Uma série de autoridades e entidades internacionais de peso – Fórum Econômico Mundial, OCDE, TNFD, IFRS e NGFS – já cantaram a pedra de que a dependência dos negócios do chamado capital natural – e seus impactos sobre eles – devem ser avaliados e gerenciados sob o viés de riscos e oportunidades, já que representam riscos econômicos que se espraiam para riscos financeiros globais.
O capital natural é o estoque de recursos naturais renováveis ou não, como água, solo, minerais, animais e plantas, que geram benefícios para indivíduos e negócios (matérias-primas e insumos).
O reconhecimento de que a dependência desse capital natural e o impacto sobre ele devem ser gerenciados pelo setor privado ganhou recentemente o reforço do Comitê de Estabilidade Financeira (FSB, na sigla em inglês), órgão que coordena globalmente os esforços dos reguladores financeiros do mundo todo.
A pedido dos Ministros das Finanças do G20, o FSB publicou um balanço global de iniciativas de regulação e supervisão sobre riscos financeiros de natureza.
Segundo os achados do FSB:
- as instituições financeiras do mundo todo estão em diferentes estágios de avaliação dos riscos financeiros de natureza, sendo que as iniciativas variam de acordo com o mandato de cada uma;
- a regulação e supervisão estão em estágio inicial globalmente, diferindo consideravelmente entre instituições e jurisdições; e
- a divulgação dessas informações constitui importante ferramenta de regulação e supervisão, tendo a TNFD, força tarefa global de empresas e instituições para padronizar esses relatos, assumido o papel de coordenadora voluntária dos esforços, exatamente como o fez a TCFD com os reportes de riscos e oportunidades climáticos.
Avaliando o cenário Brasil, sob a denominação “raiz” de riscos ambientais, nosso Banco Central regula a gestão e o relato de riscos (e oportunidades) de natureza desde 2021. Porém, acompanhando o movimento global, a ênfase até aqui havia sido apenas nos riscos climáticos, tanto do ponto de vista do regulador como de seus regulados.
Como, então, conseguiremos aprender a jogar essa nova fase do jogo?
O primeiro passo, sem dúvida, é entender as obrigações relativas à natureza assumidas pelos países signatários da Convenção de Diversidade Biológica (CDB), Brasil incluso, formalizadas no Marco Global de Biodiversidade (MGB).
O MGB prevê 23 metas a serem atingidas até 2030, sendo que na próxima Conferência das Partes da CDB, a COP16 que ocorrerá em Cali, Colômbia, logo mais em outubro, os países deverão apresentar o status de cumprimento dos compromissos assumidos e planejar os próximos passos.
Espera-se que as negociações foquem em 3 temas relevantes para viabilizar a implementação do MGB:
- a operacionalização das diretrizes de monitoramento, com a definição dos indicadores para cada uma das 23 metas que permitirão aos países reportar o progresso de cumprimento (meta 15);
- a mobilização de capital para financiar sua implementação, com a reformulação do sistema de incentivos econômicos e fiscais e subsídios (meta 18) e o levantamento de US$200 bilhões por ano, até 2030 (meta 19);
- a conclusão do mecanismo multilateral de distribuição justa e equitativa de benefícios derivados do uso de recursos genéticos e sequenciamento digital de recursos genéticos, assim como do acesso ao conhecimento tradicional associado ao uso de recursos genéticos (meta 13).
Aqui é que o jogo passa a ficar sério para o setor privado.
As metas 15, 18 e 19 do MGB são as que mais diretamente o impactam e dele dependem para serem efetivamente implementadas. Isso sem contar que as decisões tomadas na COP16 resultarão em novas regulações nacionais que também o impactarão.
Logo, o setor privado brasileiro deveria estar se preparando não apenas para trabalhar lado a lado de forma proativa e apresentar sua posição ao governo, como subsídio para construção de nossa posição como país a ser negociada na COP16, mas também para acompanhar as negociações que lá ocorrerão.
Em que pese algumas empresas líderes de mercado no Brasil estarem, de forma brilhante, tomando ações individualizadas para avaliar, gerenciar e divulgar riscos e oportunidades de natureza, o Brasil só cumprirá seus compromissos se tivermos mobilização setorial significativa.
Este é o momento de o setor privado demonstrar que entendeu que há uma nova fase do jogo liberada e que está aprendendo as jogadas para liderá-lo.
A saúde e resiliência da economia brasileira dependerão dessas ações, assim como a geração de valor dos nossos negócios no longo prazo. Sem capital natural, sem economia.