A ONU publicou nesta quinta-feira seu levantamento anual indicando a distância entre as promessas de descarbonização dos países e o que o mundo realmente precisa fazer para evitar o agravamento da crise climática.
Em resumo: estamos basicamente imóveis,enquanto as tragédias só ganham velocidade e gravidade.
Não chega a ser surpresa. Quem presta um pouco de atenção nas notícias talvez já tenha reparado que, nesta época do ano, quando vai chegando a COP, os alertas estão a caminho.
“Não temos tempo a perder”, “Ação imediata”, e variações do tema. Este ano, o relatório implora: “Chega de vapor… por favor! Com um abismo entre a retórica e a realidade, os países preparam seus novos compromissos climáticos”.
Se não é original, pelo menos esta última frase tem relação com o Brasil e a COP30, que acontece em Belém do Pará.
O levantamento da ONU aponta que, no ritmo atual e com as promessas nacionais feitas mirando o fim desta década, o mundo caminha para um aumento de temperatura entre 2,6°C e 2,8°C na comparação com a era pré-industrial.
Isso é grave. Os quase 200 países que fazem parte da Convenção do Clima concordam que qualquer elevação além de 1,5°C traz o risco de consequências muito mais graves e imprevisíveis para a vida no planeta – humana, mas não só.
Para ter alguma esperança de atingir esse objetivo, cada país deve ser mais ambicioso em suas estratégias de descarbonização. Eles apresentam o que pretendem fazer em um documento chamado NDC, sigla em inglês para contribuição nacionalmente determinada.
O que o Brasil tem a ver com isso? (Além de se esforçar mais, claro.)
As NDCs têm de ser revistas a cada cinco anos. O próximo prazo vence no começo do ano que vem, quando devem ser apresentados os planos para o período entre 2030 e 2035.
E o Brasil, como anfitrião e presidente da COP de 2025, se comprometeu a mostrar sua NDC antes da maior parte do resto do mundo. A expectativa é de um documento ousado e, principalmente, alinhado com a meta de 1,5°C.
Entendendo as NDCs
Aqui é necessário fazer algumas observações para quem não está familiarizado com o funcionamento das negociações internacionais do clima.
Em primeiro lugar, como diz o nome, as NDCs são nacionalmente determinadas. Nenhum país pode ser forçado a nada. A soberania é um princípio fundamental da Convenção do Clima.
Também é fundamental levar em conta as diferentes realidades econômicas. Como os países mais pobres e vulneráveis não se cansam de repetir: papel aceita tudo.
De nada adianta fazer grandes promessas se eles não tiverem o dinheiro para colocá-las em prática. Este é um dos pontos centrais da discussão sobre financiamento climático.
E as NDCs não são vinculantes. A entrega do documento é obrigatória, mas o cumprimento do que ele diz é voluntário. Não fazer nada não resulta em punições.
A base do sistema é a cooperação e a crença de que todos vão fazer o maior esforço possível para que o mundo, coletivamente, possa sair dessa, ou pelo menos minimizar as consequências.
Urgência urgentíssima
A NDC brasileira deve ser apresentada na COP29, que acontece entre 11 e 22 de novembro no Azerbaijão. Não se sabe que compromissos ela contém, mas certamente um dos itens de destaque será a proteção das florestas (considerando que a partir de 2030 o desmatamento já estará sob controle).
Mas o relatório da ONU indica que, para manter vivo o objetivo de limite de temperatura – que a diplomacia brasileira batizou de Missão 1,5°C –, o esforço será enorme.
Primeiro, teremos de acelerar o ritmo da descarbonização global imediatamente. Segundo os cálculos dos cientistas, em 2030 as emissões de gases de efeito estufa deverão ser reduzidas em 42%.
Em 2035, o corte deve chegar a 57% (a base de comparação é 2019).
Caso as reduções sejam de 28% em 2030 e 37% em 2035, a temperatura global deve subir 2°C – um nível potencialmente catastrófico.
Um estudo liderado pela NASA, a agência espacial americana, estima que a partir desse patamar são plausíveis cenários em que mais de um quarto da população global pode enfrentar um mês extra de calor extremo a cada ano e a Amazônia pode se aproximar de um ponto de virada sem volta, com perdas massivas de vegetação e uma ruptura completa no regime de chuvas da América do Sul.
Ambição ou ousadia?
A rede de ONGs climáticas Observatório do Clima fez um exercício teórico sobre o que seria uma NDC brasileira verdadeiramente ambiciosa.
A proposta envolve, em 2035, uma redução de 92% do carbono lançado pelo país na atmosfera, em comparação com o ano base de 2005.
Parece altamente improvável que o documento apresentado pelo país em algumas semanas chegue perto desse nível de ambição – ou talvez a melhor palavra seja ousadia.
Mas David Tsai, coordenador do SEEG e um dos autores do exercício, diz que nada ali “vai contra as leis da física”.
De olho no termômetro, o mundo aguarda o plano brasileiro.