda-feira (11) em Baku, capital do Azerbaijão, e o plano do governo brasileiro era mostrar ao mundo que, além de combater o desmatamento, o país também está trabalhando para reduzir as emissões dos setores mais poluidores da economia.
Mas as expectativas foram frustradas mais uma vez. A promessa agora é votar o projeto de lei 182/2024 na próxima terça-feira.
Walter Schalka, que foi CEO da Suzano por 11 anos e é uma das lideranças empresariais que há anos carregam a bandeira da obrigação regulatória sobre os grandes emissores de gases do efeito estufa, soa exasperado.
“Como sempre, nunca fazemos nada com antecipação.” Schalka conversou com o Reset duas vezes. Na primeira delas, na sexta-feira da semana passada, ele dava como certa a passagem da legislação antes da conferência do clima da ONU.
Na tarde desta terça, depois de participar de uma reunião do conselho de administração da Vibra, ele soube pela reportagem do adiamento da votação. “É uma surpresa triste.”
A frustração é explicável. Passar pelo Congresso é só a primeira etapa de muitas, envolvendo regulamentações, criação de novas estruturas, definições técnicas e assim por diante. Ir do Legislativo para a sanção do presidente é um passo essencial, claro, mas inúmeros outros serão necessários até que o sistema de cap and trade esteja operando para valer.
“Espero que a regulamentação esteja resolvida até a COP30”, diz o executivo, em referência à conferência que acontece daqui um ano em Belém. “O Brasil está atrasando os necessários investimentos para descarbonização.”
Depois disso, a legislação estabelece um período de transição para a montagem e os testes do sistema, algo que pode levar até cinco anos.
Diferentes versões de projetos de lei para a criação do mercado regulado já circularam pelo Congresso, e a aposta dos observadores é que o atual vai vingar – um dia.
O preço da demora
Em meados do mês passado, junto com outras 60 lideranças dos setores produtivo e financeiro, Schalka assinou uma carta aberta aos senadores pedindo urgência na aprovação da legislação. Ele afirma que o documento foi bem recebido em Brasília. Mas o resultado ainda não se materializou
A demora cobra um preço, diz. O primeiro deles se faz sentir nos investimentos privados. Os tempos do “carbono grátis”, em que as empresas faziam planos sem ter de levar em conta o impacto climático de seus projetos, ficaram no passado.
“O mundo empresarial já aprovou todos os projetos que tinham retorno sobre capital empregado com [o preço do carbono] igual a zero.”
Companhias de vários setores sabem que estarão submetidas à regulação e terão de incluir em suas contas a precificação do carbono. Algumas delas – incluindo a Suzano, diz Schalka – fazem simulações com um shadow price, um valor fictício.
Esperar iniciativas voluntárias das empresas não é o caminho, afirma Schalka.
Durante a pandemia, o ESG foi promovido da décima página para a segunda em suas apresentações para investidores globais. Agora, foi parar na 16ª.
“A preocupação é com o retorno de capital empregado”, diz. Sem um esforço coletivo global na mesma direção de colocar um preço no carbono, tudo não passa de “discursos maravilhosos sobre a parte ambiental”.
Barreiras comerciais
As exportações do país também deveriam ser um incentivo para uma resolução rápida. Sem uma precificação doméstica de carbono, as empresas brasileiras terão de encarar barreiras comerciais para entrar em certos mercados.
Há quase 20 anos indústrias da União Europeia estão sujeitas a limites em suas emissões. A partir de 2026, o bloco vai aplicar uma sobretaxa a certos produtos importados que embutem muito CO2, como aço, cimento e fertilizantes. O Reino Unido deve fazer o mesmo no ano seguinte.
A lógica do CBAM, sigla em inglês para mecanismo de ajuste de carbono na fronteira, é garantir que as companhias da UE possam concorrer em condições de igualdade com as de jurisdições em que ainda não há um preço a pagar pelo carbono lançado na atmosfera.
A medida tem outra finalidade, argumentam os europeus: evitar que as companhias do continente levem suas fábricas para esses países que não impõem restrições aos grandes emissores.
Por outro lado, empresas reguladas em seus países de origem estarão isentas desse “ajuste de fronteira” – mais um motivo para a pressa em colocar em pé o mercado regulado.
Schalka vai além. “O Brasil poderia ter um alinhamento no carbono com a União Europeia e, eventualmente, com a Inglaterra e participar do mercado regulado deles também, e eles do nosso, fazer um mercado único de carbono.”
Este seria o sonho de consumo, diz o executivo – e o texto em análise no Congresso prevê a possibilidade de integrações, mas algo nesse sentido deve ficar bem mais para a frente.
Ele tem a mesma opinião sobre o texto do PL. “É nota 10? Não. Mas talvez seja um 9 ou 9,5. Se a gente buscar o texto perfeito, não sai nada. Temos que seguir em frente e acertar na regulamentação.”